PICICA: "Entrevista exclusiva concedida pelo filósofo Vladimir Safatle ao jornal Brasil de Fato em 18/02/2014."
Entrevista exclusiva concedida pelo filósofo Vladimir Safatle ao jornal Brasil de Fato em 18/02/2014.
[00:11] Em artigo
recente, você afirma que as exigências populares de uma "outra
política" expressas em junho "pararam na lata de lixo mais
próxima", e argumenta: "Depois de apresentar com uma mão
um projeto de Assembleia Constituinte para a reforma política e
retirá-lo com a outra, o governo prometera pressionar o Congresso
Nacional para debater as propostas. O resultado foi cosmético, se
quisermos ter um mínimo de generosidade". Contudo, o sociólogo
Laymert Garcia dos Santos, tratando deste mesmo assunto, apresenta um
ponto de vista diferente. Diz ele: “As ruas emitiram um sinal, e
Dilma emitiu um outro sinal em resposta num sentido de ampliação da
democracia como nunca havia acontecido. Os setores da direita
imediatamente souberam ler o que estava em jogo, e os manifestantes
não souberam". Como você encara a resposta das ruas à
proposta de Assembleia Constituinte?
[02:32] Você tem sustentado a
tese de que o modelo de desenvolvimento dos governos Lula e Dilma
esgotou-se e, ao mesmo tempo, tem insistido na necessidade de haver
um "segundo ciclo de políticas contra a desigualdade baseadas
na universalização de serviços públicos de qualidade". O que
isso significa, do ponto de vista da estratégia política?
[05:15] O cientista político
André Singer sustenta, com base em pesquisas empíricas, que, entre
a parcela mais pobre e vulnerável da classe trabalhadora, predomina
a rejeição à radicalização política. Segundo André Singer, o
"subproletariado" quer mudanças, mas dentro da ordem. A
isso eu acrescento um dado recente: pesquisa divulgada semana passada
mostra que, no Rio de Janeiro, mais da metade da população situada
na faixa de renda familiar até 2 salários mínimos é contra os
protestos [51% x 44%]. Considerando que o "subproletariado"
é base não apenas do governo Dilma, mas de qualquer governo de
esquerda, e levando em conta a tese que você sustenta em um de seus
livros, de que "o principal problema que acomete a esquerda
atual é sua dificuldade em ser uma esquerda popular”... (A
esquerda que não teme dizer seu nome, Três Estrelas, 2012),
como conciliar a necessidade de investir na radicalização política
com o desafio de ser "uma esquerda popular"?
[08:50] Em seu mais recente
livro (O dever e seus impasses, Martins Fontes, 2013), você
afirma que "o dever é uma figura do desejo" e que a
autonomia é a "capacidade de desejar o que se quer". E, há
poucos meses, você escreveu um artigo no qual argumenta que "o
capitalismo não é apenas um sistema de trocas econômicas, mas um
modo de produção e administração dos afetos. Não se deseja da
mesma forma dentro e fora do capitalismo. Há uma maneira de desejar
própria do capitalismo, de sua velocidade, seu ritmo, seu espaço.
/.../ se quisermos compreender de onde vem a força de adesão do
capitalismo, devemos nos perguntar sobre como ele mobiliza afetos,
como ele nos descostuma de certos modos de afecção e como
privilegia outros. Não nos perguntaremos apenas sobre como somos
alienados de nosso próprio trabalho, mas também como somos
alienados de nossos próprios desejos". Levando em conta que a
luta anticapitalista ocorre no interior do capitalismo, que práticas
a esquerda poderia assumir e propagar, no sentido de construir desde
já uma forma não-alienada de organização dos desejos?
[12:20] Em seu livro A
esquerda que não teme dizer seu nome, você critica a esquerda
governista pela "incapacidade de sair dos impasses do nosso
presidencialismo de coalizão" e, ao mesmo tempo, defende a
necessidade de buscar uma nova estratégia "sem ter de apelar
para ideias vagas como 'tudo se resolve por meio da vontade
política'". Se o problema não reside na vontade política,
qual é a origem dessa incapacidade?
[16:55] Sobre a violência nas
manifestações, você escreveu recentemente: "Melhor seria se
procurássemos analisar tal violência como um profundo sintoma
social da vida política nacional contemporânea. /.../ a violência
aparece como a primeira revolta contra a impotência política./.../
Como todo sintoma, há algo que essa violência nos diz. A resposta a
ela não será policial, mas política". Como você encara o
debate sobre a violência na conjuntura atual?
[20:07] Em artigo recente, você
argumenta: "Como mostrou a França quando criou um grande banco de dados
de segurança nacional chamado Hadopi, começa-se fichando pretensos terroristas
e termina-se fichando sindicalistas, manifestantes, jornalistas e
ativistas". O projeto de lei anti-terrorismo em
tramitação no Senado seria um sintoma do quê?
[22:33] Tratando das
manifestações, você escreveu: "/.../ um acontecimento, por
mais intensidade que tenha em sua eclosão, é medido por sua
capacidade de deixar marcas. /.../ Convém lembrar que um
acontecimento político não é medido, necessariamente, pela
modificação institucional que ele produz. Esta pode vir apenas
décadas depois". Que marcas foram deixadas pelos protestos de
junho?
[26:10] Ainda nesse mesmo
artigo, você afirma: "Na verdade, um acontecimento político é
medido pela sua capacidade de produzir novos sujeitos políticos.
Trata-se de novas forças de desestabilização capazes de fazer
circular outros nomes, dar visibilidade a novas lutas e demandas. Ou
seja, um novo sujeito político traz sempre uma mutação por meio da
qual o que até então era invisível ganha visibilidade". Como
você avalia a maneira como a esquerda tem lidado com esses novos
sujeitos políticos?
[31:16] O que você acha do
Movimento Passe Livre (MPL), considerando o atual quadro dos
movimentos sociais, partidos e organizações de esquerda no Brasil?
[35:10] Em artigo recente,
você argumenta que, "ao seguir uma lógica típica
norte-americana, o pensamento conservador nacional tenta se recolocar
no centro do debate por meio da inflação de pautas de costumes e de
cultura. Tal estratégia só pode ser combatida pela aceitação
clara de tais pautas de costumes, mas como eixo central de uma
política de modernização social. Cabe à esquerda dizer alto e bom
som que temas como casamento igualitário, direito ao aborto e
políticas de combate à desigualdade racial são pontos inegociáveis
a ser implementados com urgência". Como você avalia o momento
atual da sociedade brasileira no tocante a tais pautas?
[37:52] Recentemente você escreveu um
artigo, no qual sustenta que a luta por reconhecimento e ampliação de direitos
precisa ser radicalizada, mas que, diferentemente do passado recente, "tal
radicalização não passa por um aprofundamento dos mecanismos de
institucionalização. Ela passa, ao contrário, por uma profunda
desinstitucionalização". Por quê?
44:27] Em artigo recente, você afirma que "deveríamos chamar nossa
condição atual como uma situação de ‘neodemocracias’". No que consiste
uma neodemocracia?
[49:08] Nos princípios da
filosofia do direito, Hegel refere-se à concepção kantiana de
liberdade nestes termos: “Não precisa o pensamento filosófico
recorrer a qualquer consideração especulativa para repelir este
ponto de vista desde que ele produziu, nas cabeças e na realidade,
acontecimentos cujo horror só tem igual na vulgaridade dos
pensamentos que os causaram.”
Fonte: Entrevista Safatle
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