PICICA: "O foco midiático do caso Tenharin,
em Humaitá, sempre foi as mortes dos três homens, atribuídas à vingança
dos indígenas pela morte do cacique Ivan Tenharin. Questões a meu ver
importantes, como informações sobre o cacique Ivan Tenharin, sobre o
atropelamento ou sobre a cobrança do pedágio, foram omitidos. Resolvi,
então, aproveitando a oportunidade, ouvir o relato de duas lideranças,
uma Tenharin e outra Jiahui. Estávamos juntos no Simpósio Energia e
Mineração em Terras e Rios dos Povos Originários, na UNB, em Brasília,
quando perguntei se eles queriam falar a respeito. Eles concordaram e
abriram seus corações."
Telma Monteiro, especial para Combate: “Um depoimento sincero sobre os Tenharin e Jiahui”
O foco midiático do caso Tenharin,
em Humaitá, sempre foi as mortes dos três homens, atribuídas à vingança
dos indígenas pela morte do cacique Ivan Tenharin. Questões a meu ver
importantes, como informações sobre o cacique Ivan Tenharin, sobre o
atropelamento ou sobre a cobrança do pedágio, foram omitidos. Resolvi,
então, aproveitando a oportunidade, ouvir o relato de duas lideranças,
uma Tenharin e outra Jiahui. Estávamos juntos no Simpósio Energia e
Mineração em Terras e Rios dos Povos Originários, na UNB, em Brasília,
quando perguntei se eles queriam falar a respeito. Eles concordaram e
abriram seus corações.
Por Telma Monteiro, exclusivo para Combate Racismo Ambiental
Algo jamais mencionado nas notícias
publicadas, mesmo em blogs sérios, diz respeito ao fato de o cacique
Ivan Tenharin, um Cacique Patriarca Tradicional, ter morrido morreu um
mês depois de ter colaborado com a Polícia Federal e o Ibama numa
operação na Gleba B da TI Marmelos. Ele acompanhou a operação em
fazendas que estavam extraindo madeira ilegal e foi visto pelos
madeireiros. Isso não foi investigado, embora na região coisas como essa
possam fazer toda uma diferença.
Essa e outras informações me foram dadas
durante uma longa e franca conversa que tive com duas jovens
lideranças, uma da etnia Tenharin, Angelisson Japi’i Tenharin, da Gleba A
da TI Marmelos e com Moangathu Jiahui da terra indígena Jiahui, também
cortada pela Transamazônica. Nos sentamos debaixo de uma árvore frondosa
e a conversa fluiu sem que eu precisasse fazer muitas perguntas. Ambos
estiveram presentes desde o atropelamento do cacique Ivan Tenharin até
os momentos dramáticos que culminaram com a revolta contra os indígenas e
contra o pedágio na Transamazônica, nos dias 25 e 27 de dezembro.
Moangathu Jiahui tem trinta anos. É
líder geral do povo Jiahui, coordenador geral da Organização dos Povos
Indígenas do Alto Madeira (OPIAM) e é acadêmico de engenharia ambiental.
Um líder geral tem a função de coordenar as ações de todo o território.
A terra Jiahui tem 98 indígenas. Angelisson Japi’i Tenharin, tem 24
anos e é secretário geral da OPIAM e abandonou os estudos. O território
Tenharin tem uma população de 800 indígenas.
“A morte do cacique Ivan Tenharin não
foi acidente”, afirmaram os dois. “Não houve perícia”. Quando Moangathu
chegou ao local do atropelamento, o cacique ainda estava vivo e só
depois de uma hora ele foi levado de ambulância para Humaitá. O hospital
não tinha condições de realizar uma cirurgia intracraniana para tirar o
coágulo que se formara. Então o cacique foi levado para Porto Velho,
mas morreu 30 minutos depois de chegar lá, quando se preparava para a
cirurgia.
Moangathu me contou que quando foi
avisado do atropelamento se dirigiu imediatamente para o local onde já
estava um Tenharin. Ele encontrou o cacique Ivan Tenharin numa posição
arrumada, sem escoriações, deitado de costas, pés juntos e ao lado dele
estava um pedaço de pau.
O curioso, me comentou, é que ele
procurou o capacete e o encontrou escondido atrás de uma moita, cerca de
seis metros do acidente. A moto não tinha um arranhão, a não ser o
retrovisor quebrado. Mas não houve perícia e também esses os detalhes foram ignorados pela polícia.
Depois da morte do cacique Ivan
Tenharin, os clãs e famílias, aproximadamente mil indígenas, tiveram uma
conversa na aldeia. Trataram do sepultamento e da necessidade de
esclarecimento dos fatos que levaram à morte. Estavam tristes e magoados
e resolveram cobrar providências das autoridades.
A primeira medida foi ir à Humaitá,
procurar a Funai. Não encontraram o servidor que estava respondendo pelo
expediente. Em seguida pediram para a Polícia Federal investigar todas
as dúvidas sobre o “acidente”. Depois de mais de uma semana cobrando
providências, nada aconteceu. Não houve qualquer manifestação da polícia
civil ou da polícia militar. Foram 20 dias transcorridos sem
investigação. As pistas se perderam.
Cansados de esperar, os indígenas recorreram ao exército, 54º BIS ou 54º Batalhão de Infantaria de Selva, em Porto Velho.
O pedágio
Havia ainda outras questões que ainda
não estavam claras para mim. A cobrança do pedágio, por exemplo.
Aproveitei a oportunidade para pedir que Moangathu Jiahui e Japi’i
Tenharin contassem como se dava a cobrança do pedágio na Transamazônica e
qual era o arranjo entre eles.
As grandes carretas pagavam R$ 70, os
caminhões R$ 30, as caminhonetes R$ 20, os veículos de passeio R$15 e as
motos R$ 10. Mas, o mais interessante é a forma como se arrecadava e
como os recursos eram distribuídos.
Os Tenharin e Jiahui formaram 36 grupos
de sete famílias. Cada grupo de sete famílias se responsabilizava pelo
pedágio durante quinze dias. Arrecadava em média R$ 20 mil nesses quinze
dias, que eram divididos entre as famílias do grupo, o que resultava em
aproximadamente R$ 2.800 por família. Cada grupo, portanto, só voltaria
ao pedágio somente 18 meses depois.
Esse valor seria a grande “fortuna” que
os indígenas arrecadavam com o pedágio, que eles chamam de compensação
pelos problemas causados em suas terras e suas vidas, com a construção
da Transamazônica. Cada família deveria viver com seus “magníficos” R$
2.800 durante um ano e meio.
Para reforçar o orçamento, alguns
indígenas têm emprego na aldeia, na escola, como agentes de saúde e
ganham um salário mínimo. Houve um momento em que eles até assumiram
participar, por breve período, da venda de madeira clandestina. Depois
de tanto denunciar o corte ilegal em suas terras e não conseguirem que
as autoridades tomassem as devidas providências, aderiram ao ilegal para
chamar a atenção. A tentativa durou muito pouco, já que começaram a ser
explorados e ameaçados pelos madeireiros. Mas a extração de madeira
ilegal em seus territórios continua.
Aproveitando o Simpósio, as duas
lideranças entregaram uma carta à subprocuradora geral da República,
Deborah Duprat, em que manifestam, em nome de dez etnias da região do
Município de Humaitá-Amazonas, seu desacordo com a construção da
hidrelétrica Tabajara, no município de Ji-Paraná, em Rondônia. Leia a
manifestação na íntegra, clicando AQUI.
Fonte: Combate Racismo Ambiental
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