PICICA: "Se pudermos dizer que aprendemos alguma
coisa, com certeza será sobre nossos limites. Não, o limite não está nem
fora nem dentro, está “entre”. A fronteira não é nada mais que o
limiar, o ponto de encontro, a linha. Mas todos os limites são cruzados
diariamente, a vida vibra, está sempre em ressonância com outras coisas.
A vida não respeita limites…"
O Corpo: sobre nossos limites
- por Rafael Lauro e Rafael Trindade
Se pudermos dizer que aprendemos alguma
coisa, com certeza será sobre nossos limites. Não, o limite não está nem
fora nem dentro, está “entre”. A fronteira não é nada mais que o
limiar, o ponto de encontro, a linha. Mas todos os limites são cruzados
diariamente, a vida vibra, está sempre em ressonância com outras coisas.
A vida não respeita limites…
A cerca não limita nem protege, ele faz
contato, ela estabelece a fronteira entre nós e o mundo. Se a cruzamos,
nos cruzamos, se não a ultrapassamos, ficamos na porta, mas à espreita.
Não encontramos obstáculos quando a cruzamos, o obstáculo é encontrar as
portas! Não se tratam de portas trancadas, mas ocultas, esperando ser
descobertas, desobstruídas. Estamos no mundo e precisamos de uma
sabedoria, uma boa maneira de agir, não de uma chave-mestra.
Não acreditamos mais no mal, há apenas
mau jeito: uma perna quebrada é um mau jeito, o que fazemos disso? O que
nós podemos tirar disso? O problema está no meio, nos limites, assim
como a solução, que se encontra nos limiares, nos encontros, na relação.
A vida insiste em desfazer a ordem que lutamos para instaurar. A vida
se faz em problemas e nos exige a criatividade de solucioná-los.
Queremos aprender a cada vez mais
estender nossos limites, ampliar-nos, esticar-nos. Só assim nos vemos
livres. Queremos estender nosso ser, apenas assim nos vemos felizes.
Queremos deitar no horizonte! Surfar na tangente! Tornar nosso aquilo
que não somos. Tornar nosso ser outro. Transformar ser em estar, perecer
em bem-estar.
Limite e infinito não mais se opõem, se
cruzam constantemente. O infinito nos atravessa, nos corta, nos chama,
mas não mais nos atropela. Somos compostos de forças resistentes que
criam densidade, um lugar que tende à definição, mas que nunca se
sedimenta. De alguma forma nos deformamos até descobrir que somos
eternos. Massa de manobra da potência de ser. Cimento da realidade, tijolos da existência. A confusão é total, mas existe um equilíbrio qualquer.
Queremos abrir os braços. Ir para além-do-homem,
passar por cima, sobrepujar. Se nos fizemos um experimento foi para
encontrar uma reação explosiva, e deixar a casca homem para trás. Desde
então, somente aceitamos falar de limites elásticos, de catapultas de
afetos, flechas de diferenciação, de membranas permeáveis. E aqui se
apresenta um ponto importante: buscamos a concentração perfeita. Não
podemos ser invadidos pelo mundo a todo momento, nem nos tornar
pedregulhos impenetráveis. Prudência e experimentação, medida e
desmedida, envolvimento e afastamento devem ser dosados. O meio interno e
meio externo estão em um perpétuo conflito mediado pela concentração.
O que é nosso corpo? Antes de tudo, uma
multiplicidade irredutível. Até onde vai nosso corpo? Até onde o
esticarmos! – nós ocuparemos todo o espaço que nos for concedido ou que
conquistarmos, mais ou menos como o ar. Se chegamos até você, é porque
nossos dedos digitam e temos um monte de silício organizado à nossa
disposição. Sua retina capta os nossos códigos, seu intelecto os
decodifica à sua maneira, nos encontramos, estão dados os limites.
Aquilo que somos nos ultrapassa e te atravessa. Te atropelamos?
Esperamos que não… te afetamos, essa é a nossa proposta! Queremos criar
laços, fazer aliados, expandir limites, aumentar os volumes, criar
densidades!
O que pode o corpo? Pode aquilo que tem
potência. O corpo é aquilo que é capaz de fazer e se define também por
sua capacidade de ser afetado. Não há separação entre nós e o mundo ao
nosso redor: a comida e o ar são o mundo invadindo o corpo; a voz e os
movimentos são o corpo penetrando a existência. Somente um ignorante
colocaria um “e” ontológico entre o corpo e o mundo. Só separamos
sujeito e predicado na gramática – eu sou a ação, eu sou a existência!
Falar de outras realidades é abster-se desta, é diminuir-se, é encurtar o
caminho para o fim da existência.
Fechar-se não é isolar-se, é deixar
passar poucos afetos. Não há escapatória. A fortaleza é uma casca morta e
insensível. Abrir-se é perder-se, deixar-se estuprar pelo mundo. Poucos
perguntaram: quais são suas máquinas desejantes?
Não estou aplicando um teste de personalidade, estou perguntando: “o
que te afeta?”. O marco que estabelece seus limites são as máquinas que
não se conectam com você. Sua pele é a membrana permeável que
permite que estes afetos passem ou não. Nossas fronteiras são
pontilhadas, passam fluxos imperceptíveis a todo momento. Nosso corpo é
um porto, aberto para o mar.
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