PICICA: "Por que não criar uma aliança tecnopolítica entre os cidadãos do Sul
da Europa e da América Latina? Possivelmente, a América Latinha tenha o
melhor ecossistema para criar um novo protótipo de mundo. Governos, em
geral, orientados à esquerda, ao social. Uma intensa história ao redor
da propriedade coletiva e o trabalho colaborativo. Uma forte inércia
social, analógica e digital. Na América Latina está o único país do
mundo que protege a Wikileaks (o Equador). Na América Latina,
concretamente na cidade brasileira Porto Alegre, nasceram o Orçamento
Participativo e o Fórum Social Mundial. Na América Latina, muitos
governos usam software livre. Na América Latina, os zapatistas iniciaram
o caminho da tecnopolítica e do hacktivismo dos 99%. Na América Latina
(na Argentina de 2001), as trocas e assembleias renasceram das cinzas do
capitalismo. Na América Latina ainda existem práticas tradicionais de
trabalho comunal, como o ayni (Bolívia), o tequio (México) e a mingua
(Equador) em total sintonia com as redes P2P ou com os commons."
Wikisprint: utopia latina em 20 de março
By Bernardo Gutierrez – 14/03/2013Sul da Europa e América Latina preparam-se jornada de ação e conhecimento compartilhado. Veja como participar, onde e por quê
Por Bernardo Gutierrez | Tradução: Gabriela Leite
Um coletivo indígena de Chiapas enlaçado com um espaço de co-working de Quito. Uma plataforma de crowdfunding de Barcelona trabalhando com o movimento de dados abertos de Montevidéu. Uma cooperativa grega inspirando coletivos artísticos de Caracas (e vice versa). Um grupo hacktivista de Madri, retroalimentando-se da permacultura das favelas do Rio de Janeiro. Uma comunidade de programadores de software livre de Buenos Aires colaborando com urbanistas de Lima. Coletivos culturais junto de hackers. Fundações com ativistas. Artistas copyleft e gestores de cooperação. Política em rede. Ecologia de código aberto. Open data. O sul da Europa, seus movimentos bottom up e horizontais, unido à enérgica América Latina. A #GlobalRevolution, a inovação social e o bem comum dialogando entre fronteiras. E ambos os lados do Oceano Atlântico unidos pelo peer-to-peer (P2P), uma topologia de rede aberta na qual cada nó está conectado ao resto sem passar por nenhum centro. O P2P – com sua abetura, descentralização e empoderamento coletivo – não é mais algo minoritário. É filosofia, tendência de trabalho, uma realidade sólida. O P2P é o sistema nervoso do mundo.
Não é apenas um começo poético. Tampouco um exagero geek. Este parágrafo pode ser realidade a partir do próximo dia 20 de março, quando o #Wikisprint da P2P Foundation será celebrado simultaneamente em vinte países, no que estou especialmente envolvido. O wikisprint, um processo de documentação coletiva e mapeamento de experiências, tem sua origem nas comunidades de programadores de Python, uma das linguagens mais populares de software livre. A prática estendeu-se a outros âmbitos, como à redação de livros coletivos. A respeitadíssima P2P Foundation realiza wikisprints para mapear experiências ao redor destes novos paradigmas. O wikisprint do próximo 20 de março servirá, por exemplo, para mapear experiências ao redor dos commons, da inovação aberta, da co-criação, da trânsparência, do co-projeto, da impressão 3D, das licenças livre… entre outras coisas. Vale a pena ler os critérios de inclusão na wiki da P2P Foundation. Neste documento aberto está a lista de cidades confirmadas: qualquer pessoa pode adicionar a sua. Todos os fluxos circularão de alguma forma pelo site criado para a ocasião (wikisprint.p2pf.net) e por uma hashtag do Twitter #P2PWikisprint.
Apesar de que inicialmente o #wikisprint seria desenvolvido apenas na Espanha, aproveitando a visita de Michel Bauwens, fundador da P2P Foundation, o intercâmbio de informação e as conexões humanas estenderam a convocatória a toa a América Hispânica. Também se uniram o Brasil, a Grécia e a Itália. Redes, pessoas e instituições, unidos pelo P2P. Contudo, no #wikisprint do próximo 20 de março, possivelmente um dos maiores da história, vai haver muito mais que um mapeamento. A inércia colaborativa gerou um riquíssimo roteiro. Durante o #wikisprint haverá todo o tipo de atividades. Debates, conferências, projeções, self media, oficinas, visualizações de redes, vídeos…
Por que é importante o próximo wikisprint da P2P Foundation? Por muitos motivos. O primeiro: visibilizar processos que as grande mídas e governos ocidentais ignoram. A Espanha, um dos países mais castigados pela crise macroeconômica, é uma das pontas da lança do mundo em rede, do P2P, dos commons, das novas lógicas horizontais, da economia colaborativa. E os meios de comunicação em massa ignoram uma realidade facilmente comprovável com dados. A Espanha é o país do mundo com o maior número de espaços de co-working per capita (terceiro em números absolutos). O país lidera, com muita distância, o movimento das moedas sociais. A Espanha em 2010 já tinha mais obras licenciadas com Creative Commons que os Estados Unidos. A Espanha é o quarto país do mundo em número de fab labs (que não se resume apenas ao mundo da impressão 3D, mas é em si um sintoma).
Além disso, a cultura copyleft contagiou, na Espanha, a arquitetura, a agricultura, a comunicação e a advocacia. Lá opera a maior rede do mundo de Wi-Fi alternativa, Guifi.net, que incentiva os nós compartilhados. E lá nasceu o projeto Lorea, a maior sementeira global de redes sociais livres. E se ainda for pouco, o movimento transversal 15M-Indignados está catapultando os processos de participação políticos-sociais-comunicativos e revitalizando os commons urbanos e rurais. Por que a grande mídia ignora essa realidade? Por que apenas associam a P2P a “pirataria”?
Pelo mesmo motivo que escondem o que está acontecendo na Grécia, atingida pelas exigências neoliberais da “Troika”: por medo. Ignorados pelos grandes meios de comunicação, os gregos estão construindo um novo paradigma da economia do bem comum, um mundo coletivo alimentado pelas redes. Não é casualidade que a P2P Foundation tenha uma versão em grego. Por outro lado, a Itália, que é governada por um tecnocrata, também tem muito a dizer neste novo mundo em rede. Italianos são a placa Arduino (no caso open hardware mais popular), os pensadores Toni Negri (que preconizava em Multidão a irrupção do crowd) e Franco Berardi ‘Bifo’, experiências tão novas quanto o Open P2P Design ou o mal compreendido MoVimento 5 Stelle (M5S). Em seu lugar, Portugal, que ainda não havia confirmado sua participação no #wikisprint, está vendo como seu governo migra ao software livre.
Por que não criar uma aliança tecnopolítica entre os cidadãos do Sul da Europa e da América Latina? Possivelmente, a América Latinha tenha o melhor ecossistema para criar um novo protótipo de mundo. Governos, em geral, orientados à esquerda, ao social. Uma intensa história ao redor da propriedade coletiva e o trabalho colaborativo. Uma forte inércia social, analógica e digital. Na América Latina está o único país do mundo que protege a Wikileaks (o Equador). Na América Latina, concretamente na cidade brasileira Porto Alegre, nasceram o Orçamento Participativo e o Fórum Social Mundial. Na América Latina, muitos governos usam software livre. Na América Latina, os zapatistas iniciaram o caminho da tecnopolítica e do hacktivismo dos 99%. Na América Latina (na Argentina de 2001), as trocas e assembleias renasceram das cinzas do capitalismo. Na América Latina ainda existem práticas tradicionais de trabalho comunal, como o ayni (Bolívia), o tequio (México) e a mingua (Equador) em total sintonia com as redes P2P ou com os commons.
O crowd, o colaborativo, está no DNA da América Latina. A raça cósmica, profundamente mestiça, de que já falava o pensador mexicano José Vasconcelos em 1925, pode salvar os europeus dos tubarões de Frankfurt e de Wall Street. E por isso é tão importante o #wikisprint do próximo 20 de março. Um wikisprint, que unirá os movimentos e inovadores sociais do sul da Europa com a América Latina, o território onde pode nascer um novo mundo em rede, sustentável, orientado para o bem comum.
A utopia latina, isso sim, caminha em paralelo às distopias. O neoliberalismo quer transformar a América Latina em um novo espaço de consumo insustentável. O capital inventa siglas (como os BRICS, que juntam Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul) para seduzir. Para impor. E alguns governos estão caindo na armadilha do “consumo, logo existo”. O risco é gigantesco: que os governos latino-americandos identifiquem progresso com consumo, com mercado, exclusivamente com propriedade privada ou com Estado vertical. Por isso, o #wikisprint de 20 de março é mais que um #wikisprint. É um grito coletivo. Um novo espaço de diálogo. Uma nova topologia de mundo. O primeiro passo em um processo planetário que pode começar a mudar as regras do jogo.
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Bernardo Gutierrez (@bernardosampa) é jornalista, escritor e consultor digital. Pesquisa o mundo P2P e as novas realidades da cultura open source. Fundador da rede de inovação Futura Media.net
Fonte: Outras Palavras
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