PICICA: "O grupo Advogados Ativistas anda em evidência nas últimas semanas.
Não por uma causa ganha, ou algo do tipo – ainda que eles estejam
presentes em todas as manifestações de rua e fiquem até a alta madrugada
nas delegacias. O que trouxe novamente os holofotes para esses jovens
que vestem ternos e peitam uma justiça tendenciosa ao defenderem
manifestantes foi a maneira com que quebraram as regras do bom
jornalismo, para desta vez se defenderem de uma publicação que tem na
sua linha editorial um tesão incontrolável em desqualificar qualquer
grupo ou indivíduo que defenda idéias diferentes das suas.
Até porque, advogados marchando ao lado de manifestações populares e
movimentos sociais não é novidade alguma. Eles mesmos reconhecem isso e,
ao mesmo tempo que sabem se dar o valor que merecem, também sabem que
ainda têm muito o que aprender com as ruas. Mesmo assim receberam, por
e-mail, pedidos de entrevista vindos direto da redação da revista Veja. E
negaram o pedido, afirmando que o panfleto da editora abril não tinha a
confiança deles. Durante a manifestação contra a realização da Copa da
Mundo da FIFA, no último dia 13 de março, ficaram sabendo através de
contatos seus na imprensa que a revista faria a matéria com ou sem suas
respostas.
Certa de que seria respondida, a revista, do alto de sua arrogância,
mandou não apenas o pedido para fazer a entrevista, como também a
própria entrevista, prontinha para ser respondida. E foi. Só que,
furando o veículo em questão, os advogados publicaram suas respostas
curtas e grossas, cheias de sarcasmo e ironia, na sua página do facebook
e no seu blog. Foram replicados pela revista Fórum, por diversos blogs
de jornalistas progressistas e ganharam milhares de “likes” nas redes
sociais, em uma manobra que descaracterizou a Veja, deixando-a ainda
mais nua em público.
Refizemos as perguntas da dita cuja para os advogados. Obviamente que
não da maneira como aquela revista as fez, mas as adaptamos com umas
pitadas de seriedade e bom humor. Confira as respostas:"
Advogados Ativistas: ‘Vivemos em uma democracia agonizante’ |
Escrito por Raphael Sanz, da Redação |
Sexta, 21 de Março de 2014 |
O grupo Advogados Ativistas anda em evidência nas últimas semanas. Não por uma causa ganha, ou algo do tipo – ainda que eles estejam presentes em todas as manifestações de rua e fiquem até a alta madrugada nas delegacias. O que trouxe novamente os holofotes para esses jovens que vestem ternos e peitam uma justiça tendenciosa ao defenderem manifestantes foi a maneira com que quebraram as regras do bom jornalismo, para desta vez se defenderem de uma publicação que tem na sua linha editorial um tesão incontrolável em desqualificar qualquer grupo ou indivíduo que defenda idéias diferentes das suas. Até porque, advogados marchando ao lado de manifestações populares e movimentos sociais não é novidade alguma. Eles mesmos reconhecem isso e, ao mesmo tempo que sabem se dar o valor que merecem, também sabem que ainda têm muito o que aprender com as ruas. Mesmo assim receberam, por e-mail, pedidos de entrevista vindos direto da redação da revista Veja. E negaram o pedido, afirmando que o panfleto da editora abril não tinha a confiança deles. Durante a manifestação contra a realização da Copa da Mundo da FIFA, no último dia 13 de março, ficaram sabendo através de contatos seus na imprensa que a revista faria a matéria com ou sem suas respostas. Certa de que seria respondida, a revista, do alto de sua arrogância, mandou não apenas o pedido para fazer a entrevista, como também a própria entrevista, prontinha para ser respondida. E foi. Só que, furando o veículo em questão, os advogados publicaram suas respostas curtas e grossas, cheias de sarcasmo e ironia, na sua página do facebook e no seu blog. Foram replicados pela revista Fórum, por diversos blogs de jornalistas progressistas e ganharam milhares de “likes” nas redes sociais, em uma manobra que descaracterizou a Veja, deixando-a ainda mais nua em público. Refizemos as perguntas da dita cuja para os advogados. Obviamente que não da maneira como aquela revista as fez, mas as adaptamos com umas pitadas de seriedade e bom humor. Confira as respostas: Correio da Cidadania: Partindo de que os Advogados Ativistas surgiram durante as manifestações de junho, como foi o início do grupo? AA: Vários setores se organizaram a partir de junho e nós advogados fomos um deles. Cada um do grupo foi para as ruas e delegacias por um motivo distinto, mas sempre pensando em ajudar e defender as pessoas. Alguns foram para as ruas como manifestantes e outros como advogados desde o início e o que ocorreu é que os manifestantes no início perceberam que seriam mais úteis nessa luta atuando na justiça. E assim foi, nos encontrando em delegacias e manifestações começou a surgir o embrião do grupo. Mas o que nos uniu realmente foi mais um sentido de autopreservação, pois mesmo estando realizando um papel, digamos, neutro, de fiscalização e manutenção da legalidade, sofremos diversos abusos por parte da polícia, principalmente a militar, além de que como grupo torna-se mais fácil estabelecer métodos de atuação e publicidade daquilo que acontece de errado. A busca é de união para fortalecimento e é o que vem ocorrendo. Correio da Cidadania: Como vocês se dividem com as tarefas? Como é organizada a estrutura do grupo? AA: Nas manifestações, que é algo maior e envolve mais energia nossa, colocamos o grupo inteiro de sobreaviso, ficamos totalmente voltados para isso. Com as questões fora da manifestação usamos a regra de qualquer outro coletivo, quem sugere alguma coisa ou quer abraçar determinada causa vai, encabeça, pesquisa, traça o panorama jurídico e traz para o grupo. A partir daí, quem simpatiza mais com a causa ou tem mais afinidade técnica com o assunto passa a ajudar e, assim, vai fluindo naturalmente. Correio da Cidadania: Como vocês entendem as, segundo vocês mesmos, violações constantes da Democracia e da Constituição desde junho de 2013? AA: Esta é uma questão bastante delicada. É impossível responder sem fazer um panorama mais amplo da nossa história com direitos e garantias, mas vamos partir da Constituição de 88. Todos sabemos que ela é bastante jovem e que tem muitas falhas. Isso se traduz tanto nas constantes questões que têm sido analisadas no STF (pesquisa com células tronco, marcha da maconha, direitos indígenas etc.), quanto na tolerância do Estado e determinados setores da sociedade com rompimentos conscientes da lei. A PM, infelizmente, é uma parte importante de manutenção da sociedade para os nossos governantes. Porém, o fato de ela ser militarizada e, por consequência, ter uma formação humanística precária de trato com o cidadão, conjugado com a debilidade de ensino de leis, faz com que seja fornecido um serviço totalmente insatisfatório, que produz muito mais problemas do que os resolve. Assim como a saúde, educação, saneamento básico, segurança, moradia, etc., a segurança pública é mais um serviço fornecido de forma precária. Apenas a omissão do Estado em proporcionar com qualidade tais bases à sociedade já é uma afronta à Constituição, pois nela estão determinados tais direitos. Aí então você não tem estes direitos – como não temos mesmo -, sai às ruas para reclamá-los e o governo responde como? Com todo o seu aparato repressivo, usando uma força totalmente desproporcional, prendendo pessoas para averiguação, mantendo manifestantes presos sob acusação de formação de quadrilha, ou seja, combate a sua própria quebra das leis com mais ilegalidades. É bastante esquizofrênico e sádico, mas é isso que vivemos. Como exemplo disso pode ser citada a manifestação do dia 22 de fevereiro, em São Paulo, em que houve a adoção da tal “Panela de Hamburgo”. Neste dia houve a detenção de 262 pessoas, ação esta que foi preventiva, ou seja, sem que nenhuma pessoa tenha cometido nenhum crime, o que não é previsto pelas nossas leis. Depois deste absurdo, os advogados e jornalistas foram impedidos de acompanhar a ação policial, sendo expulsos do local debaixo de pontapés, quando não mantidos presos também. Não foi a manifestação mais violenta que São Paulo viveu, nem de longe, mas com certeza foi uma em que tivemos mais direitos feridos. Correio da Cidadania: Com quais pautas populares vocês particularmente se identificam mais? AA: Alguns integrantes do grupo frequentavam (manifestações), outros não. Com relação às pautas, apoiamos aquelas que ajudam na construção democrática, o que é um conceito bastante amplo. Entretanto, a democracia ainda engatinha no Brasil, o direito de reunião encontra-se limitado e a liberdade de expressão prejudicada. O Brasil precisa de uma dose de constitucionalidade, e por isso tentamos fazer nossa parte, garantindo o direito de manifestação das pessoas e, quando este é prejudicado, denunciamos os abusos dos coatores. Entre outras pautas de igual relevância, nós ajudamos algumas ocupações artísticas, causas ambientais e animais, pois acreditamos que estas são formas de contribuir com o bem estar social. Correio da Cidadania: Além de se informar bem – o que significa não se (des)informar através da mídia corporativa –, como vocês recebem novos membros? Qualquer um que chega pode participar ou é preciso que se conheça a pessoa? AA: Não temos qualquer vaidade ou presunção de sermos os únicos das ruas, mesmo porque muitos outros advogados já faziam o trabalho que fazemos, inclusive neles nos espelhamos e por eles temos muito respeito. Então, para ajudar não é necessário fazer parte do grupo e toda e qualquer ajuda é bem-vinda. No caso de a pessoa querer fazer parte do grupo, ela não vai nos conhecer pessoalmente e simplesmente entrar, obviamente. A pessoa precisa demonstrar disposição e ideologia compatíveis com nossa linha de atuação e, a partir daí, começamos a conversar melhor em relação à inclusão no grupo. Tudo acontece naturalmente, de forma orgânica. Correio da Cidadania: O grupo cresceu de junho pra cá ou é composto basicamente pelas mesmas pessoas? AA: Nós não somos um grupo formado apenas por advogados, somos uma rede. Crescemos tanto em número de membros quanto em número de pessoas que compõem esta rede. Estas pessoas que não são da área do direito são tão importantes quanto as que são, pois a principal arma que temos é a informação e, por conta disso, vários outros tipos de serviços são necessários, como o dos jornalistas. Felizmente, nossa rede de contatos só cresce. Correio da Cidadania: Os Advogados Ativistas atuam apenas em São Paulo ou em outras cidades brasileiras? AA: Atuamos efetivamente apenas em São Paulo, mas tentamos ajudar outras cidades por meio da divulgação dos problemas ocorridos pelas nossas redes sociais. Isso faz toda a diferença, pois, diante da falta de presença física, tentamos fornecer apenas os caminhos para que os problemas sejam, talvez, resolvidos. Correio da Cidadania: Já sabemos que como ativistas vocês não cobram honorários. Como conseguem conciliar a advocacia que os sustenta com a advocacia “ativista”? Quais as principais dificuldades? AA: As pautas que acompanhamos no ativismo estão compreendidas entre várias áreas do Direito, tais como Constitucional, Penal e Civil. Como o grupo é composto por advogados especializados nestas diversas áreas, conseguimos incluir as pautas sociais na rotina dos nossos trabalhos convencionais. Portanto, tratamos com igual importância as causas contratadas por particulares e aquelas relativas ao ativismo. Conciliamos o trabalho que nos remunera com aquilo que acreditamos. O ideal seria que todas as pessoas fossem remuneradas em torno daquilo que acreditam. Entretanto, sabemos que isto não ocorre. Desta forma, tentamos ao máximo manter um equilíbrio entre a satisfação que o trabalho social proporciona e os desafios de ter que sobreviver em um mundo que nos consome em trabalho. Já que o ativismo não garante o nosso sustento, e nem é nossa intenção, acho que o ideal para administrarmos melhor o tempo seria o dia ter 48 horas. Correio da Cidadania: Etimologicamente, “advocacia pro bono” é "para o bem", tradução literal da expressão latina pro bono . O trabalho pro bono caracteriza-se como uma atividade gratuita e voluntária. Vocês consideram que o trabalho feito pelo grupo cabe nesse conceito? AA: Com certeza, inclusive esta é uma discussão institucional da OAB Federal. A OAB/SP é a única que estabelece regras para a atuação pro bono, de forma bastante restritiva, porque determina que ela só é possível para pessoas jurídicas sem fins lucrativos. É preciso entender que a Constituição Federal garante a todos os cidadãos o acesso à justiça, entretanto o Estado não fornece o número de defensores suficientes para levar justiça às pessoas. Assim sendo, a atuação voluntária dos particulares é necessária. A classe dos advogados é a maior entidade de classe do Brasil, e temos muitas pessoas engajadas e dispostas a doar um pouco da sua força de trabalho em prol do coletivo. Em São Paulo, temos aproximadamente 300 mil advogados atuantes. Se ao invés de restringir, fosse incentivado o trabalho "pro bono", com certeza teríamos um número expressivo de profissionais trabalhando em causas para o bem do povo. Neste cenário, qual seria o grande problema em ajudar pessoas? Correio da Cidadania: Além da desinformação promovida por veículos de comunicação que estão a serviço de determinados interesses, quais outros obstáculos que enfrentam para garantir o direito de ampla defesa dos manifestantes? AA: Na verdade, a desinformação que determinados veículos se prestam a fazer está umbilicalmente ligada às ilegalidades autorizadas pelos governantes. Como bem sabemos, eles se pautam bastante pela dita “opinião pública”, que nada mais é do que a imposição de uma visão social feita pelos donos da mídia ao povo. Assim, autorizados pela “opinião pública”, aqueles que deveriam dar o exemplo e respeitar as leis vigentes, são os primeiros a rompê-las. Esta é uma das razões de termos problemas em tentar manter a legalidade da atuação de policiais. Esta situação parece também influenciar o Poder Judiciário, pois ainda hoje é raro que se aplique a visão progressista de direitos esperada e garantida pela nossa Constituição. É uma bola de neve. Correio da Cidadania: Como tem sido a relação de vocês com a OAB? Segundo questões da última entrevista que deram, vocês supostamente declararam que sofreram intimidação da OAB-SP no último protesto em São Paulo; mas, como vocês mesmos disseram, isso partiu de um grupo inexpressivo que falou em nome da classe sem qualquer respaldo. De que forma isso aconteceu? AA: Desde o ano passado a nossa relação com a Comissão de Prerrogativas da OAB/SP, que cuida do exercício da nossa profissão, é boa. Quando precisamos deles somos atendidos pessoalmente pelo presidente. No entanto, o posicionamento político da OAB/SP deixou bastante a desejar. Isto porque não basta apenas a proteção à nossa atuação. Acreditamos que, como instituição de classe que tem entre suas diretrizes a busca pelo respeito à Constituição, caberia a ela enfrentar e denunciar todas as ilegalidades que vêm ocorrendo nas ruas, e isto não acontece. Na última manifestação, no dia 13 de março, a OAB emitiu uma nota de apoio ao nosso trabalho e aos manifestantes, mas na nossa visão isso ainda é pouco. Entendemos que falta à OAB uma maior proximidade com a rua, para ver o momento gravíssimo que vivemos, em que todas as regras democráticas são rompidas deliberadamente com a anuência de quem comanda o Estado e mascaradas por parte da mídia. A situação atual dos direitos constituicionais dos cidadãos é caótica. Especificamente sobre a tentativa de atrapalhar nosso trabalho na manifestação do dia 22 de fevereiro, o que ocorreu é que componentes de duas comissões da OAB compareceram às delegacias orientando os delegados a apenas permitir o trabalho dos advogados que apresentassem o nome da pessoa que iriam acompanhar. Ainda, nos intimidaram sob o argumento de fiscalização do nosso trabalho, apontando uma eventual captação de clientela. Lembrando que foram 262 presos, imagina o caos que não se instaurou. No fim, com alguns percalços, conseguimos realizar nosso trabalho ajudando e sendo ajudados por outros advogados, e todos os detidos foram liberados. A OAB/SP se pronunciou no sentido de que tais "representantes da OAB" não poderiam ter falado em nome da instituição e que tal atitude não representava a opinião da classe. Correio da Cidadania: Já descobriram, através das apurações daquela revista, quem está pagando o “Bolsa Manifestação”? Se sim, já protocolaram um pedido de recebimento de ajuda de custo? AA: Todo este episódio que envolve a acusação de financiamento das manifestações, ou de manifestantes, por partidos políticos, foi um dos maiores factóides criados nos últimos tempos. Este tipo de estratégia é bastante conhecido para deslegitimar lutas sociais e/ou grupos que estejam nas ruas. Este assunto, de tão absurdo, virou piada. Porém, ele deve ser tratado com a máxima seriedade por conta das suas possíveis consequências nefastas. A guerra de informação é um componente importante no embate entre interesses antagônicos. Correio da Cidadania: Existe algum problema em oferecer um manual jurídico para manifestantes? Como vocês receberam o estardalhaço feito em torno do manual publicado por vocês? AA: Apesar de a Constituição garantir o direito de defesa a todas as pessoas, bem como o direito à informação, quando se incomoda a elite, todos os mecanismos privados e estatais se voltam contra o povo. Isto faz com que Estado rompa constantemente as leis para prender manifestantes, e a mídia inicie a sua jornada de criminalização dos movimentos sociais. Obviamente que, quando a informação chega aos oprimidos e estes passam a poder se proteger, o que resta à elite é transformar tudo e todos em vilões da história, seja os Advogados Ativistas, ou um pequeno manual que explica direitos básicos para a população. Este manual que fizemos objetiva apenas orientar os manifestantes quanto aos seus direitos na hora de uma eventual prisão, bem como sobre até onde a polícia pode ou não chegar. Correio da Cidadania: A respeito das ameaças de morte, publicamos uma matéria aqui no Correio da Cidadania. Gostaria de saber em que pé está a situação e quais erros e acertos vocês tiveram na divulgação e na forma de lidar com a mesma. E o caso do Fabrício, baleado pela PM, voltou para vocês ou segue com os defensores públicos? AA: Pelo caráter bastante delicado deste fato, gostaríamos apenas de citar que não fomos os primeiros e nem seremos os últimos a sofrer ameaças por estarmos atuando em causas sociais, e isso demonstra a agonizante situação democrática que vivemos. Quanto ao caso do Fabrício, ainda está sendo cuidado pelos defensores públicos. Correio da Cidadania: Por que a necessidade de certos setores da imprensa em associá-los aos black blocs? AA: Os Black Blocs são os inimigos da vez. A necessidade de nos associar a eles é exatamente para poder nos chamar de “advogados dos vândalos”, ou algo do gênero, e tentar desmerecer nossa atuação. Quem comete qualquer tipo de crime, desde quebrar bancos até sonegação de impostos, tem o direito de defesa, o próprio Estado fornece um defensor se a pessoa não tiver um, mas a questão de nos associar a eles é secundária. A primeira urgência é deslegitimar e retirar as forças dos movimentos sociais, pois são grupos que realmente possuem força para pressionar a máquina a girar conforme as vontades populares. Os Advogados Ativistas, quando atuam na defesa de manifestantes detidos, buscam garantir a todas as pessoas, independentemente da origem, o devido processo legal. Imagine que, no dia em que a polícia prendeu 262 pessoas preventivamente, para averiguação, sob alegação de que todos poderiam ser black blocks, não houvesse advogados e não existisse o direito de defesa. Isto não pode ocorrer, estão acusando qualquer tipo de pessoa de fazer parte de um grupo, e acusando todos de serem criminosos. É preciso deixar claro que criminoso é aquele que comete crimes, apenas estes. Já vimos essa novela de criar estereótipos de terroristas milhares de vezes, principalmente no Brasil. Os que lutavam contra a ditadura eram taxados desta mesma forma e, em muitos casos, isto era feito pelos próprios veículos que tentam repetir esta fórmula atualmente. O aparelho repressor, claro, está do lado de quem dá as cartas, mas atualmente temos a internet para tentar esclarecer os fatos ou trazê-los das sombras da omissão dos grandes veículos. Este, talvez, seja o fato que vá mudar o panorama. Correio da Cidadania: Como vocês recebem essa campanha midiática que visa classificar os manifestantes entre os “pacíficos” e os “vândalos,” tomando os black blocs como gancho? Vocês enxergam aí algum uso político? AA: As manifestações de junho vieram num péssimo momento comercial para muita gente. A luta das ruas não teve início nessa data, ela nunca parou, mas estamos, a contragosto, no centro do mundo sediando os dois maiores eventos esportivos do mundo. Além da clássica criminalização dos que clamam por direitos, este fato faz uma diferença grande, porque atrapalhar tais eventos literalmente ou apenas expor ao mundo nossos problemas não é nada bom para os multimilionários que investiram tanto aqui. A utilização semiótica da violência quando a mídia fala de manifestações é mais um mecanismo que busca a passividade dos cidadãos. A manutenção do poder, tal qual ele é, ainda propicia as regalias, que fizeram tantos milionários ficarem bilionários, e tantos donos de TV terem mais emissoras ainda. O discurso da violência é uma grande arma para o esvaziamento das ruas. A violência é um conceito amplamente discutido na filosofia, e por isso é controverso. Por exemplo, diversos filósofos acreditam que a violência é apenas aquela que se dirige às pessoas. Isto, por exemplo, não configuraria como violência a destruição de patrimônio. Apesar de ser crime, não seria violência. Entretanto, não existe discussão quando a violência se volta contra pessoas, e é esta a violência que mais vemos o Estado praticar. O que é revoltante nesta falsa dicotomia “pacíficos x vândalos”, além da falta de profundidade, é que a violência policial é escondida. Tratam nossos policiais como se eles fossem exemplo de atuação. Ora, a PM de São Paulo matou em 2012 mais do que toda a polícia norte-americana junta, temos taxas de mortalidade maiores do que países em guerra, morrem mais pessoas encarceradas aqui do que nos lugares com pena de morte. É uma piada afirmar que a violência dos manifestantes é sempre “revidada” pela polícia, que quem mais mata no país age sempre conforme a lei. Como confiar na polícia que executa pessoas, as arrasta em viaturas? Não é a “mulher arrastada”, é o cidadão completamente oprimido, brutalizado, sem direitos, apenas com deveres. Responder a isso tudo de forma violenta é humanamente esperado. Não temos um Estado pacífico e, em diversas vezes, o "vândalo" é o Estado. Correio da Cidadania: Os senhores prezam pelo direito de se manifestar e defendem todos sem restrições, isso é sabido. Fariam questão de defender uma manifestação, por exemplo, que estivesse a favor das idéias do deputado Jair Bolsonaro? AA: Nós acreditamos que toda forma de expressão deva ser respeitada, desde que não exponham ao ódio e não ofendam os direitos fundamentais de outras pessoas. Por mais progressista ou por mais retrógrado que seja o argumento, todos devem poder se expressar. Contudo, para exercer o ativismo, como nós fazemos, é preciso o mínimo de afinidade ideológica com as causas defendidas. Defendemos, no caso, a Constituição e os Direitos Fundamentais das pessoas. Entretanto, este cidadão é uma das lideranças políticas que buscam restringir os direitos e liberdades individuais de determinadas pessoas, como a população gay. Portanto, ajudar quem busca o retrocesso não está entre nossas pautas, pelo contrário. Como foi escrito recentemente, este senhor é um “primitivo político”, ele impõe uma visão deturpada dos direitos, buscando restringir totalmente o direito dos outros. Assim, ele pratica o caminho inverso do que buscamos. Correio da Cidadania: Se o Reinaldo Azevedo fosse detido cobrindo uma manifestação, vocês o defenderiam? AA: Nós o defenderíamos sem problema algum. Ele também tem direito de defesa, de ser tratado com respeito pelos policiais, de não ser acusado de forma infundada. Talvez, se ele passasse por esta experiência, melhorasse algumas das suas precárias análises. Correio da Cidadania: Como receberam o artigo publicado por ele no último dia 30 de janeiro, no qual havia diversos ataques e ofensas pessoais aos senhores? Pensaram em entrar com uma ação por direito de resposta? AA: Esta pessoa não é ninguém, a área de influência dele é bastante direcionada e restrita. Do que adiantaria respondermos no veículo dele, em que o público dele reflete a forma "Reinaldo Azevedo" de pensar? Não adiantaria nada. Se fosse alguém que, de fato, contribuísse para o jornalismo brasileiro, poderíamos até tentar respeitar ou dar alguma atenção, mas não é o caso. Na realidade, nem sabemos a história dele ou qualquer outra referência, além de ser colunista. Ele é mais um Mainardi da vida, que não contribui com nada, apenas vive esperneando leviandades. O tempo cuidará de responder se as “verdades” que ele vocifera cabem num Estado Democrático de Direito. Correio da Cidadania: Para a manifestação do último dia 13 de março vocês protocolaram junto à corregedoria da PM um mandado de segurança que visava regular, entre outras coisas, a identificação dos policiais militares, a atuação da Tropa do Braço e evitar a manobra do kettling. O mandato surtiu efeito positivo? AA: Provavelmente este Mandado de Segurança foi mais um componente de pressão realizada por diversos setores em cima da atuação policial. O fato é que não houve qualquer ocorrência nesta manifestação e isto é algo a ser comemorado. O lado negativo do MS, que foi indeferido, é que o desembargador que o analisou não levou em conta todas as provas documentais que juntamos comprovando a violência policial e a ilegalidade em suas atuações. Colocou-se o direito de segurança em confronto com o de manifestação, e o primeiro prevaleceu. O que se extrai da decisão é que houve uma influência deste mantra de que as manifestações estão servindo apenas para depredações. Portanto, não houve a análise dos fatos concretos que impedem o exercício de direito de manifestação. Correio da Cidadania: O Caldeirão de Hamburgo, ou kettling, feito pela PM em 22 de fevereiro, foi uma tática utilizada em 1986 pela polícia alemã, em que se formou um cordão humano pelos policiais isolando mais de 800 manifestantes por cerca de 13 horas, sem condições mínimas de alimentação ou descanso, e com privação de atendimento às necessidades fisiológicas básicas dos manifestantes. O Verwaltungsgericight (Tribunal Administrativo) hamburguês julgou a ação ilegal, levando em consideração o direito constitucional à reunião, e impôs pena de advertência aos policiais responsáveis pela operação. É possível tornar essa estratégia ilegal no Brasil baseando-se em nossa Constituição? AA: Esta estratégia é ilegal de acordo com a Constituição. Isto porque o cidadão só pode ser preso em duas situações: em flagrante delito ou por ordem judicial. A adoção desta tática, como o governador e o comandante da PM afirmaram, foi preventiva. Isso quer dizer que não houve crime que justificasse a detenção daquelas pessoas, o que é ilegal. É ilegal de acordo com a lei, mas o governador disse que não. É ilegal, mas o Ministro da Justiça recomendou que a tática seja usada em outros estados. É ilegal, porém o Judiciário chancelou a utilização de força policial preventiva para "garantir a ordem pública", como se a manutenção da "ordem pública" pudesse ocorrer violando direitos constitucionais, individuais e coletivos. É ilegal, mas, em reunião com o comando da PM antes do ato do dia 13 de março, em que um representante do Advogados Ativistas estava presente, foi dito que, se a polícia ACHASSE necessário, ela seria usada de novo. Este é nosso cenário político, de desrespeito escancarado aos direitos e tudo bem, porque quem deveria cumprir a lei não só a rompe, como fomenta e autoriza seu rompimento. Este é o tamanho da luta nas ruas. Raphael Sanz é jornalista. |
Fonte: Correio da Cidadania
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