PICICA: "O artigo 1º da Constituição de 1988 reza que um dos fundamentos da
democracia brasileira é o pluralismo político (inciso V) e, logo em
seguida, o artigo 5º garante que é livre a manifestação do pensamento
(inciso IV). Essa garantia é confirmada no caput do artigo 220,
que impede a existência de qualquer restrição à manifestação do
pensamento, à expressão e à informação. Desta forma, proteger e garantir
o pluralismo político e a liberdade de expressão (de todos) é um
mandato constitucional."
REGULAÇÃO EM DEBATE
Monopólio ou oligopólio? Contribuição ao debate
Por Venício A. de Lima e Bráulio Santos Rabelo de Araújo em 13/01/2015 na edição 833
Constituição, Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(...)
§ 5º – Os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.
A ausência de regulamentação implica que não há uma definição legal do que se considera monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social. Mais grave, significa, por óbvio, que a norma constitucional não é cumprida.
A reeleição da presidente Dilma Rousseff e a posse do novo ministro das Comunicações Ricardo Berzoini, recolocam a questão da “regulação da mídia”, agora renomeada apenas de “regulação econômica”. A discussão dessa regulação terá, necessariamente, que se confrontar com o referido § 5º do artigo 220 e responder se os meios de comunicação social são ou não objeto de monopólio ou oligopólio no Brasil.
A resposta a essa pergunta exige um conjunto de observações decorrentes das características únicas de que se revestem as empresas de comunicação social, em particular, as concessionárias do serviço público de radiodifusão, isto é, as empresas privadas de rádio e televisão.
1. Meios de comunicação e democracia
Os meios de comunicação social não constituem apenas uma atividade econômica. Ao contrário, são instituições vitais nas democracias liberais. É através deles que se constrói o espaço público onde a liberdade de expressão individual é exercida e se forma a opinião pública. Esse espaço público abriga, por definição, a pluralidade e diversidade de vozes que existem na sociedade, vale dizer, não pode ser controlado por monopólio ou oligopólio.
Em seu estudo sobre a história dos ciclos de abertura e fechamento dos mercados de mídia nos Estados Unidos, o celebrado professor de direito da Universidade de Columbia, Tim Wu, afirma:
Na Teoria da Competição aplicada às indústrias da informação (...)
falamos em barreiras de entrada: os obstáculos que um recém chegado
precisa superar para entrar no jogo. Mas numa indústria de informação,
que comercializa um conteúdo expressivo, essas barreiras podem
representar mais que uma restrição a aspirações comerciais: dependendo
da forma como o meio de informação configura as comunicações numa
sociedade, essas barreiras podem também coibir a livre expressão. [Cf. WU, Tim; Impérios da Comunicação-Do telefone à internet, da AT&T ao Google,
Zahar, 2012; p. 60. Wu toma partido inequívoco contra a
concentração/monopólio e descreve a polêmica histórica entre
empresários, agentes do Estado e teóricos da competição, quanto aos seus
efeitos negativos para a diversidade e a pluralidade na comunicação.]
Este, aliás, é um dos princípios explícitos que constam da Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão da Organização dos Estados Americanos (2000) que reza:
Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de
comunicação devem estar sujeitos a leis antimonopólio, uma vez que
conspiram contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a
diversidade que asseguram o pleno exercício do direito dos cidadãos à
informação. (...) As concessões de rádio e televisão devem considerar
critérios democráticos que garantam uma igualdade de oportunidades de
acesso a todos os indivíduos [ver http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=26&lID=4].
Estabelecida essa preliminar geral, é necessário que se considerem ainda duas peculiaridades históricas dos meios de comunicação no Brasil: a ausência de controle sobre a “propriedade cruzada” e sobre a formação de “redes” de rádio e televisão.
2. A “propriedade cruzada”
A propriedade cruzada refere-se ao fato de um mesmo proprietário, pessoa física ou jurídica, controlar diferentes veículos de comunicação – jornal, revista, rádio AM, rádio FM, TV aberta, TV paga, provedor de internet – no mesmo mercado, seja ele local, regional ou nacional.
O modelo de organização da radiodifusão adotado pelo Estado brasileiro [“trusteeship model”] tem sua origem nos Estados Unidos. Nesse modelo, além de uma agência reguladora autônoma – a Federal Radio Commission, FRC (1927), depois transformada em Federal Communications Commission, FCC (1934) – existem regras e normas legais para limitar a propriedade cruzada, tanto em nível local (regional), como nacional, desde 1943. Essas regras e normas, com modificações e adaptações, persistem até nossos dias. Quando criadas, estas normas impediam:
1. que um concessionário controlasse mais de uma emissora do mesmo tipo no mesmo mercado (Duopoly Rule);
2. que um mesmo concessionário controlasse mais de uma
emissora de TV em VHF ou uma combinação de emissoras de rádio AM/FM
(One-to-a-Market-Rule);
3. que se outorgassem concessões de radiodifusão a
pessoa física ou jurídica que exercesse o controle ou operasse jornal
diário na mesma área geográfica (Cross-Ownership Rule); e,
4. que um mesmo grupo controlasse emissoras de rádio e
televisão acima de certos limites percentuais de alcance dos domicílios
no mercado nacional de televisão (Multiple Ownership Rules) [cf. André M. de Almeida; “Mídia Eletronica – seu controle nos EUA e no Brasil; Forense, 1993].
O resultado dessa omissão legal é que os principais grupos de mídia no Brasil se formaram e se consolidaram como grupos multimídia, controlando diferentes tipos de meios de comunicação social nos mesmos mercados locais e/ou regionais e/ou nacional.
Um exemplo eloquente de propriedade cruzada regional é o Grupo RBS que opera no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. No Rio Grande do Sul o grupo controla os jornais Zero Hora, Diário Gaúcho, Pioneiro (Caxias do Sul) e Diário de Santa Maria; as emissoras de rádio Gaúcha (AM e FM), rádio Atlântida, rádio Itapema, radio Cidade, radio Farroupilha, radio CBN (rede); a rede RBS TV (afiliada da rede Globo e que inclui emissoras em Porto Alegre, Caxias do Sul, Erechim, Pelotas, Santa Maria, Uruguaiana, Bagé, Cruz Alta, Rio Grande, Passo Fundo, Santa Cruz do Sul e Santa Rosa), TVCom, canal Rural e o portal Click RBS [ver http://www.gruporbs.com.br/].
Registro que um Decreto-Lei da ditadura militar, que “complementa e modifica a Lei número 4.117 de 27 de agosto de 1962”, estabeleceu limites ao número de concessões [não à propriedade cruzada] que uma mesma “entidade” poderia ter. Trata-se do decreto-lei 236/1967, que em seu artigo 12, reza:
Artigo 12. Cada entidade só poderá ter concessão ou permissão para
executar serviço de radiodifusão, em todo o País, dentro dos seguintes
limites: (...)
I – estações radiodifusoras de som (Ra):
locais:
ondas médias, 4;
frequência modulada, 6;
regionais:
ondas médias, 3;
ondas tropicais, 3 (sendo no máximo 2 por estado);
nacionais;
ondas médias, 2
ondas curtas, 2;
II – estações radiodifusoras de som e imagem (TV) – 10 (dez) em todo o território nacional, sendo no máximo 5 (cinco) em VHF e 2 (duas) por estado; (...)
A resposta, através da Assessoria de Assuntos Parlamentares do MiniCom, está no Memorando 323/2003-SSCE/MC de 01/08/2003:
Conforme os quesitos acima descritos, temos a informar a Vossa Senhoria
que realizamos pesquisas, no que diz respeito ao Plano Básico de
Distribuição de Canais de Radiodifusão, relativos aos serviços de
radiodifusão sonora (onda média, ondas curtas, ondas tropicais e
frequência modulada); serviços de radiodifusão de sons e imagens
(televisão); e radiodifusão comunitária, e constatamos a inexistência de
entidades que estariam contrariando o artigo 12 do Decreto-Lei n.
236/67. Consequentemente, este ministério não instaurou procedimento
administrativo, visando apurar irregularidade por descumprimento do
referido dispositivo.
3. As “redes” de rádio e televisão
O sistema de emissoras privadas, concessionárias do serviço público de radio e televisão no Brasil se estrutura em torno da formação de redes. Segundo o projeto Donos da Mídia, rede é o “conjunto de emissoras de rádio ou de TV que transmitem, de forma simultânea ou não, uma mesma programação gerada a partir de uma ou mais estações principais (cabeças-de-rede). Redes nacionais são aquelas presentes em mais de duas unidades da federação. Redes regionais são aquelas presentes em até dois estados. Não são considerados redes de TV, os canais que operam exclusivamente nos serviços de TV por assinatura” [cf. http://donosdamidia.com.br/metodologia ].
O pesquisador Othon Jambeiro (“A regulação da TV no Brasil: 75 anos depois, o que temos?”; Estudos de Sociologia, Araraquara, v.13, n.24, p.85-104, 2008) definiu assim o vínculo estabelecido nos contratos de afiliação (de emissoras de TV):
As redes e suas afiliadas formalizam seus laços econômicos por meio de um contrato de afiliação. Nele se estabelece que todas
as afiliadas devem ter um comportamento uniforme e uma programação
artística e comercial padrão, sob a coordenação única da “cabeça” do
sistema, sediada em São Paulo ou Rio de Janeiro. Cada rede pode ter apenas uma afiliada em cada cidade. Pelo
contrato, a rede provê as afiliadas com uma programação que é
compulsoriamente retransmitida, no horário determinado, não sendo
permitida, em nenhuma hipótese, qualquer alteração. Esta
programação contém “janelas”, equivalentes a mais ou menos 15% da
programação total, nas quais a afiliada introduz seus programas locais,
inclusive noticiários. A “cabeça” do sistema tem poder absoluto para
decidir que programação deve ser transmitida simultaneamente por todas
as afiliadas, inclusive, se necessário, durante o tempo destinado à
programação da afiliada(grifos nossos).
Redes/Geradoras | Emissoras Próprias | Emissoras Afiliadas | RTVs | TOTAL | % |
Globo* | 15 | 79 | 2908 | 3002 | 39,61 |
Record | 5 | 25 | 751 | 781 | 10,31 |
SBT | 8 | 43 | 1478 | 1529 | 20,18 |
Band | 8 | 19 | 1134 | 1161 | 15,32 |
Rede TV | 5 | 10 | 161 | 176 | 2,32 |
EBC/TV BR | 3 | 7 | 157 | 167 | 2,20 |
Canção Nova | 2 | 1 | 273 | 276 | 3,64 |
Rede 21 | 1 | 2 | 14 | 17 | 0,22 |
TV Cultura SP | 1 | 15 | 453 | 469 | 6,19 |
TOTAL | 120 | 210 | 7329 | 7578 | 100 |
Ou participação societária. [Fonte: Subcomissão Especial – Formas de financiamento de mídias alternativas, CCTC&I da Câmara dos Deputados; Quadros 1 e 2; Outubro, 2013] |
Odecreto-lei 236/1967, no § 7º do artigo 12proibiu a formação de “cadeias ou associações” com o objetivo de “estabelecer direção ou orientação única”:
§ 7º – As empresas concessionárias ou permissionárias de serviço de
radiodifusão não poderão estar subordinadas a outras entidades que se
constituem com a finalidade de estabelecer direção ou orientação única,
através de cadeias ou associações de qualquer espécie.
Nos Estados Unidos, de onde copiamos o modelo de organização da radiodifusão, desde 1941, existem regras que limitam, dentro de certos percentuais, a formação de redes de comunicação (networks) de radiodifusão, tanto através da legislação antitruste como de normas da agência reguladora [cf. FCC http://www.fcc.gov/encyclopedia/rules-regulations-title-47 e Almeida, 1993].
4. Monopólio ou oligopólio
Do ponto de vista do direito econômico, há monopólio quando um determinado mercado é dominado por um agente econômico e oligopólio quando o domínio é exercido por um número restrito de agentes econômicos [CARVALHOSA, Modesto. Direito Econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 440-441]. Devemos evitar aqui uma confusão comum: o monopólio não ocorre apenas quando uma empresa detêm 100% do mercado, mas também quando, nas palavras de Calixto Salomão Filho, “um dos produtores detém parcela substancial do mercado (por hipótese, mais de 50%) e seus concorrentes são todos atomizados, de tal forma que nenhum deles tem qualquer influência sobre o preço de mercado” [SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial – as estruturas. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 144]. Seria, portanto, mais claro afirmar que há (a) monopólio quando um dos agentes econômicos possui poder de alterar unilateralmente as regras do jogo, atuando de forma independente em relação a seus concorrentes [FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 258-263], e (b) oligopólio quando um grupo de empresas detém esse poder. Nesse sentido, o artigo 36, § 2º da lei concorrencial brasileira (lei 12.529/11) afirma: “presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado (...)”.
Para se verificar a existência de monopólio e oligopólio é necessário analisar a parcela de mercado das empresas. Para tanto, é preciso estabelecer um mercado relevante mediante (1) a definição de seu produto ou serviço, (2) de sua extensão geográfica e (3) dos critérios necessários para indicar o poder econômico de cada participante. No caso da televisão, a extensão geográfica do mercado é nacional e o principal critério para avaliar o poder econômico, como reconheceu a Secretaria de Direito Econômico e o European Institute of Media Law [SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11. 9 abr. 2008. Disponível aqui, acesso em: 09.04.2010; European Institute of Media Law. Media Markets Definitions – Comparative Legal Analysis. jul./out. 2003, p. 31], é o volume de recursos publicitários controlado individualmente pelas redes.
Levando-se em consideração esse critério, tomando como base números de 2009, a Globo controlava 73,5% das verbas publicitárias, a Record 10,1%, o SBT, 8,7%, a Band 4,9% e a Rede TV 1,9% [cf. QUADRO “O mercado da Televisão Aberta no Brasil (2009)”, abaixo).
O mercado da Televisão Aberta no Brasil (2009)
Rede de TV | Número de Emissoras de TVs* | % de Emissoras de TV | % de Domicílios com TV Cobertos | % da Audiência** | Receita Publicitária (R$ bilhões) | % da Receita Publicitária da TV Aberta |
---|---|---|---|---|---|---|
Globo | 105 [5] | 25,00% | 99,60% | 44,30% | 7,7 | 73,50% |
Record | 46 [18] | 11,00% | 93,20% | 16,70% | 1,06 | 10,10% |
SBT | 58 [10] | 14,00% | 95,50% | 14,30% | 0,91 | 8,70% |
Band | 39 [10] | 9,00% | 87,90% | 4,80% | 0,51 | 4,90% |
Rede TV! | 26 [5] | 6,00% | 80,80% | 2,40% | 0,19 | 1,90% |
Outras | 147 | 35,00% | - | 17,50% | 0,09 | 0,90% |
Total | 421 | 100,00% | - | 100% | 10,5 | 100,00% |
TV Brasil | 18 [5] | 4,00% | -*** | 1,6%**** | 0,382***** | 3,33%***** |
Fonte: Donos da Mídia (http://www.donosdamidia.com.br/); Mídia Dados 2009; JIMENEZ, Keila. Globo fatura R$ 7 bilhões em 2009. Estado de São Paulo. 25 mar. 2010. Disponível em: * O número de veículos fora dos colchetes é o número total de veículos controlados pela rede de televisão (veículos próprios e de grupos afiliados). O número de veículos entre colchetes representa o número de veículos próprios, controlados pelas próprias empresas que controlam as redes de comunicação. Nota: o site do Grupo Globo informa que, atualmente, a TV Globo conta com “cinco emissoras próprias e 117 afiliadas” [cf. http://www.grupoglobo.globo.com/tv_globo.php, acesso em 9/1/15]. **População total do país, das 7h às 24h, de segunda a domingo. ***A cobertura da TV Brasil na TV aberta em 2011 era limitada. Possuía canais abertos no Rio de Janeiro (RJ), em Brasília (DF), em São Paulo (SP), em São Luís (MA), em Cabo Frio (RJ), em Campos de Goytacazes (RJ), em Macaé (RJ), em Belo Horizonte (MG), em Juiz de Fora (MG) e em Tabatinga (AM). Além disso, distribuía seu sinal por meio da Banda C (antenas parabólicas), por meio de redes de televisão por assinatura e por meio de emissoras não comerciais (educativas, estaduais, universitárias e comunitárias) com as quais fez acordos para transmissão de programas. Cf. Disponível em: ***** Esse valor corresponde ao orçamento da EBC em 2009. Está incluído no item de receita publicitária para fins de comparação com as redes comerciais. |
Controlar a maior parcela do mercado não é, todavia, sinônimo de poder econômico, de monopólio ou oligopólio. Muitas vezes, uma elevada parcela de mercado não é suficiente para permitir a dominação do mercado por determinado agente. Outras vezes, uma parcela reduzida pode dar a uma empresa o poder de alterar unilateralmente o preço da mercadoria ou agir sobre outros elementos relevantes do mercado.
Desta forma, para constatar a existência de monopólio e oligopólio, além da parcela do mercado detida por um certo agente, é necessário verificar se o líder do mercado (empresa que exerce monopólio ou grupo de empresas que exercem oligopólio) detém de fato poder econômico para alterar unilateralmente as regras do jogo.
Para tanto, é preciso observar determinados elementos, tais como: (a) a existência ou não de significativas barreiras à entrada no mercado que impeçam o ingresso de agentes externos para enfrentar a liderança de uma empresa ou grupo de empresas que estejam praticando condições anticoncorrenciais, (b) se há produtos substitutos, e (c) se há concorrência potencial com os demais agentes do mercado; isto é, se os concorrentes podem alterar suas condições de produção caso o líder passe a adotar uma conduta anticoncorrencial (v.g. se concorrentes podem aumentar sua produção caso o líder aumente abusivamente seu preço).
Ainda que a análise desses critérios requeira um estudo mais detalhado, é possível fazer algumas observações preliminares:
(a) As barreiras à entrada no mercado de radiodifusão brasileiro são consideravelmente altas, em razão do alto capital necessário para operar no setor e da necessidade da obtenção de outorgas públicas para o início da operação.
(b) Para fins concorrenciais, considera-se que o serviço de radiodifusão aberta não é substituível por outros serviços de conteúdos audiovisuais (como televisão paga, celular ou internet), tanto do ponto de vista do público usuário – pela gratuidade dos serviços de televisão aberta e pelo fato de a radiodifusão ser o único meio de comunicação de massa universalizado no Brasil –, quanto do ponto de vista do anunciante – pela não existência de outro serviço que atinja o público consumidor em igual extensão. Tanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como a Secretaria de Direito Econômico (SDE) já afirmaram o caráter não substituível dos serviços da radiodifusão aberta.
A SDE, no parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11, p. 29, concluiu:
“Dessa forma, a televisão aberta é considerada um mercado relevante
próprio mesmo em países com alta penetração da televisão paga, isso é
tanto mais aplicável ao Brasil. Explica-se: aqui, a televisão paga
possui um limite de crescimento que está diretamente relacionado ao
nível de renda da população. Muito embora o bom desempenho econômico nos
últimos anos tenha proporcionado um aumento da base de assinantes da
televisão paga no país, esta está muito longe de ameaçar a
preponderância da televisão aberta”.
A própria Rede Globo afirma o caráter único e, portanto, não substituível do mercado brasileiro de radiodifusão:
“O mercado brasileiro de televisão é único no mundo. Não existe nenhum
outro país em que a televisão aberta, assim definida como aquela que
chega livremente aos telespectadores, atinja 99,67% dos lares e seja
capaz de captar, a cada ano, 60% de todas as verbas publicitárias”. [Rede
Globo, em proposta apresentada ao Clube dos Treze para aquisição dos
direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol das
temporadas de 2009/2011. Trecho retirado de SDE. Parecer referente ao
Processo 08012.006504/1997-11, p. 12 e 29]
A negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol era feita de maneira conjunta pelos times – organizados em torno de uma associação chamada de Clube dos Treze – junto aos meios de comunicação interessados. Não obstante, a Globo possuía uma cláusula de preferência que lhe dava o direito de cobrir a oferta vencedora. Por coibir a concorrência, essa forma de negociação foi submetida ao CADE que, em decisão de outubro de 2010, celebrou acordos proibindo a Globo de utilizar o seu direito de preferência, e obrigando o Clube dos Treze a negociar os direitos de transmissão dos jogos de modo separado para cada uma das cinco modalidades de comunicação (televisão aberta, televisão fechada, pay-per-view, internet e telefonia móvel), sem cláusula de preferência e com a permissão de sublicenciamento dos direitos adquiridos a terceiros, autorizados, nesse caso, a escolher livremente os jogos a serem transmitidos [Cf. CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Termo de Compromisso de Cessação entre CADE e Clube dos Treze. 20.10.2010. 2010a. Disponível aqui, acesso em: 14.03.2014; _____. Termo de Compromisso de Cessação entre CADE e Globo Comunicação e Participações S.A. 20.10.2010. 2010b. Disponível aqui, acesso em: 14.03.2014]. Para frustrar a realização do leilão sem cláusula de preferência e não perder seu direito de exclusividade, a Globo negociou separadamente com os clubes, sem a intervenção do Clube dos Treze, e, não obstante a concorrência com as demais emissoras, conseguiu adquirir o direito de transmissão dos jogos de todos os times do campeonato, em todas as mídias e sem a obrigatoriedade de, em caso de sublicenciamento, permitir a livre escolha dos jogos para transmissão.
A vitória da Globo demonstrou sua capacidade de alterar unilateralmente as regras do jogo, evidenciando que a emissora detém posição dominante no mercado, fato reconhecido, inclusive, pela Secretaria de Direito Econômico [SDE – Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Parecer referente ao Processo 08012.006504/1997-11. 9 abr. 2008, p. 12. Disponível aqui, acesso em: 09.04.2010]. Com a mudança na forma de negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro, a Globo reiterou as mesmas práticas julgadas prejudiciais à concorrência e ao interesse público pelo CADE e impediu a realização do leilão que fomentaria a concorrência entre as redes.
5. Observações finais
Para além dos critérios do direito econômico, a propriedade cruzada e a formação de redes de rádio e televisão consolidaram, ao longo do tempo, uma estrutura fortemente concentrada nos meios de comunicação social no Brasil – especialmente no setor de radiodifusão – seja por falta de regulamentação, quanto por violação às raras restrições impostas pela legislação.
No caso específico da radiodifusão, dados sobre a concentração no mercado demonstram que a TV Globo exerce posição dominante e sugerem que esse poder pode ser configurado como monopólio, em razão da fatia do mercado controlada pela empresa e do poder de alteração unilateral das regras, como ficou evidenciado no exemplo da negociação dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro de futebol.
A concentração desmesurada da propriedade implica ausência de pluralidade e diversidade nos meios de comunicação social, princípios centrais da vida democrática.
O que fazer?
A norma do artigo 220, § 5º da Constituição ainda não foi concretizada e permanece como letra morta no texto da Constituição. Para ser concretizada depende, sobretudo, (1) da definição do que se considera monopólio ou oligopólio nos meios de comunicação social, (2) da regulamentação do sistema de redes e dos contratos de afiliação, e (3) que se estabeleça limites para a propriedade cruzada dos meios de comunicação, à semelhança de regras existentes e em vigência em outras democracias como Estados Unidos, Reino Unido, França e Argentina. [Cf. REINO UNIDO. Office of Communications – OFCOM. Report to the Secretary of State (Culture, Media and Sport) on the operation of the media ownership rules listed under Section 391 of the Communications Act 2003. 22 nov. 2012, p. 3. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013; REINO UNIDO. Office of Communications – OFCOM. Review of Media Ownership Rules. 14 nov. 2006, p. 49. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013; Cf. também os artigos 45, 46, 48 e 89 da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual da Argentina. ARGENTINA. Ley 26.522, 10 out. 2009. Ley de Servicios de Comunicación Audiovisual. Disponível aqui, acesso em: 06.08.2013]
É o que se espera possa, finalmente, ser realizado entre nós.
A ver.
***
Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência
Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de
Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG; Bráulio Araújo é
advogado, bacharel em Direito e doutor em Direito Econômico pela
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Fonte: Observatório da Imprensa
Fonte: Observatório da Imprensa
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