PICICA: "Os
megaempreendimentos são planejados segundo a mais pura lógica
instrumental – exatamente como se fazia no regime militar do qual os
economistas neodesenvolvimentistas gostam de fazer apologia: nem os
índios e ribeirinhos de Belo Monte, nem os moradores de Santa Cruz (no
Rio de Janeiro) da Companhia Siderúrgica Atlântica, nem os moradores de
favelas e vilas, nem os operários de Jirau e tampouco os Pontos de
Cultura entram nos cálculos a não ser como “obstáculos” a serem
“removidos” ou pré-moldados nas pracinhas culturais que a Casa Civil
impõe por meio do MinC restaurado. Mas os índios que resistem a Belo
Monte, os moradores que defendem suas comunidades no Rio de Janeiro, os
operários que se revoltam em Jirau, os ativistas dos Pontos de Cultura,
dos pré-vestibulares e da cultura digital afirmam em suas lutas as
dimensões produtivas da vida. Nesse sentido, as biolutas são, ao mesmo
tempo, produtivas e reivindicativas. Na luta contra a fragmentação, elas
produzem o comum: os territórios da mestiçagem entre
cultura e natureza; a cidade dos pobres; um emprego decente; a rede dos
movimentos culturais; o trabalho de amor dos professores dos
pré-vestibulares, dos animadores dos Pontos de Cultura e dos hackers que
colaboram gratuitamente em rede. Em contrapartida, indicam uma batalha
fundamental, aquela do reconhecimento da dimensão de classe da “classe
C”: não uma faixa de consumidores definidos pelas curvas do poder de
compra de “mundos” impostos pelo capital, mas o trabalho dos pobres que
produz uma nova terra e um novo povo: sua cultura, brasileira e
antropofágica."
BIOLUTA / Giuseppe Cocco
BIOLUTA – Giuseppe Cocco
As finanças estão por toda parte e funcionam como mecanismo perverso
de uma inclusão generalizada que mobiliza os pobres enquanto pobres,
enquanto excluídos: inclusão dos fragmentos e exclusão das
singularidades constituem duas faces de um mesmo investimento paradoxal
da subjetividade. As lutas de classe hoje definem esse limiar entre
autovalorização do trabalho dos pobres e nova escravidão. Autovalorização: os informais que todo dia inventam sua vida e suas condições de trabalho; os precários que,
como anjos, desdobram-se nas atividades de cuidado das crianças, dos
idosos e dos enfermos e proporcionam flexibilidade aos processos
produtivos; os trabalhadores cognitivosque remixam permanentemente os saberes e os fazeres em novas e potentes soluções tecnológicas e culturais. Nova servidão ao capitalismo mafioso de ontem (as milícias) e de hoje (os donos das patentes, do copyright e dos serviços privatizados); às prestações pessoais de tipo servil que caracterizam as sucessivas relações de terceirização; ao totalitarismo afetivo do
projeto de empresa que leva seus empregados ao suicídio, como aconteceu
nos centros de pesquisa da France Telecom, da Renault ou do fabricante
chinês do iPhone. As lutas de classes no capitalismo contemporâneo são biolutas:
elas ocorrem justamente em torno do duplo e paradoxal processo de
inclusão e fragmentação da vida no trabalho. O sujeito dessas lutas é a
multidão dos pobres: no governo Lula, eles passaram a ser chamados de
“classe C”: com seu telefone celular, na favela pacificada, com o Bolsa
Família, o acesso ao crédito e aos ensinos técnico e superior. Enquanto
os pobres são reconhecidos como a mais nova jazida de um novo ciclo de
acumulação, não são reconhecidas suas dimensões produtivas. O horizonte
das políticas de distribuição de renda continua sendo o emprego e o
mercado. A massificação do Bolsa Família não rompe com sua dimensão
neoliberal: todos os meses, milhares de famílias – as mais vulneráveis,
aquelas que mais precisam − são expulsas do benefício, sacrificadas no
altar da condicionalidade. Da mesma maneira, os Pontos de Cultura são
sacrificados no altar da restauração do deus ex machina: o
“artista” criador. Os megaeventos (Mundial de Futebol, Olimpíadas) e até
o programa de moradia popular Minha Casa Minha Vida são usados para
“remover” (de maneira ilegal e autoritária) favelas e favelados de
determinadas áreas em nome de uma valorização imobiliária que estremece
as já dramáticas formas de segregação espacial dos pobres. Os
megaempreendimentos são planejados segundo a mais pura lógica
instrumental – exatamente como se fazia no regime militar do qual os
economistas neodesenvolvimentistas gostam de fazer apologia: nem os
índios e ribeirinhos de Belo Monte, nem os moradores de Santa Cruz (no
Rio de Janeiro) da Companhia Siderúrgica Atlântica, nem os moradores de
favelas e vilas, nem os operários de Jirau e tampouco os Pontos de
Cultura entram nos cálculos a não ser como “obstáculos” a serem
“removidos” ou pré-moldados nas pracinhas culturais que a Casa Civil
impõe por meio do MinC restaurado. Mas os índios que resistem a Belo
Monte, os moradores que defendem suas comunidades no Rio de Janeiro, os
operários que se revoltam em Jirau, os ativistas dos Pontos de Cultura,
dos pré-vestibulares e da cultura digital afirmam em suas lutas as
dimensões produtivas da vida. Nesse sentido, as biolutas são, ao mesmo
tempo, produtivas e reivindicativas. Na luta contra a fragmentação, elas
produzem o comum: os territórios da mestiçagem entre
cultura e natureza; a cidade dos pobres; um emprego decente; a rede dos
movimentos culturais; o trabalho de amor dos professores dos
pré-vestibulares, dos animadores dos Pontos de Cultura e dos hackers que
colaboram gratuitamente em rede. Em contrapartida, indicam uma batalha
fundamental, aquela do reconhecimento da dimensão de classe da “classe
C”: não uma faixa de consumidores definidos pelas curvas do poder de
compra de “mundos” impostos pelo capital, mas o trabalho dos pobres que
produz uma nova terra e um novo povo: sua cultura, brasileira e
antropofágica. Dos êxitos dessa batalha em prol do reconhecimento das
dimensões produtivas da vida dependerá, pela instituição de uma Biorrenda (uma Renda Universal de Existência), a solidificação das instituições do comum.
Fonte: Global Brasil Revista Nômade
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