PICICA: "Deixar o ego para trás é uma tarefa que se constrói com esmero, dia após dia (veja Zaratustra, do caminho do criador).
É preciso prudência para ultrapassar a si mesmo, mergulhar no caos e
voltar são e salvo. Mergulhar no caos, isso os amantes do caminho do
meio não fazem, só um pezinho talvez, mas definitivamente não sabem
nadar. Mergulhar de cabeça? Pular dando um mortal? Não, isso eles não
fazem, mas isso também não se faz da noite pro dia: é preciso prudência
para voltar."
A mediocridade do caminho do meio
O meio termo, tão amado por nosso bom
senso, talvez seja umas das maldições de nosso tempo. Sonhar com a média
ponderada é consagrar a mediocridade. O medo nos impede de ir além,
“tudo bem, aqui já está bom”, ficamos sempre com o bastante para não
ultrapassar a linha e nem se frustrar com a estagnação. Das infinitas
possibilidades escolhemos previamente um percurso que vai do ótimo ao
péssimo e nele tentamos achar um pedacinho confortável para habitar. Mas
há tanto mais do que sonha a vã filosofia mediana. Para eles é difícil
afirmar o acaso, é mais fácil viver com o provável, sem dúvida, somam
seus sonhos e utopias com a miséria do seu dia a dia e tiram a média
ponderada: “aqui já está bom, não vou adiante, não vale a pena”.
“Meu filho, nem muito nem pouco, nem demais nem de menos, não exagere para nenhum dos lados: o caminho do meio”
Geometricamente falando, o ponto médio
precisa de outros dois pontos, pois uma reta é infinita. Uma reta
segmentada que vai do ponto A ao B ou do bom ao ruim (muitas vezes do
bem ao mal). Essa é a necessidade de quem caminha pelo ponto médio:
segmentar, cortar, significar o devir para nele achar um ponto ótimo,
onde não há perdas. “Vocês não sabem de nada”, eu respondo.
Não procuramos o caminho do meio, o
medíocre pode se contentar, nós não. Queremos o caminho das
intensidades, onde a identidade se desintegra. Assustador para os
amantes do Ego, que se seguram com todas as forças às percepções
decantadas e desencantadas que chamamos de eu. É pouco, o Ego é muito
pouco! Ele se alimenta de nosso estupor, ele se constitui através dos
fluxos que procuram apenas se conservar. Levantamos um altar para a
inércia e oferecemos nossa vida em sacrifício. Que intensidade é
possível na previsibilidade de um jogo enrijecido pelo termo médio?
O caminho das intensidades não conhece
meias medidas, quer ir além. Uma linha sempre é cruzada, pode ser a Lei,
os medos, a lógica, os bons costumes. Podemos inverter a fórmula para
nos fazermos entender: deixemos a intensidade fazer o caminho, não o
contrário. Aquilo que há em nós e não é fraco quer sempre ir adiante:
criar, se expandir, experimentar, criar rizomas.
Só há um caminho para a potência que é se efetuar. Nosso caminho é
feito rasgando o senso comum, o bom senso, destruíndo a lógica e as
identificações. Criando uma língua nova com a mesma língua do cotidiano;
um jeito novo de olhar, de sentir, de agir dentro do mesmo universo que
habitamos, sem importar se perdemos ou deixamos de ganhar alguma coisa.
Deleuze nos ensina a criar um corpo de intensidades, um corpo sem órgãos,
desorganizando a constituição que nos foi imposta, reinventado os
fluxos que nos atravessam. Um amor pelas minorias, no qual objetivo
inicial é mostrar que o rei está nu, mas cujo objetivo final é deixar
para trás qualquer forma de facismo e monarquismo: não há mais déspota!
Devir-criança, que em sua inocência não reconhece o caminho do meio como
uma via possível.
Mas superar o poder, o corpo organizado,
exige uma disciplina rigorosa em nós mesmos. E para isso há uma regra
importante: prudência. A prudência é uma condição para a intensidade.
Não estamos defendendo a porra-louquice, a baderna, a anarquia (usada
aqui em seu sentido banal). A prudência é instrumento da ousadia, não se
vai mais longe sem antes verificar os riscos e traçar estratégias. A
prudência não pertence aos defensores do meio-termo, muito pelo
contrário, é sua mais cruel inimiga.
Deixar o ego para trás é uma tarefa que se constrói com esmero, dia após dia (veja Zaratustra, do caminho do criador).
É preciso prudência para ultrapassar a si mesmo, mergulhar no caos e
voltar são e salvo. Mergulhar no caos, isso os amantes do caminho do
meio não fazem, só um pezinho talvez, mas definitivamente não sabem
nadar. Mergulhar de cabeça? Pular dando um mortal? Não, isso eles não
fazem, mas isso também não se faz da noite pro dia: é preciso prudência
para voltar.
O caminho do meio é o caminho da segurança, dos intimidados, dos corpos dóceis.
Nossa sociedade se alimenta deles no café da manhã e no jantar. Nem o
estupor dos covardes, entupidos de moral, embotados, entregues à
falência dos sentidos; nem os que se drogam para fugir, escrevem poesias
para se distrair, viajam para ostentar, se masturbam para se aliviar.
Nenhum deles sabe o que é o caminho das intensidades, eles são modestos,
medianos, vulgares, banais, comuns, triviais, ordinários… e ainda pedem
para serem aplaudidos.
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