janeiro 27, 2015

"Grécia: A Vitória do Syriza será o Fim da Austeridade?", por Hugo Albuquerque

PICICA: "A vitória da esquerda grega manda um recado para a Europa, mas também ao Brasil e sua recente inflexão na política econômica."

Grécia: A Vitória do Syriza será o Fim da Austeridade?

"Mantenha a Calma e Vá para o Inferno" (o amor dos gregos à Troika):
Aris Messinis/AFP/Getty Images
Há pouco, o Syriza, Coalizão de Esquerda Radical, venceu as eleições parlamentares gregas. Embora a Grécia atual esteja longe de ser uma economia relevante na Zona da Euro, sua mais recente eleição é o tipo de pequena batalha que pode fazer toda a diferença numa guerra: ela manda um recado claro para todas as outras partes do front, uma mensagem que mostra como vencer a guerra. É como a batalha de Stalingrado, quando o exército vermelho despachou as hordas nazistas: parecia impossível derrota-los até, mas só até ali.
O discurso dos vitoriosos gregos, sob o comando de Alex Tsipras, é simples: resistência absoluta contra a austeridade, isto é, as medidas que a Troika -- FMI, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia -- impuseram restritivas aos países da periferia da Europa na presente crise.

A velha fórmula da Troika, segundo a qual as contas públicas só serão salvas pela redução de direitos sociais, arrocho salarial e desemprego, virou dogma. A realidade grega atual, portanto, não é muito diferente daquela vista no Brasil dos anos 90, ou da que, bisonhamente, começa a se desenhar de novo por aqui.

Na Europa, para além de todas as variáveis da explosão global de um sistema financeiro desregulado -- de normas democráticas, obviamente --, além de dinheiro público ter sido usado aos montes para salvar bancos privados, a sanidade das economias menores foi duramente afetada pela inviabilidade do Euro. 

Países como Grécia, Portugal e Espanha já tomavam empréstimos pesados para fecharem suas contas, uma vez que acumulavam déficits monumentais por conta de uma balança comercial desfavorável. A coisa piorou quando seus déficits públicos pioraram com os resgates e com a secura do crédito europeu. 

Com uma literal hemorragia monetária, esses países dependeram da concessão de empréstimos sob condições mefistofélicas: sua vida renovada em troca da sua alma. 

Em toda a periferia da Europa, em troca de empréstimos, direitos foram esmagados: pensões ou aposentadorias cortadas ou diminuídas, o funcionalismo e o serviço público público arrochados, política de desemprego em massa.  Uma multidão de desempregados e desamparados foi criada para pagar uma dívida infinita. 

Esse empobrecimento planejado, ao contrário do que ele prometia, não teria fim. Os gregos continuariam correndo como um cão atrás de sua cauda, sem jamais sair do lugar -- a exemplo do Brasil dos anos 1980 e 90.

Essas políticas tiveram o apoio tanto da centro-direita quanto, vejamos nós, dos partidos da centro-esquerda socialista. A degradação social europeia tinha a mão de sua "esquerda". O equilíbrio político europeu ocidental do pós-guerra teria de ser posto abaixo. 

A velha disputa mais ou menos previsível entre partidos democratas cristãos/populares, de direita moderada, e social-democratas chegava ao seu grau zero: com eles juntos para executar um sistema de exploração social, algum força deveria surgir. 

A direita moderada, que colaborou com a civilização enquanto existiu o bloco soviético, se degenerou. A esquerda social-democrata, com um horizonte de reformismo socioeconômico cada vez mais achatado se esvaiu. Assim, por óbvio, o espaço para uma nova geração de partidos surgiu.

O Syriza, a rigor montado entre dissidentes pouco ouvidos das bases das esquerdas tradicionais, incorpora um discurso renovado que incorpora a questão ambiental, os direitos civis e, sobretudo, a busca por uma alternativa à estrutura socioeconômica capitalista -- algo que a esquerda europeia, a rigor, não ousa fazer desde os anos 1980.

A exemplo dele, temos também o Podemos, favorito a vencer as eleições parlamentares espanholas que se avizinham em 2015. Não é estranho que tenham surgido onde, precisamente, as políticas da velha Europa mais foram mais cruéis nos últimos anos.

A vitória de Tsiripas, a despeito de seus inegáveis méritos, não terá um caminho fácil. Seu discurso de adequação da Europa à Grécia, com a racionalização da dívida pública, ou saída da Zona do Euro,  é forte, mas encontrará reação.

O desafio não é só resistir à reação dos perpetradores da política de austeridade como, também, a constituição de novas saídas. Menos do que vítima de políticas pontuais, o fato é que o Euro não funciona e isto consiste em um problema sistêmico. 

Como ensinam as experiência de dolarização das economias latino-americanas -- inclusive a política de paridade com dólar, vista no Brasil dos anos 1990 --, jamais a adesão de uma economia pobre a uma moeda forte irá produzir prosperidade: ao contrário, as importações explodem, as contas se degeneram.

Por outro lado, se a união da Europa nos termos atuais é um horror, qualquer medida que a enfraqueça também tem seus riscos -- como bem o sabe Tsipras e seu partido.

Não há dúvidas de que a receita de bolo vendida para a Grécia, nos últimos tempos, não era saída, mas ao mesmo tempo é preciso pensar que ela era uma má resposta para um problema objetivo.

Ainda que a realidade não seja propriamente dialética, os processos econômicos capitalistas são sim: a objetividade da crise do Euro gera efeitos subjetivos, nos quais se incluem as políticas de austeridade, e, assim, surge uma nova problemática também com dimensão objetiva, a degeneração social.

Hoje, reinventar uma subjetividade é fundamental, pois é preciso fugir à ideia da "culpa sem fim dos gregos", aquela que justifica o sujeito suicidário da austeridade para, em seu lugar, constituir o sujeito da praça pública [e, por que não, comum]; contudo, é preciso também uma dose de objetividade -- o que vulgarmente se diz "realismo" -- nas reformas, sobretudo em uma atuação continental para a necessária reconstrução do sistema monetário europeu.

P.S.: pelas regras do sistema eleitoral grego, 250 das 300 cadeiras do parlamento se dividem proporcionalmente entre os partidos que tiveram mais de 3% dos votos, enquanto as outras 50 cadeiras são dadas ao partido vencedor. Com isso, um partido governa sozinho se tiver 40% dos votos. Nesse sentido, ainda não se o Syriza governará sozinho ou precisará de algum parceiro para governar. De todo modo, será por muito pouco.

P.S. 2: A vitória da esquerda grega manda um recado para a Europa, mas também ao Brasil e sua recente inflexão na política econômica.
Fonte: O Descurvo

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