janeiro 14, 2015

"Charlie Hebdo, o medo e a guerra, entrevista a Antonio Negri" - Por Dinamo

PICICA: "Quais são os contragolpes na França depois dos eventos começados no massacre de Charlie Hebdo chegando até a Marcha republicana de 11/1?

Os contragolpes ao ataque de 7/1 são aqueles que sucedem ataques “terroristas” do gênero. Já conhecemos a lição: hinos à segurança, apologia da polícia e serviços de segurança, ódio ao inimigo, unanimidade em denunciar o perigo etc. E, além disso, neste caso, a demonização do perigo islâmico. Os contragolpes à manifestação de 11/1, ao contrário, ainda não se sabem quais serão. Melhor dizendo: existem muitos que pensam que os quatro milhões de franceses de todas as cores e religiões que se manifestaram em nome da “fraternidade” seriam apenas iludidos que não sabem fazer valer a sua paixão democrática, diante da astúcia do poder e da força do racismo de estado. Pessoalmente, não acredito nisso. Penso, diversamente, que talvez essa manifestação seja o início de uma virada do quadro acima descrito e que possa bloquear — ou pelo menos comece a bloquear — o ciclo de crescimento da direita fascista e chauvinista na Europa. Havia uma boa atmosfera na manifestação. Não passava, realmente, a impressão da passeata de fascistas e católicos integralistas do último outono. A classe política parece ter sido superada por essa manifestação. Vejamos o que acontece. Vejamos se terá a força política (e o bom senso) para conseguir superar aquele aproveitamento descerebrado da crise, a partir do que se pode gerar fascismo e chauvinismo. Somente assim, o crescimento das forças nacionais de direita poderá ser bloqueado. A França precisa das periferias [banlieues] e a manifestação do 11/1 também as quer e disse isso — a quem quer ouvir."

Charlie Hebdo, o medo e a guerra, entrevista a Antonio Negri

Por Dinamo, 13/1/15 | Trad. UniNômade



Negri
Quais são os contragolpes na França depois dos eventos começados no massacre de Charlie Hebdo chegando até a Marcha republicana de 11/1?

Os contragolpes ao ataque de 7/1 são aqueles que sucedem ataques “terroristas” do gênero. Já conhecemos a lição: hinos à segurança, apologia da polícia e serviços de segurança, ódio ao inimigo, unanimidade em denunciar o perigo etc. E, além disso, neste caso, a demonização do perigo islâmico. Os contragolpes à manifestação de 11/1, ao contrário, ainda não se sabem quais serão. Melhor dizendo: existem muitos que pensam que os quatro milhões de franceses de todas as cores e religiões que se manifestaram em nome da “fraternidade” seriam apenas iludidos que não sabem fazer valer a sua paixão democrática, diante da astúcia do poder e da força do racismo de estado. Pessoalmente, não acredito nisso. Penso, diversamente, que talvez essa manifestação seja o início de uma virada do quadro acima descrito e que possa bloquear — ou pelo menos comece a bloquear — o ciclo de crescimento da direita fascista e chauvinista na Europa. Havia uma boa atmosfera na manifestação. Não passava, realmente, a impressão da passeata de fascistas e católicos integralistas do último outono. A classe política parece ter sido superada por essa manifestação. Vejamos o que acontece. Vejamos se terá a força política (e o bom senso) para conseguir superar aquele aproveitamento descerebrado da crise, a partir do que se pode gerar fascismo e chauvinismo. Somente assim, o crescimento das forças nacionais de direita poderá ser bloqueado. A França precisa das periferias [banlieues] e a manifestação do 11/1 também as quer e disse isso — a quem quer ouvir.

Você pensa que nos encontramos em algum modo ante uma terceira guerra mundial, como sustentam muitos e não somente a direita islamófoba?

Não, não acredito numa guerra mundial. O ataque islamista de 7/1 não é uma nova Sarajevo nem os companheiros do Charlie Hebdo são o arquiduque Ferdinando. No mais, as guerras que até agora foram feitas a partir daquela parte do mundo não  parecem ter terminado muito bem. Os grandes problemas estão na realidade noutro lugar: no mar da China. Aquilo é o umbigo do mundo em que tudo pode acontecer — enquanto só Netanyahu quer a guerra com os árabes, inclusive contra a vontade dos EUA, ou então algum discípulo da fanática Fallaci [1]. Não, a guerra — aquela verdadeira, grande — não acontecerá ainda e, se a fizerem de qualquer jeito, os nossos senhores a perderão, antes de tudo a perderão no interior de suas próprias belas nações, e a seguir a perderão no exterior, no mundo globalizado. Mas não quero causar medo. Nesta situação, pensando no que podemos fazer, é preciso compreender que é urgente organizar-se politicamente, para da horizontalidade dos movimentos fazer emergir uma política vertical que saiba exprimir força e programas políticos. É urgente, se não quisermos ter ainda mais medo e sentirmos (como muitos sentiram na manifestação de 11/1) que a nossa pobreza e fraternidade podem vencer.



N.T.

[1]Oriana Fallaci (1929-2006), jornalista italiana anti-Islã.

Fonte: Universidade Nômade Brasil

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