PICICA: "A
vitória da esquerda grega manda um recado para a Europa, mas também ao
Brasil e sua recente inflexão na política econômica."
Grécia: A Vitória do Syriza será o Fim da Austeridade?
"Mantenha a Calma e Vá para o Inferno" (o amor dos gregos à Troika): Aris Messinis/AFP/Getty Images |
Há pouco, o Syriza, Coalizão de Esquerda Radical, venceu as eleições parlamentares gregas. Embora a Grécia atual esteja longe de ser uma economia relevante na Zona da Euro,
sua mais recente eleição é o tipo de pequena batalha que pode fazer
toda a diferença numa guerra: ela manda um recado claro para todas as
outras partes do front, uma mensagem que mostra como vencer a guerra. É como a batalha de Stalingrado, quando o exército vermelho despachou as hordas nazistas: parecia impossível derrota-los até, mas só até ali.
O discurso dos vitoriosos gregos, sob o comando de Alex Tsipras, é simples: resistência absoluta contra a austeridade, isto é, as medidas que a Troika --
FMI, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia -- impuseram
restritivas aos países da periferia da Europa na presente crise.
A velha fórmula da Troika,
segundo a qual as contas públicas só serão salvas pela redução de
direitos sociais, arrocho salarial e desemprego, virou dogma. A
realidade grega atual, portanto, não é muito diferente daquela vista no
Brasil dos anos 90, ou da que, bisonhamente, começa a se desenhar de
novo por aqui.
Na Europa,
para além de todas as variáveis da explosão global de um sistema
financeiro desregulado -- de normas democráticas, obviamente --, além de
dinheiro público ter sido usado aos montes para salvar bancos privados,
a sanidade das economias menores foi duramente afetada pela
inviabilidade do Euro.
Países como
Grécia, Portugal e Espanha já tomavam empréstimos pesados para fecharem
suas contas, uma vez que acumulavam déficits monumentais por conta de
uma balança comercial desfavorável. A coisa piorou quando seus déficits
públicos pioraram com os resgates e com a secura do crédito europeu.
Com uma
literal hemorragia monetária, esses países dependeram da concessão de
empréstimos sob condições mefistofélicas: sua vida renovada em troca da
sua alma.
Em toda a
periferia da Europa, em troca de empréstimos, direitos foram esmagados:
pensões ou aposentadorias cortadas ou diminuídas, o funcionalismo e o
serviço público público arrochados, política de desemprego em massa.
Uma multidão de desempregados e desamparados foi criada para pagar uma
dívida infinita.
Esse
empobrecimento planejado, ao contrário do que ele prometia, não teria
fim. Os gregos continuariam correndo como um cão atrás de sua cauda, sem
jamais sair do lugar -- a exemplo do Brasil dos anos 1980 e 90.
Essas
políticas tiveram o apoio tanto da centro-direita quanto, vejamos nós,
dos partidos da centro-esquerda socialista. A degradação social europeia
tinha a mão de sua "esquerda". O equilíbrio político europeu ocidental do pós-guerra teria de ser posto abaixo.
A velha
disputa mais ou menos previsível entre partidos democratas
cristãos/populares, de direita moderada, e social-democratas chegava ao
seu grau zero: com eles juntos para executar um sistema de exploração
social, algum força deveria surgir.
A direita
moderada, que colaborou com a civilização enquanto existiu o bloco
soviético, se degenerou. A esquerda social-democrata, com um horizonte
de reformismo socioeconômico cada vez mais achatado se esvaiu. Assim,
por óbvio, o espaço para uma nova geração de partidos surgiu.
O Syriza, a
rigor montado entre dissidentes pouco ouvidos das bases das esquerdas
tradicionais, incorpora um discurso renovado que incorpora a questão
ambiental, os direitos civis e, sobretudo, a busca por uma alternativa à
estrutura socioeconômica capitalista -- algo que a esquerda europeia, a
rigor, não ousa fazer desde os anos 1980.
A exemplo
dele, temos também o Podemos, favorito a vencer as eleições
parlamentares espanholas que se avizinham em 2015. Não é estranho que
tenham surgido onde, precisamente, as políticas da velha Europa mais
foram mais cruéis nos últimos anos.
A vitória de
Tsiripas, a despeito de seus inegáveis méritos, não terá um caminho
fácil. Seu discurso de adequação da Europa à Grécia, com a
racionalização da dívida pública, ou saída da Zona do Euro, é forte,
mas encontrará reação.
O desafio
não é só resistir à reação dos perpetradores da política de austeridade
como, também, a constituição de novas saídas. Menos do que vítima de
políticas pontuais, o fato é que o Euro não funciona e isto consiste em
um problema sistêmico.
Como
ensinam as experiência de dolarização das economias latino-americanas --
inclusive a política de paridade com dólar, vista no Brasil dos anos
1990 --, jamais a adesão de uma economia pobre a uma moeda forte irá
produzir prosperidade: ao contrário, as importações explodem, as contas
se degeneram.
Por outro
lado, se a união da Europa nos termos atuais é um horror, qualquer
medida que a enfraqueça também tem seus riscos -- como bem o sabe
Tsipras e seu partido.
Não há
dúvidas de que a receita de bolo vendida para a Grécia, nos últimos
tempos, não era saída, mas ao mesmo tempo é preciso pensar que ela era
uma má resposta para um problema objetivo.
Ainda que a
realidade não seja propriamente dialética, os processos econômicos
capitalistas são sim: a objetividade da crise do Euro gera efeitos
subjetivos, nos quais se incluem as políticas de austeridade, e, assim,
surge uma nova problemática também com dimensão objetiva, a degeneração
social.
Hoje,
reinventar uma subjetividade é fundamental, pois é preciso fugir à ideia
da "culpa sem fim dos gregos", aquela que justifica o sujeito
suicidário da austeridade para, em seu lugar, constituir o sujeito da
praça pública [e, por que não, comum]; contudo, é preciso também uma
dose de objetividade -- o que vulgarmente se diz "realismo" -- nas
reformas, sobretudo em uma atuação continental para a necessária
reconstrução do sistema monetário europeu.
P.S.: pelas
regras do sistema eleitoral grego, 250 das 300 cadeiras do parlamento se
dividem proporcionalmente entre os partidos que tiveram mais de 3% dos
votos, enquanto as outras 50 cadeiras são dadas ao partido vencedor. Com
isso, um partido governa sozinho se tiver 40% dos votos. Nesse sentido,
ainda não se o Syriza governará sozinho ou precisará de algum parceiro
para governar. De todo modo, será por muito pouco.
P.S. 2: A
vitória da esquerda grega manda um recado para a Europa, mas também ao
Brasil e sua recente inflexão na política econômica.
Fonte: O Descurvo
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