março 07, 2013

"Bioluta", por Giuseppe Cocco

PICICA: "Os megaempreendimentos são planejados segundo a mais pura lógica instrumental – exatamente como se fazia no regime militar do qual os economistas neodesenvolvimentistas gostam de fazer apologia: nem os índios e ribeirinhos de Belo Monte, nem os moradores de Santa Cruz (no Rio de Janeiro) da Companhia Siderúrgica Atlântica, nem os moradores de favelas e vilas, nem os operários de Jirau e tampouco os Pontos de Cultura entram nos cálculos a não ser como “obstáculos” a serem “removidos” ou pré-moldados nas pracinhas culturais que a Casa Civil impõe por meio do MinC restaurado. Mas os índios que resistem a Belo Monte, os moradores que defendem suas comunidades no Rio de Janeiro, os operários que se revoltam em Jirau, os ativistas dos Pontos de Cultura, dos pré-vestibulares e da cultura digital afirmam em suas lutas as dimensões produtivas da vida. Nesse sentido, as biolutas são, ao mesmo tempo, produtivas e reivindicativas. Na luta contra a fragmentação, elas produzem o comum: os territórios da mestiçagem entre cultura e natureza; a cidade dos pobres; um emprego decente; a rede dos movimentos culturais; o trabalho de amor dos professores dos pré-vestibulares, dos animadores dos Pontos de Cultura e dos hackers que colaboram gratuitamente em rede. Em contrapartida, indicam uma batalha fundamental, aquela do reconhecimento da dimensão de classe da “classe C”: não uma faixa de consumidores definidos pelas curvas do poder de compra de “mundos” impostos pelo capital, mas o trabalho dos pobres que produz uma nova terra e um novo povo: sua cultura, brasileira e antropofágica." 


BIOLUTA / Giuseppe Cocco


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BIOLUTA – Giuseppe Cocco


As finanças estão por toda parte e funcionam como mecanismo perverso de uma inclusão generalizada que mobiliza os pobres enquanto pobres, enquanto excluídos: inclusão dos fragmentos e exclusão das singularidades constituem duas faces de um mesmo investimento paradoxal da subjetividade. As lutas de classe hoje definem esse limiar entre autovalorização do trabalho dos pobres e nova escravidão. Autovalorização: os informais que todo dia inventam sua vida e suas condições de trabalho; os precários que, como anjos, desdobram-se nas atividades de cuidado das crianças, dos idosos e dos enfermos e proporcionam flexibilidade aos processos produtivos; os trabalhadores cognitivosque remixam permanentemente os saberes e os fazeres em novas e potentes soluções tecnológicas e culturais. Nova servidão ao capitalismo mafioso de ontem (as milícias) e de hoje (os donos das patentes, do copyright e dos serviços privatizados); às prestações pessoais de tipo servil que caracterizam as sucessivas relações de terceirização; ao totalitarismo afetivo do projeto de empresa que leva seus empregados ao suicídio, como aconteceu nos centros de pesquisa da France Telecom, da Renault ou do fabricante chinês do iPhone. As lutas de classes no capitalismo contemporâneo são biolutas: elas ocorrem justamente em torno do duplo e paradoxal processo de inclusão e fragmentação da vida no trabalho. O sujeito dessas lutas é a multidão dos pobres: no governo Lula, eles passaram a ser chamados de “classe C”: com seu telefone celular, na favela pacificada, com o Bolsa Família, o acesso ao crédito e aos ensinos técnico e superior. Enquanto os pobres são reconhecidos como a mais nova jazida de um novo ciclo de acumulação, não são reconhecidas suas dimensões produtivas. O horizonte das políticas de distribuição de renda continua sendo o emprego e o mercado. A massificação do Bolsa Família não rompe com sua dimensão neoliberal: todos os meses, milhares de famílias – as mais vulneráveis, aquelas que mais precisam − são expulsas do benefício, sacrificadas no altar da condicionalidade. Da mesma maneira, os Pontos de Cultura são sacrificados no altar da restauração do deus ex machina: o “artista” criador. Os megaeventos (Mundial de Futebol, Olimpíadas) e até o programa de moradia popular Minha Casa Minha Vida são usados para “remover” (de maneira ilegal e autoritária) favelas e favelados de determinadas áreas em nome de uma valorização imobiliária que estremece as já dramáticas formas de segregação espacial dos pobres. Os megaempreendimentos são planejados segundo a mais pura lógica instrumental – exatamente como se fazia no regime militar do qual os economistas neodesenvolvimentistas gostam de fazer apologia: nem os índios e ribeirinhos de Belo Monte, nem os moradores de Santa Cruz (no Rio de Janeiro) da Companhia Siderúrgica Atlântica, nem os moradores de favelas e vilas, nem os operários de Jirau e tampouco os Pontos de Cultura entram nos cálculos a não ser como “obstáculos” a serem “removidos” ou pré-moldados nas pracinhas culturais que a Casa Civil impõe por meio do MinC restaurado. Mas os índios que resistem a Belo Monte, os moradores que defendem suas comunidades no Rio de Janeiro, os operários que se revoltam em Jirau, os ativistas dos Pontos de Cultura, dos pré-vestibulares e da cultura digital afirmam em suas lutas as dimensões produtivas da vida. Nesse sentido, as biolutas são, ao mesmo tempo, produtivas e reivindicativas. Na luta contra a fragmentação, elas produzem o comum: os territórios da mestiçagem entre cultura e natureza; a cidade dos pobres; um emprego decente; a rede dos movimentos culturais; o trabalho de amor dos professores dos pré-vestibulares, dos animadores dos Pontos de Cultura e dos hackers que colaboram gratuitamente em rede. Em contrapartida, indicam uma batalha fundamental, aquela do reconhecimento da dimensão de classe da “classe C”: não uma faixa de consumidores definidos pelas curvas do poder de compra de “mundos” impostos pelo capital, mas o trabalho dos pobres que produz uma nova terra e um novo povo: sua cultura, brasileira e antropofágica. Dos êxitos dessa batalha em prol do reconhecimento das dimensões produtivas da vida dependerá, pela instituição de uma Biorrenda (uma Renda Universal de Existência), a solidificação das instituições do comum.

Fonte: Global Brasil Revista Nômade

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