PICICA: Entidades
e movimentos que atuam na defesa dos Direitos Humanos das Pessoas em
Situação de Rua e na Luta Antimanicomial manifestam-se contra PL que
altera a Lei de Drogas, que vem levantando relevantes questionamentos às
violações dos direitos humanos dos usuários e dependentes de drogas,
notadamente do crack.
CARTA AO GOVERNO FEDERAL
Excelentíssima Senhora Presidente da República, Dilma Rousseff
Referente: Projeto de Lei 7.663 de 2010,
na pauta para votação na Câmara dos Deputados, apresentada pelo
Deputado Osmar Terra/PMDB/RS, que “acrescenta e altera dispositivos à
Lei 11.343, de 23 de agosto de 2006, para tratar do Sistema Nacional de
Políticas sobre Drogas, dispor sobre a obrigatoriedade da classificação
das drogas, introduzir circunstâncias qualificadoras dos crimes
previstos nos arts. 33 a 37, definir as condições de atenção aos
usuários ou dependentes de drogas e dá outras providências” e seu
Substitutivo, apresentado pelo Deputado Givaldo Carimbão, Relator da
Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas que
“acrescenta e altera dispositivos da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006, para tratar do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas,
definir as condições de atenção aos usuários ou dependentes de drogas,
tratar do financiamento das políticas sobre drogas e dá outras
providências”.
EXA. SRA. PRESIDENTE,
AS ENTIDADES E MOVIMENTOS QUE ATUAM NA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DAS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA E NA LUTA ANTIMANICOMIAL vêm por seus representantes que subscrevem a presente carta, à ilustre presença de Vossa Excelência, INFORMAR E REQUERER O QUE SEGUE, pelas razões que passam a expor:
A
tramitação do Projeto de Lei - PL 7.663 de 2010, de autoria do Deputado
Osmar Terra, que se encontra como prioridade na pauta para votação na
Câmara dos Deputados, e seu Substitutivo apresentado em 17/12/2012 pelo
relator da Comissão Especial do Sistema Nacional de Políticas sobre
Drogas, Deputado Givaldo Carimbão tratam de tema de grande repercussão
social e de relevantes questionamentos sobre violações dos direitos
humanos dos usuários e dependentes de drogas, notadamente do crack.
Entre
várias medidas, é sabido que alguns Estados da Federação, sobretudo os
estados de São Paulo e Rio de Janeiro, têm implementado em sua política
de combate ao crack as internações compulsória e involuntária, sendo
muitos os pareceres e posicionamentos contrários de entidades, grupos,
movimentos sociais e populares, em todo o Brasil, com argumentos
consistentes que merecem especial atenção pela relevância do tema e implicações da medida do ponto de vista ético, jurídico e político.
DAS VIOLAÇÕES DE DIREITOS DO PL 7663/2010 E SEU SUBSTITUTIVO
Além de assegurar a possibilidade de internações forçadas, o PL 7.663/2010 e seu Substitutivo propõem, entre inúmeros outros equívocos e controvérsias, o que se segue:
-
Reconhecem apenas serviços que trabalhem no viés da abstinência,
negando uma estratégia de tratamento eficaz e mundialmente utilizado, a
Redução de Danos;
-
Garantem, nos chamados programas de reinserção social, vagas no sistema
de ensino e de trabalho apenas se o “postulante abster-se do uso das
drogas” e o descumprimento desta exigência “enseja desligamento do
mesmo”;
-
Criam a possibilidade de pagamento, com recursos públicos, de
internações em estabelecimentos privados, propondo, além de tudo, uma
perversa distinção: (1) internação voluntária: pagamento pelo poder
público; (2) internação involuntária: pagamento pelo SUS;
-
Propõem remuneração aos membros dos Conselhos de Políticas sobre
Drogas, em suas três instâncias, numa lógica distinta de todos os
conselhos já constituídos no Brasil;
-
Desconhecem e desrespeitam o protagonismo e opinião dos usuários,
alijando-os de todo o processo metodológico empregado na avaliação e
acompanhamento dos serviços oferecidos pelas instituições financiadas;
-
Avalizam o retorno das práticas higienistas, desumanas e arbitrárias,
ferindo direitos fundamentais de crianças e adolescentes, obrigando o
poder público a providenciar o imediato acolhimento institucional desta
população, quando em situação de rua;
- Banalizam o dispositivo da internação de usuários e dependentes de drogas, repetindo-o ad nauseun,
ignorando, com descaso e negligência, sem nem mesmo citar, a rede de
serviços substitutivos do SUS, opção primeira de qualquer tratamento
digno e de qualidade;
-
Aumentam o período de aplicação das penas quando do porte de drogas
para consumo próprio, sem definição de critérios claros para diferenciar
usuário de traficante.
PORTANTO:
- Entendemos que a aprovação de um Projeto de Lei como o PL 7.663 de 2010 e seu Substitutivo, sendo aprovados para o que se propõem, constituirão uma violação ao princípio do não retrocesso, tendo em vista os reconhecidos avanços das Reformas Sanitária e Psiquiátrica, da luta antimanicomial e da Política Nacional para a População em Situação de Rua.
- A Constituição Federal garante direitos individuais e coletivos aos cidadãos, estabelece como princípios basilares em seu artigo primeiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana e como garantias e direitos fundamentais, disposto no artigo 5°, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Em nosso entendimento a PL e seu substitutivo constituem ameaças de violação de todos esses direitos.
- O direito a saúde é um direito social, fundamental, inalienável e indisponível (art. 6º da CF/88) e tal imposição legal implica em conseqüências práticas, sobretudo no que tange à sua efetividade, com a materialização em políticas públicas. No caso em tela, defendemos políticas públicas dignamente financiadas, substitutivas à lógica manicomial, corajosas, ousadas e inovadoras. Destacamos a Política de Saúde já estabelecida para o tratamento de usuários e dependentes de álcool e outras drogas, que apresenta a importância dos Consultórios de Rua, dos CAPS-AD, da estratégia da Redução de Danos, dos leitos em hospitais gerais e dos Centros de Atenção aos moradores de rua nas modalidades específicas da Política Nacional.
- O direito a saúde também encontra guarida na própria Declaração Universal da Organização das Nações Unidas – ONU, de 1948, que declara expressamente que a saúde e o bem-estar da humanidade são direitos fundamentais do ser humano. No mesmo sentido, nas Convenções e nos Tratados internacionais, reconhecidos e ratificados pelo Brasil, também são encontradas referências ao direito à saúde como direito social, como é o caso do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966.
- Políticas emergenciais de internação involuntária e compulsória caminham na mesma direção dos modelos repudiados desde a década de 40 do século XX, rejeitados pela luta antimanicomial e pela reforma psiquiátrica, que demonstraram a ineficácia do sistema de segregação em equipamentos fechados, que representavam espaços de reclusão, miséria e reprodução da violência. A internação somente é possível como ÚLTIMA forma de tratamento, depois de esgotadas todas as alternativas na área da saúde e demais políticas sociais de garantia de direitos, pois como afirmou o Egrégio Tribunal de Justiça do próprio Estado de São Paulo, “restringir direitos fundamentais da pessoa é sempre uma decisão a ser imposta com redobrada cautela, por consubstanciar exclusão de faculdades naturais, e que são próprias da cidadania” e ainda que a “internação compulsória é medida drástica e importa em privação da liberdade”. Assim, não temos dúvidas quanto à frontal violação dos direitos humanos e principalmente ao Princípio do Não Retrocesso.
Diante
dos pontos apresentado, nós, na condição de entidades e movimentos que
atuam na defesa dos Direitos Humanos da População em Situação de Rua e
dos portadores de sofrimento mental, informamos a Vossa Excelência nosso
total desacordo com tal Projeto de Lei e seu Substitutivo, tendo em
vista, como já é de conhecimento público, que as propostas neles
contidas, buscam atingir, em sua grande maioria, a população em situação
de rua, sejam adultos, adolescentes ou crianças.
É
este mesmo furor higienista, violento, preconceituoso e arbitrário, que
assola o nosso país nos dias de hoje, que o faz abandonar, perseguir e
humilhar seus filhos mais fragilizados socialmente. Não podemos permitir
que tais medidas, com roupagem de legalidade, sejam justificativas para
a segregação social, vencida (pelo menos, em tese) em nosso país já há
25 anos, com a promulgação da Constituição Federal de 1988.
POR TODO O EXPOSTO, REQUEREMOS AO EXCELENTÍSSIMO GOVERNO FEDERAL:
Sejam
retirados da pauta da Câmara dos Deputados Federais para votação o
referido Projeto de Lei e seu Substitutivo (aprovado pela Comissão
Especial em dezembro último), para que possamos, por meio da criação de
um amplo e representativo Grupo de Trabalho, esclarecer as contradições e
ameaças de violações a Direitos Humanos Fundamentais, construir e
pactuar novas propostas, tendo em vista a possibilidade de grande
retrocesso do Estado Brasileiro nas suas políticas de garantia e defesa
dos direitos humanos, assim como violação à Constituição Federal,
legislações internas e pactos internacionais em que é signatário o
Brasil.
Belo Horizonte, 14 de fevereiro de 2013.
Assinam 330 entidades: veja no Facebook.
Nenhum comentário:
Postar um comentário