PICICA: "A passagem do blog egóico e estéril para o blog commonista
e fecundo não é um processo objetivo, por suposto. A tecnologia e a
técnica não são dotadas de qualquer (auto)funcionamento transcendente —
do mesmo modo que ninguém morre de contradição. Esse processo não é
fruto de qualquer progressismo à la filosofia da história, tampouco eclode da condição sui generis do
blog por si só: é o próprio desejo de ir para além, investido num agir
militante, à busca de agenciamentos nas terras para lá do horizonte que,
quando referido ao blog, produz esse efeito; sem meios e fins, mas sim
causas e efeitos — ir para lá, desbravar novas terras sem deixar de
pisar nelas e, assim, ter em mente que o horizonte não é alcançável como
tal, o atual do virtual. A blogagem termina por ser solidão (bem)
acompanhada em um noite erma, na qual nem os grilos fazem barulhos,
embora de uma faísca postada aqui ou ali, uma crônica de um presente esquecido, as brumas devêm lembrança do aqui-agora e se faz rizoma."
BLOG – Hugo Albuquerque
O Blog, ou Weblog, é um instrumento curioso: criado, a rigor, como uma plataforma para diários virtuais, uma fábrica de banalidades próprias ao individualismo liberal, ele termina por sofrer, gradualmente, uma (des)apropriação que o torna um ser potente no debate político; a própria potência tecnológica do blog traiu sua destinação, tal como acontece com o capitalismo cognitivo (que o criou) em sua relação (problemática) com a produção da multidão. Se o capitalismo cognitivo depende do conhecimento comum expresso em redes para conseguir funcionar, por outro lado, as mesmas redes são os modos definitivos de resistência contra ele próprio; o blog — que deveria ser um pequeno gadget voltado para alguém falar sobre si mesmo — possui uma estrutura interativa, por meio dos links, além da capacidade de publicar textos, imagens e vídeos instantâneos que servem à traição da sua teleologia egóica.
Ele, portanto, é o lugar onde se bloga, no qual se exerce a arte da bloguística, cuja relação com a política é umbilical. No entanto, é fato que se assim como é possível usar a televisão para transmitir fotos em vez de vídeos sincronizados com som, é igualmente possível fazer jornalismo em um blog, o que, por mais bem-intencionado que seja, consiste em subestimar sua capacidade: a bloguística consiste em algo mais, na atividade ela mesma de articular textos — escritos (na prosa e poesia, na alegria ou no lamento), fotografados, pintados, filmados etc — em um contexto político — historicamente situado, mesmo no que toca aos assuntos mais singelos — imersos em um grande hipertexto virtual com o pretexto de produzir bons encontros; o post de um blog não é como uma reportagem, ele não está dobrado na forma de um triângulo formado por um fato inteligido e aceito, o selecionador-emissor e, por fim, seus receptores mudos — ao contrário, ele está desdobrado na medida em que possui uma abertura imanente: está em constituição, seja pela caixa de comentários ou pelas interação possíveis e variadas, restando jamais constituído ou termidorizado.
A passagem do blog egóico e estéril para o blog commonista e fecundo não é um processo objetivo, por suposto. A tecnologia e a técnica não são dotadas de qualquer (auto)funcionamento transcendente — do mesmo modo que ninguém morre de contradição. Esse processo não é fruto de qualquer progressismo à la filosofia da história, tampouco eclode da condição sui generis do blog por si só: é o próprio desejo de ir para além, investido num agir militante, à busca de agenciamentos nas terras para lá do horizonte que, quando referido ao blog, produz esse efeito; sem meios e fins, mas sim causas e efeitos — ir para lá, desbravar novas terras sem deixar de pisar nelas e, assim, ter em mente que o horizonte não é alcançável como tal, o atual do virtual. A blogagem termina por ser solidão (bem) acompanhada em um noite erma, na qual nem os grilos fazem barulhos, embora de uma faísca postada aqui ou ali, uma crônica de um presente esquecido, as brumas devêm lembrança do aqui-agora e se faz rizoma.
O blogueiro é, dessarte (e por sua arte), um solitário em permanente encontro, destinado a topar com a multidão, cortado por uma transversalidade que é própria de como, e onde, atua, o que faz emergir a própria multiplicidade do mundo e das coisas do mundo, dos muitos mundos dentro do mundo. Blog, grosso modo, pode se dizer mídia, mas certamente não é meio, é causa que leva a linguagem ao limiar permitindo o político devir real no comum das redes. O problema posto, retomamos, é o mesmo que Tarkovsky estabeleceu para o Cinema: muitas vezes, uma arte jovem carece de uma linguagem própria e, assim, é lícito buscar o que está ali, à mão; o mestre russo, por sua vez, optava pela linguagem da pintura — e fazia a opção pelas linhas livres e virtuosas do Renascimento –, enquanto cá, no que toca à bloguística, sugerimos a linguagem da literatura filosófica — agenciada com a própria pintura e a fotografia — como um modo de, para fazer uso de um exemplo já citado, não transmitir uma sequência de fotos sem som ao fundo em uma televisão, ainda que reconheçamos estar bem longe do movimento das imagens e da sincronia com o som.
O bloguismo revolucionário é a adoção dessa atividade como luta material, constituindo o real realizante pela atualização do virtual — e, também, pela virtualização do atual como forma de, do deslocamento do seu ser, fazer com que ele encontre algo ou alguém pelo caminho — como exercício prático do comum — que lhe é prévio e no qual ele está imerso –; a blogagem é iconoclasta, destrói, na imanência, a doxa jornalística (e tantas outras, a acadêmica inclusive) para atingir as paixões tristes em cheio, vergando-lhes.
Fonte: Global Brasil Revista Nômade
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