janeiro 28, 2015

"Enfim, jornalismo da Globo acorda", por Reinaldo Cabral

PICICA: "No programa Bom Dia Brasil apresentado na sexta-feira (23/1) o jornalismo da TV Globo parece ter acordado: foi um festival de realismo do começo ao fim, relembrando os velhos tempos do jornalismo de combate tão em falta na mídia brasileira." EM TEMPO: Esse tipo de jornalismo faz falta na cobertura da luta contra a construção de um porto na região do Encontro das Águas em Manaus. A polarização entre o movimento socioambiental SOS Encontro das Águas e as elites políticas e econômicas construiu em enredo no qual os primeiros parecem ter aversão à construção de um novo porto, omitindo o fato de que oito pontos foram estudados para tanto, sendo que apenas dois deles tinham calado suficiente para navios de grande porte: o da região das Lajes, onde está situado o Encontro das Águas, e o da Ilhas das Onças. O primeiro está à distância de 4 km de distância do Polo Industrial de Manaus; o segundo fica a cerca de 40 km. No primeiro, a construção de um porto criaria um impacto ambiental sem precedentes, posto que nesta região ocorre a desova de jaraquis, peixe que alimenta as populações mais empobrecidas da cidade; no segundo, a construção de uma via férrea traria um duplo benefício: transportaria carga e ainda serviria para atender as dezenas de comunidades que dependem dos  motores de linha, aumentando a oferta de transporte para população da zona rural a leste de Manaus. Vale lembrar que são reais as possibilidades de expansão da cidade naquela direção, o que torna urgente um planejamento adequado de transporte para quando o futuro chegar. Advertência: Essa é uma opinião pessoal, não refletindo o posicionamento do movimento SOS Encontro das Águas, que se limita a denunciar e impedir que obras públicas e/ou privadas provoquem impactos sociais e ambientais no novo ordenamento da cidade, cabendo às autoridades discuti-las com a sociedade, para além do jogo marcado por  representações político-partidárias, nem sempre em sintonia com os interesses populares.


‘BOM DIA, BRASIL’

Enfim, jornalismo da Globo acorda

Por Reinaldo Cabral em 27/01/2015 na edição 835



No programa Bom Dia Brasil apresentado na sexta-feira (23/1) o jornalismo da TV Globo parece ter acordado: foi um festival de realismo do começo ao fim, relembrando os velhos tempos do jornalismo de combate tão em falta na mídia brasileira.

O único ponto falho se ateve ao aprofundamento das matérias, nada que uma boa suíte não possa resolver. Mas foi através dessa nova fase exibida pela emissora que finalmente o telespectador ficou sabendo a extensão do drama das populações de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais de que o esvaziamento das reservas de água poderá ser um problema nacional – e é – mas cujo agendamento pelo governo federal ainda parece distante.

Há uma grande confusão entre acadêmicos que colocam o jornalismo de combate como se ele fosse um instrumento de enfrentamento do poder público. Não é. Como não é um jornalismo de sustentação de teses, sejam quais forem. O jornalismo de combate tem como alma uma linha de posicionamento crítico, mas não persuasivo. A persuasão é um instrumento usado no jornalismo doutrinário.

O jornalismo usado pela primeira vez em anos pelo programa Bom Dia Brasil é o que a fração esclarecida da população deseja: o realismo, jornalismo sem disfarce nem truques, sem oba-oba, sem magnanimidades.

São Paulo experimenta o racionamento de água há mais de dois anos. Mas há dois anos a emissora se limita a transmitir o ponto de vista do governo Alckmin. O jornalismo da emissora estava devendo à população uma explicação real sobre a questão hídrica. Neste programa chegou perto, mas ainda não pôs no ar um especialista em recursos hídricos capaz de dizer com todas as letras que não se trata mais de “crise hídrica”. Crise é algo temporário, passageiro. Falta permanente é ausência absoluta.

Realidade oculta

Desde o começo do século 18 que o mundo sabe que a água é um recurso finito, acaba, como o petróleo. Os sucessivos governos de São Paulo sempre trataram a água como um recurso infinito: primeiro impermeabilizaram (asfaltaram) todo o estado, impedindo a infiltração de água no solo. Segundo, não controlaram a abertura de poços artesianos (esses poços são as reservas para uso futuro). Ou seja, antes da completa impermeabilização, deixaram a população usar toda reserva de água do futuro. A mídia foi um completo silêncio desde então.

Venceu um velho hábito nosso de cada dia: preocupa-nos o presente, o futuro a Deus pertence. Afinal, água cai do céu e como Deus é brasileiro não vai faltar chuva nunca.

Mas está aí a chuva. A mídia, que nunca entendeu nada de água, nunca incentivou uma educação ambiental para conduzir a população a não desperdiçar água.

Num show de jornalismo de combate, o Bom Dia Brasil incluiu uma realidade que a própria TV Globo parecia ocultar: o parque de energia eólica (dos ventos) já é capaz de entrar com 10 na formação da central da matriz energética brasileira. Precisaria de apenas R$ 600 milhões para a instalação da sua linha de transmissão. Neste programa, o próprio programa descobriu o mistério: os R$ 600 milhões foram gastos na construção de um estádio de futebol para a Copa do Mundo, já fechado para reforma e ninguém cobra nada.

Veja-se como é importante a liberdade de expressão, a imprensa livre: o racionamento de água e de energia já começou. Basta um pouco de realismo no noticiário para se restabelecer uma linguagem que por si só denuncia os truques, as maquiagens destinadas a ocultar a realidade da população.

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Reinaldo Cabral é jornalista e escritor 

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