PICICA: "O
Governador do Amazonas, Danilo Areosa, pedia providencias para garantir
“a construção da estrada através do território indígena, a qualquer
custo”, considerando o índio um inútil, que precisava “ser transformado
em ser humano útil à Pátria”. E prosseguia: “os silvícolas ocupam as
áreas mais ricas de nosso Estado, impedindo a sua exploração, com
prejuízos incalculáveis para a receita nacional, impossibilitando a
captação de maiores recursos para a prestação de serviços públicos”. (A
Critica / Manaus 27 de novembro de 1968). Seu colega, Governador de
Roraima, Fernando Ramos Pereira, completou: “Sou de opinião que uma área
rica como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de
tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”. (Resist.
Waimiri-Atroari / Marewa / Itacoatiaria / 1983, pg 6)."
2 mil Waimiri-Atroari DESAPARECIDOS NA DITADURA
Por Egydio Schwade
É justo e
necessário o país se mobilizar pelos desaparecidos políticos da
Ditadura no Brasil (1964-1984). Entretanto, por que não há o mesmo
interesse na busca dos índios desaparecidos durante a Ditadura Militar
por se oporem a política do governo sobre seus territórios? Em 1968, o
Governo Militar invadiu com a rodovia BR-174, Manaus – Boa-Vista, o
território Kiña (Waimiri-Atroari). Em 1975, pelo menos 2000 pessoas já
haviam desaparecido, todos pertencentes ao povo Kiña. Isso porque se
opunham ao processo de invasão de seu território imposto pelos
militares.
O
massacre ocorreu em etapas. Na primeira delas quem esteve a frente da
construção da rodovia foi o Departamento de Estradas e Rodagem /
Amazonas (DER/AM). Os relatórios mensais dos trabalhos sempre se faziam
acompanhar com pedidos de armas e munição como este: “Vimos pelo
presente, solicitar seu especial obséquio no sentido de ser expedida
pelo S.F.I.D.T., uma autorização para compra de 6 revólveres “Taurus”
calibre 38 duplo (…), 2 espingardas calibre 16, 53 caixas de cartuchos
calibre 16, 16 caixas de balas calibre 38 longo, 25 caixas de cartuchos
calibre 20, e 2 caixas de balas calibre 32 simples. Esclarecemos,
outrosssim, que referida munição será uttilizada como medida de
segurança e de certo modo manutenção (…)”. (Of.DER-AM/DG/No. 170/68 de
04 de abril de 1968. Ass. pelo Eng. Otávio Kopke de Magalhães Cordeiro,
Diretor Geral, ao Major Luiz Gonzaga Ramalho de Castro).
Oficialmente
a FUNAI era encarregada da política indigenista, mas logo ficou
evidente que a a área Waimiri-Atroari ficaria sob o controle militar. A
segunda etapa se inicia no ano seguinte. Em junho de 1968, o Pe. João
Calleri, nomeado pela FUNAI para a direção dos trabalhos de atração, fez
um plano minucioso para os primeiros contatos e posterior fixação dos
índios fora do roteiro da BR-174. No entanto, foi obrigado pelo Major
Mauro Carijó, Diretor do DER/AM, a mudar o seu plano o que causou a
trágica morte do Pe Caleri e seus auxiliares, em outubro de 1968. Isso
possibilitou uma intensa campanha de repúdio aos Waimiri-Atroari criando
uma situação favorável à intervenção militar brutal.
O
Governador do Amazonas, Danilo Areosa, pedia providencias para garantir
“a construção da estrada através do território indígena, a qualquer
custo”, considerando o índio um inútil, que precisava “ser transformado
em ser humano útil à Pátria”. E prosseguia: “os silvícolas ocupam as
áreas mais ricas de nosso Estado, impedindo a sua exploração, com
prejuízos incalculáveis para a receita nacional, impossibilitando a
captação de maiores recursos para a prestação de serviços públicos”. (A
Critica / Manaus 27 de novembro de 1968). Seu colega, Governador de
Roraima, Fernando Ramos Pereira, completou: “Sou de opinião que uma área
rica como essa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de
tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”. (Resist.
Waimiri-Atroari / Marewa / Itacoatiaria / 1983, pg 6).
No final
de 1968 o Comando Militar da Amazônia instalou um quartel no Igarapé
Sto. Antonio do Abonari, que passou a controlar a vida e o destino dos
índios. A partir daí a FUNAI se tornou apenas um joguete do Governo
Militar a serviço do 6º BEC – Batalhão de Engenharia e Construção. O
abastecimento de armas e munição ficou a cargo do Exército, não
demandando mais autorização especial. Trabalhadores, soldados e
funcionários da FUNAI invadiam a área indígena enpunhando armas e
utilizado-as contra os índios. Revólveres, metralhadoras, cercas
elétricas, bombas, dinamite e gás letal, foram algumas das armas
utilizadas pelo Exécito na guerra contra os índios durante a
construção da BR-174.
Entre
1972 e 1975 a população Kiña reduziu de 3.000 (estimativa do P. Calleri
em 1968, confirmada por levantamento mais minucioso da FUNAI em 1972)
para menos de 1.000 pessoas, sem que a FUNAI e os militares
apresentassem as causas dessa depopulação. Esses 2.000 Kiña
desapareceram sem que fosse feito um só registro de morte. Durante o
processo de alfabetização desenvolvido por nós e continuado pelo
lingüista Márcio Silva, os Waimiri-Atroari tiveram, em curto período,
uma das raras oportunidades de revalarem o que o seu povo sofreu durante
a Ditadura, sofrimento que nenhum outro segmento da sociedade
brasileira passou.
Desapareceram
nove aldeias na margem esquerda do Médio Rio Alalaú; pelo menos seis
aldeias no Vale do Igarapé Sto. Antonio do Abonari; uma na margem
direita do Baixo Rio Alalaú; três na margem direita do Médio Alalaú; as
aldeias do Rio Branquinho, que não aparecem nos relatórios da FUNAI; e
pelo menos cinco aldeias localizadas sobre a Umá, um varadouro que
ligava o Baixo Rio Camanau, (proximidades do Rio Negro) ao território
dos índios Wai Wai, na fronteira guianense. Pelo menos uma delas foi
massacrada por bombardeio de gás letal, com apenas um sobrevivente
(Sobreviventes dessas cinco aldeias foram nossos alunos em Yawará / Sul
de Roraima). A partir do 2º semestre de 1974 as estatísticas da FUNAI
começaram a referir números entre 600 e 1000 pessoas e, em 1981,
restavam apenas 354.
Em 1987 o
Governo Federal passou o comando da política indigenista à
responsabilidade da empresa Eletronorte que apenas mudou de estratégia,
continuando o controle das informações e a política de isolamento dos
índios como ao tempo dos militares.
Essa é
uma das histórias envolvendo os povos indígenas e a Ditadura Militar no
Brasil. Casos semelhantes podem ser observados com os índios
Krenhakarore do Peixoto de Azevedo no Mato Grosso, os Kané (tapayuna ou
Beiços-de-pau) do rio Arinos no Mato Grosso, os Suruí e os Cinta Larga
de Rondônia e Mato Grosso e outros. No entanto, nenhum desses homens,
mulheres e crianças é citado nas relações dos desaparecidos da Ditadura.
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