PICICA: "A
reportagem especial com o povo Juma faz parte do projeto “Amazônia
Real — promovendo a democratização e liberdade de expressão na região
amazônica” e recebe financiamento da Fundação Ford, por meio do programa
“Promovendo Direitos e Acesso à Mídia”."
Publicado em 27 de jan de 2015
Os
indígenas Aruká e suas filhas Borehá, Maitá e Mandeí são os últimos
sobreviventes da etnia Juma, povo de filiação linguística Tupi-Guarani
denominado Kagwahiva.
Os índios Juma sofreram sucessivos massacres e quase foram dizimados ao defender o território da invasão de seringalistas e comerciantes de castanha na década de 60.
Hoje, os Juma estão em alta vulnerabilidade social e cultural.
A autoria deste documentário é da agência de notícias Amazônia Real (www.amazoniareal.com.br).
Os índios Juma sofreram sucessivos massacres e quase foram dizimados ao defender o território da invasão de seringalistas e comerciantes de castanha na década de 60.
Hoje, os Juma estão em alta vulnerabilidade social e cultural.
A autoria deste documentário é da agência de notícias Amazônia Real (www.amazoniareal.com.br).
Índios Juma, uma história de abandono e sobrevivência na Amazônia
KÁTIA BRASIL, da agência Amazônia Real
DE CANUTAMA (AM)
— A noite vai caindo na aldeia do povo Juma e a primeira imagem que se
tem é das três irmãs Mandeí, Maitá e Borehá torrando a farinha de
mandioca colhida dias antes na roça. No entorno da penumbra do forno
feito de barro, elas conversam aflitas sobre a suspeita de malária entre
as crianças e a precariedade no atendimento de saúde e educação na
terra indígena de mesmo nome da etnia.
A
aldeia está localizada em um campo de terra batida cercado de uma densa
floresta margeada pelo Assuã, um afluente do rio Purus, a mais de 1.100
quilômetros de distância de Manaus, no município de Canutama, no
sudoeste do Estado do Amazonas — , uma das regiões da Amazônia Ocidental
mais desprovidas de ações públicas e tensa pela existência de conflitos
fundiários e socioambientais. O acesso via terrestre é pela rodovia BR
230, a Transamazônica, a partir da cidade de Humaitá (AM), na divisa com
o Estado de Rondônia.
Mandeí,
27 anos, que é a cacique da terra indígena, Maitá, 30, Borehá, 34, e o
pai delas, o guerreiro Aruká, de 80 anos (conforme seu registro de
identidade), são os últimos sobreviventes da etnia Juma, povo da família
linguística Tupi-Guarani, denominado Kagwahiva, que sofreu massacres e
quase foi dizimado ao defender o território da invasão de seringalistas e
comerciantes de castanha na década de 60.
O
pequeno grupo de sobreviventes chegou ao ano de 2015 em alta
vulnerabilidade social e cultural, segundo a Funai (Fundação Nacional do
Índio).
A reserva continua
alvo de invasões por madeireiros, pescadores e caçadores. Os costumes
tradicionais não estão sendo seguidos pelos jovens e as crianças não têm
escola na aldeia e nem estão aprendendo a ler e escrever na língua
Tupi-Guarani.
O dia é 19 de novembro de 2014, quando a reportagem da agência Amazônia Real ingressou
na Terra Indígena Juma, autorizada pela Funai, para uma visita de cinco
dias, e encontrou duas crianças com febre alta: o bebê de dez meses
Thiago Tembu e a menina Mborep, 9 anos, ambos filhos de Borehá.
Não
havia termômetro para medir a febre das crianças. A garota Poteí, filha
de Maitá, também estava doente, com feridas e sangramentos nos pés.
As
crianças doentes são filhos de índios Uru-eu-wau-wau, povo que
formalizou casamentos interétnicos com os Juma em 1999. Dos casamentos
nasceram 13 netos de Aruká.
Na
aldeia do rio Assuã estava em tratamento para curar uma malária o jovem
Boatuto Uru-eu-wau-wau, primo do marido de Maitá, Puren, daí a suspeita
da doença entre as crianças.
No
dia seguinte, dentro de um dos três compartimentos de uma casa de
madeira, a cacique Mandeí pediu socorro via rádio à Funai de Humaitá
(AM). Ela disse para uma funcionária do posto Pupunha que era preciso
providenciar o atendimento de emergência às crianças junto a Sesai
(Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde.
“Atento
Pupunha, Pupunha Juma. Temos duas crianças doentes aqui com febre de
malária. O pé de Poteí está machucado. A Sesai não vem atender a
gente?”, pergunta a cacique Mandeí no equipamento de radiofonia.
Após
quatro tentativas de pedido de socorro, Mandeí ouviu a funcionária da
Funai dizer que “a Sesai não tinha carro para atender o chamado naquele
momento”.
Borehá então
decidiu colher na floresta ervas para dar um banho no pequeno Thiago,
que estava com tremores da febre alta. Depois do banho, ela deitou-se
numa rede, atada dentro da casa de madeira, para embalar os dois filhos
doentes.
A
casa de madeira foi construída pela Funai em um terreno de grande
declive que desequilibra qualquer pessoa que entra nela. Há goteiras
quando chove. O lugar aloja a cozinha da aldeia, os mantimentos e os
dormitórios de Aruká e dos visitantes.
Na
área central do campo de terra batida da aldeia há mais três casas de
madeira, cada uma tem três compartimentos, sendo uma residência de
Mandeí, uma de Maitá e outra de Borehá.
Um
tapiri tradicional, feito de palha por Aruká, é o local onde os
indígenas fazem as refeições, conversam e assistem à TV por uma antena
parabólica _ isto quando tem combustível para gerar energia do pequeno
motor, comprado com o dinheiro dos próprios indígenas.
Na
aldeia Juma não há saneamento básico e nem água encanada. A temperatura
chega ao 32 graus, na sombra, neste começo de enchente da bacia do
Purus. A água de beber e a de tomar banho é puxada do rio Assuã e não é
tratada. Os banheiros são precários. Moram no lugar 18 pessoas.
Sem
o atendimento médico, Mandeí, que é também agente de saúde da Sesai,
foi tratar o pé de Poteí com anticéptico e uma pomada, medicação
armazenada numa prateleira de sua casa, que é improvisada de “postinho
de saúde”.
A situação da
falta de atendimento de emergência na aldeia Juma fez a cacique contar à
reportagem dois episódios marcantes na história do povo sobre a
precariedade na saúde.
O primeiro, mais recente, foi o risco de morte que enfrentou quando atacada por uma cobra em março de 2014.
“Fui
caçar e fui picada por uma cobra. Nem sei como consegui chegar aqui na
aldeia. Passei um rádio (para Sesai). A Funai é que veio aqui e me
encontrou. Meu pé estava inchado, não conseguia mais andar. A Sesai
mesmo não dá muito apoio pra gente. A gente briga na Sesai, mas o
pessoal não está nem aí pra gente. O pessoal vem assim, um mês, dois
meses, três meses, mas não dá apoio (contínuo). Quem disse que podia
fazer o postinho de saúde aqui era a Sesai e não fez”, disse Mandeí
Juma.
O outro episódio
relatado foi a morte de sua mãe, em 1996. Mborehá, também chamada de
Mariná, morreu de uma doença desconhecida e sem assistência de saúde.
“Agora
que eu falo o português direitinho, eu agora entendi que a Funai acha
que a gente não sabe de nada. Mas naquela época que a minha mãe morreu, a
Funai deixava a gente jogado. É por isso que minha mãe pedia socorro, a
gente pedia socorro pro branco. Minha mãe morreu por causa de saúde,
porque ninguém estava nem aí pra gente. Mesmo que hoje, Funai não está
nem aí pra gente. A gente se acha abandonado pela Funai e pela Sesai, os
dois”, afirma a cacique.
Os massacres e risco de extinção da etnia
Relatos
de historiadores dizem que os índios Juma eram numerosos, em torno de
15 mil pessoas, no século 18. A invasão constante de garimpeiros em
busca de ouro e diamantes no território provocou a migração da etnia do
Alto Tapajós, no Pará, para as regiões dos rios Madeira e Purus, no
sudoeste do Estado do Amazonas. Eles não aceitavam ser “amansados” pelos
“brancos”.
Estudo do
antropólogo Günter Kroemer (1939–2009), que conviveu com os indígenas
nas décadas de 80 e 90 pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário),
afirma que após sucessivos massacres eles foram reduzidos a cem pessoas,
em 1943.
Em 1964, a etnia
sofreu o maior massacre quando seringalistas e comerciantes de castanha
de Canutama (AM) invadiram a terra indígena para instalar as frentes de
extrativismo. Os acusados não foram punidos, apesar da Polícia Federal
ter aberto um inquérito à época. “Mataram mais de 60 índios. Crianças,
mulheres e homens foram mortos a tiros na defesa do território”, relata
Kroemer, em documento de 1985.
Os
Juma chegaram à década de 90 com risco de extinção por consequência dos
massacres, das doenças, da violência de não-indígenas, do abandono dos
órgãos públicos e da impossibilidade da realização de matrimônios entre
as jovens.
A sociedade
Kagwahiva é caracterizada por um sistema patrilinear em que cada pessoa é
metade do pai. Assim, os casamentos são realizados com indivíduos de
uma metade oposta.
No início
da década de 90, o guerreiro e caçador Karé Juma foi atacado por uma
onça e morreu aos 35 anos de idade. Segundo estudo do antropólogo
Edmundo Peggion, para o Instituto Socioambiental, ele era o único homem
da etnia que poderia casar com uma das três jovens, dando continuidade
ao povo.
O capítulo drástico
na cultura do povo Juma aconteceu em 1998. Segundo o Ministério Público
Federal do Amazonas, o administrador da Funai de Porto Velho (RO), Sadi
Olívio Biavalli, retirou de forma ilegal, e sem estudo antropológico,
os últimos seis índios do grupo da terra tradicional.
Biavalli
alegou em documento, inclusive um Boletim de Ocorrência da Polícia
Civil, que as adolescentes do grupo estavam sendo exploradas sexualmente
por ribeirinhos e pescadores não indígenas de Canutama. Borehá estava
grávida.
As jovens Mandeí,
Maitá e Borehá, o pai Aruká, e o casal de tios idosos, Inté e Marimã,
foram levados à Casa de Saúde do Índio (Casai) de Porto Velho. A remoção
deles da reserva acabou apressando os casamentos interétnicos com
índios Uru-eu-wau-wau, em 1999.
Durante
o primeiro ano de afastamento do território tradicional, o casal de
tios, Inté e Marimã, morreu “provavelmente de tristeza e inadaptação ao
novo lar”, disse a Presidência da Funai à agência Amazônia Real, em 2013.
Aruká
e suas filhas foram morar na aldeia do Alto Rio Jamari, em
Guajará-Mirim (RO) e formaram famílias com os Uru-eu-wau-wau, que são
também denominados Kagwahiva.
A cacique Mandeí Juma contou à reportagem suas lembranças da vida na aldeia do rio Assuã antes de 1998.
“Quando
eu era criança, quem vivia aqui era meu pai, minha mãe, meu tio Marimã,
minha tia Inté, minhas irmãs Borehá e Maitá. Tivemos uma irmã (mais
velha) que morreu quando éramos pequenas. Lembro também do Karé, que era
solteiro. A onça pegou o Karé. Ele está enterrado no cemitério do rio
Joari (afluente do Assuã). Aprendemos a língua com todos eles”, disse.
A
Terra Indígena Juma ficou abandonada, mesmo demarcada e homologada com
38.351 hectares, em 2004. A Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho Indigenista Missionário Cimi),
ligado à Igreja Católica, denunciaram que a Funai tentava assentar na
reserva 16 famílias de índios Guarani Mbya.
Em
2008, ao acatar ação do Ministério Público Federal contra a Funai, a
Justiça Federal determinou que o órgão indigenista promovesse o retorno
dos índios Juma da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau, da região do Alto
Jamari, em Guajará Mirim (RO), à reserva em Canutama (AM).
A Justiça também proibiu que a Funai assentasse as famílias Guarani Mbya no território do rio Assuã.
A
ação, que denunciou danos morais à cultura da etnia Juma, diz que a
Constituição brasileira veda a remoção dos grupos indígenas de suas
terras. “Salvo com autorização do Congresso Nacional, em caso de
catástrofe e epidemia eu ponha em risco a população, mas garantido o
imediato retorno logo que cessasse o risco”.
Na
decisão, a juíza Maria Lúcia Gomes de Souza determinou que a Funai
providenciasse para o retorno: transporte de veículo e barco potente
para uso exclusivo dos indígenas, alimentação, visitas periódicas das
equipes de saúde, promovesse ações de infra estrutura (equipamentos de
comunicação, estoque de combustível) para viabilizar a subsistência do
grupo na Terra Indígena Juma “com dignidade para minimizar os danos
causados pela remoção inconstitucional”.
Contribuiu
para o retorno do povo ao território tradicional a situação do
guerreiro Aruká. Ele estava deprimido na reserva indígena Uru-eu-wau-wau
e com saudade de sua terra. Aruká é o único da etnia que pode ensinar
aos filhos e netos a cultura tradicional do povo.
O
retorno definitivo dos Juma ao território tradicional começou em 2012 e
foi concluído pela Funai em 2013, após 14 anos de afastamento deles da
terra e quatro tentativas de regresso mal sucedidas entre os anos de
2008 a 2011.
Segundo a cacique Mandeí Juma foi difícil deixar a aldeia.
“(Servidores
da Funai) chegaram aqui dizendo que a gente era pouco, que minha tia
estava doente, meu tio estava doente também. E falaram que era melhor a
gente sair daqui. E que a gente era para se inteirar com os
Uru-eu-wau-wau porque eles são a mesma da língua da gente. A gente não
queria sair daqui, não. E fomos para o posto do Alto Jamari. Foi muito
difícil. Os meus tios ficaram muito tristes porque saíram daqui. Ficaram
apavorados e morreram lá. Foi muito triste. A gente pensava que ia
sair, mas que ia voltar logo. E a gente ficou lá. Eu saí daqui, acho que
com 11 anos de idade”, afirmou.
No sábado, dia 22 de novembro, na véspera da reportagem da agência Amazônia Real deixar
a Terra Indígena Juma, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai)
do Ministério da Saúde deu o retorno ao pedido de atendimento de
emergência para os indígenas.
A
cacique Mandeí recebeu uma mensagem pelo rádio da aldeia de que uma
equipe da secretaria iria atender as crianças doentes, mas os índios
precisariam se deslocar até a Vila Nossa Senhor do Carmo do Assuã, em
Canutama.
A vila fica
distante da aldeia a cerca de um quilômetro de caminhada na floresta e
mais uma hora de viagem de barco (de voadeira com motor de popa) da
aldeia. Como era cheia (enchente) do rio Assuã, o trecho estava
navegável.
No final da manhã
partiram da aldeia Juma, Borehá com os dois filhos: Thiago e Mborepe;
Maitá e o marido Puren, que é também piloto da voadeira, a filha dela
Poteí, a cacique Mandeí com a filha Tejuvi, que também estava com febre
alta.
Maitá, Puren e Poteí,
que não foi levada ao hospital para serem verificadas as feridas nos
pés, regressaram à aldeia na tarde do mesmo sábado. Maitá Juma disse à
reportagem que a equipe da Sesai não levou o medicamento pediátrico para
medicar as crianças com suspeita de malária. “Eles foram removidos para
receber atendimento na Casai (Casa de Saúde do Índio) de Porto Velho.
Lá, eles vão para um hospital”, disse Maitá.
Para
o atendimento de emergência em Porto Velho, os Juma e Uru-eu-wau-wau
precisam se deslocar de veículo da Vila Nossa Senhora do Carmo do Assuã,
em Canutama, num percurso de 120 quilômetros pela BR 230
(Transamazônica) e mais 200 quilômetros pela BR 319, até a capital de
Rondônia.
Antes, as viagens
eram mais curtas até a cidade de Humaitá (AM), mas a Casa de Saúde do
Índio, do Ministério da Saúde, foi incendiada durante conflito de
não-índios e indígenas Tenharim, em 2013, e não foi reconstruída uma
nova sede.
Com a partida das
crianças doentes e de suas mães para Porto Velho (RO), as famílias se
separaram, permanecendo na aldeia a família de Maitá, seu pai Aruká, um
total de 13 indígenas, além do sertanista técnico da Funai, Áureo César
de Oliveira, e a equipe de reportagem da Amazônia Real.
A ausência de uma escola na comunidade indígena Juma também vai separar, em breve, as famílias Juma e Uru-eu-wau-wau.
Até
início de fevereiro de 2015, nove filhos em idade escolar viajarão a
aldeia dos avós paternos Uru-eu-wau-wau para ter acesso à escola de
ensino fundamental, onde estão matriculados, no Alto Rio Jamari, em
Guajará-Mirim (RO), um percurso de 800 quilômetros da aldeia do rio
Assuã, em Canutama.
“As
crianças não vão ficar aqui (na aldeia Juma) com a gente por causa do
estudo delas. Se tivesse a escola aqui, ficavam todos juntos. Passariam
apenas as férias lá (no Alto Jamari). Nossa preocupação é que estaremos
divididos por causa da escola”, disse Maitá Juma, 30 anos.
A
escola na aldeia Juma deveria ter ficado pronta no ano de 2013. A Funai
disse à reportagem que a responsabilidade de construção da escola na
reserva é da Prefeitura de Canutama. “Esta tem alegado falta de recursos
para viabilizar a obra e manter a unidade com professor”, diz a Funai.
A
Prefeitura nega a falta de recursos. “Estamos aguardando autorização da
Funai para iniciar a construção da escola na aldeia”, diz o secretário
municipal de Comunicação, Fregilsom Rabelo dos Santos.
Em
Porto Velho, durante o tratamento dos filhos na Casa de Saúde Indígena,
Borehá Juma disse à reportagem no dia 23 de novembro, por ligação
telefônica, que as crianças com febre estavam com malária e receberam
medicação para o tratamento da doença. Ela disse que encontrou no lugar o
marido Erowak Uru-eu-wau-wau. Ele estava acompanhando o pai Payron em
tratamento de um câncer.
Apenas
no dia 6 de janeiro de 2015, a Sesai respondeu às perguntas, enviadas
pela reportagem em 18 de dezembro, sobre a situação de saúde das
crianças.
A Sesai não
confirmou a suspeita de malária nas crianças. Disse que apenas o bebê
Thiago Tembu recebeu atendimento hospitalar, mas para tratar uma anemia e
não esclareceu o tipo da enfermidade. Também não explicou sobre o
estado de saúde das crianças Mborep, Morangüi e Tejuvi.
No
final do mês de novembro, o pai de Erowak morreu. Borehá e o filho
Thiago, que recebeu alta médica, e menina Mborep partiram de Porto Velho
para acompanhar a cerimônia fúnebre do sogro na aldeia do Alto Jamari,
em Guajará-Mirim (RO).
Como
são parentes diretos, a família de Maitá e Puren Uru-eu-wau-wau também
foi para o enterro e levou os filhos, Shakira, Anaíndia, Morangüi,
Poteí, Kwaimby e Kunhãvé, além dos outros filhos de Borehá: Puré e Avip;
e o filho de Mandeí, Kajuby.
Com
a partida das famílias de Borehá e Maitá para o Alto Jamari,
permaneceram na aldeia Juma, até o dia 21 de janeiro último, Aruká e
Mandeí, que retornou da Casa de Saúde do Índio de Porto Velho com sua
filha Tejuvi.
Em contato telefônico com a reportagem da Amazônia Real no
dia 22 de janeiro, a cacique Mandeí Juma disse que saiu da aldeia, em
Canutama, com a filha Tejuvi. A menina estava com dores na barriga.
Ambas foram levadas por uma equipe da Sesai para a cidade de Lábrea (a
60 quilômetros da aldeia Juma) para obter atendimento de saúde. Segundo
Mandeí Juma, seu pai ficou sozinho na aldeia até domingo (25), quando
chegaram dois funcionários da Funai para fazer a proteção do lugar
Leonardo
Cruz Sousa, indigenista e ex-gestor ambiental da ONG Associação de
Defesa Etnoambiental Kanindé, em Rondônia, acompanhou o regresso dos
índios Juma à terra tradicional e trabalhou com etnia entre 2007 e 2014.
Ele afirmou que a Funai e demais órgãos do governo federal têm que
cumprir a responsabilidade de proteger o território dos indígenas Juma,
encaminhando para o local servidores para atuar na proteção, no
desenvolvimento de atividades econômicas da etnia, no apoio das ações de
valorização cultural, na saúde e no ensino diferenciado e bilíngue.
“Provavelmente
se os Juma não conseguirem essa ajuda, voltarão à terra Uru-eu-wau-wau e
perderão suas terras para os invasores. A volta ao território de outro
povo enfraquece a cultura Juma e os tornam submissos e dependentes de
outra etnia e da boa vontade de algum servidor que venha se compadecer
deles. Os filhos dos Juma e Uru-eu-wau-wau provavelmente no futuro
brigarão por seu território”, afirmou Leonardo Cruz Sousa.
Enquanto
a Funai e a Prefeitura de Canutama não se entendem com o problema do
ensino na reserva, os Juma vão tentando sobreviver economicamente com a
produção farinha de mandioca artesanal para gerar renda. “Queremos fazer
dez ou 16 sacas para vender em Humaitá. Não sabemos o que vamos fazer
com o dinheiro, mas queremos investir na aldeia”, disse Mandeí.
Segundo
a cacique, em 2013 o povo Juma ganhou o Prêmio Culturas Indígenas 4ª.
Edição — Raoni Metuktire no valor de R$ 15 mil. No diploma que a
indígena recebeu está escrito que o prêmio é realizado pelo Ministério
da Cultura e pela ONG Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul
(Arpinsul). O patrocínio é da Petrobras. Mandeí afirmou que o dinheiro
ajudou na compra de equipamentos para estruturar a aldeia. Mas não
recebeu o valor total do prêmio.
“O
prêmio foi pelo documentário realizado, com o apoio da ONG Kanindé,
‘Retomando o território tradicional da aldeia Juma’. Eu fui apresentar
em Brasília. O prêmio era 15 mil, mas só depositaram R$ 10 mil. A gente
queria o restante do dinheiro”, afirmou a cacique.
“Mesmo
faltando os R$ 5 mil do prêmio, que não sabemos para onde foi esse
dinheiro, nós compramos com os R$ 10 mil uma televisão, uma parabólica,
uma máquina tanquinho de lavar roupa, um tanque de concreto, um gerador e
um freezer, tudo para a nossa aldeia”, concluiu Mandeí Juma.
MPF quer atenção urgente da União
Em entrevista à agência Amazônia Real,
o procurador do Ministério Público Federal no Amazonas, Fernando
Merloto Soave, responsável pelo Ofício de Povos Indígenas e Populações
Tradicionais, disse que a ação civil pública nº 2008.32.00.006216–0,
movida contra a Funai para garantir o retorno dos Juma ao território
tradicional, está prestes a ser sentenciada, tendo sido concluída a fase
de alegações finais.
Com
relação a falta de escola na aldeia e a precariedade no atendimento de
saúde dos indígenas, o procurador Fernando Soave afirmou que medidas
cabíveis serão avaliadas após a Justiça Federal proferir sentença, o que
deve acontecer este ano.
“Há
a possibilidade de se cobrar providências dos órgãos competentes na
fase de execução da sentença. A adoção de medidas relacionadas às
condições de infraestrutura para que os Juma possam permanecer com
dignidade em suas terras constituem o objeto da ação como requisitos
essenciais para o retorno definitivo dos Juma ao seu território”,
afirmou o procurador da República.
Sobre
a atual situação social e cultural dos índios Juma e suas famílias dos
casamentos com Uru-eu-wau-wau, o procurador Fernando Soave diz que “é
delicada em face da deficiência/ausência de estrutura, apoio e da
recente transição que vivem, precisando especial e urgente atenção do
Poder Público, seja no âmbito local, seja por parte da União/Funai”.
O
indígena Raimundinho Parintintin, coordenador técnico da Funai de
Humaitá (AM), afirmou à reportagem que os Juma conseguiram permanecer o
ano todo de 2014 dentro do território com acompanhamento de servidores
do órgão dentro da reserva.
“O
recurso que tinha foi financiado pela Coordenação Geral de Promoção
Social e foi até outubro de 2014. Agora não temos mais recursos para
permanecer com um servidor lá. Estão só eles (os índios). Uma das coisas
que vimos na fragilidade deles não permanecerem lá, era a falta da
Funai. Junto com a Funai, eles se sentem mais felizes. Eles não
retornaram por isso”, afirmou o coordenador.
Raimundinho
disse que a previsão de investimentos da Funai para as ações com a
etnia Juma era de R$ 60 mil, em 2014. Mas foi disponibilizada a quantia
de R$ 32 mil. O dinheiro, segundo ele, foi destinado para pagamentos de
diárias dos servidores deslocados à reserva e para apoiar a coleta de
castanha e os roçados dos índios.
Sobre
o retorno dos Juma à terra tradicional, Raimundinho Parintintin disse
que a ação está concluída. “Pra mim o que possibilitou foi a ação do
MPF. Que ajudou bastante porque a Funai tinha tomado uma decisão
inconstitucional de tirar os indígenas de sua terra demarcada”, afirmou.
A reportagem da Amazônia Real procurou
a assessoria de imprensa do Ministério da Cultura para falar sobre o
pagamento do Prêmio Culturas Indígenas 4ª. Edição — Raoni Metuktire à
etnia Juma.
Segundo nota do
ministério, o prêmio foi realizado com apoio do Ministério da Cultura,
via Lei Rouanet. Disse que a organização não governamental Articulação
dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul) foi a responsável pela
promoção e pagamento do prêmio.
O
Ministério da Cultura não explicou o motivo pelo qual o pagamento do
prêmio aos índios Juma foi menor do que o anunciado. O ministério pediu à
reportagem que procurasse Romancil Cretã, da Arpinsul, para que ele
falasse sobre o pagamento da etnia Juma, mas o representante da
organização não foi localizado até o fechamento desta matéria.
Dos
casamentos interétnicos realizados entre os índios Juma e
Uru-eu-wau-wau, em 1999, foram constituídas três famílias com 20
pessoas, sendo 13 netos de Aruká.
Segundo
a Funai, esses matrimônios são comuns na Amazônia desde tempos
imemoriais. A diferença é que os dois grupos não se conheciam e os Juma
aceitaram os casamentos como estratégia de garantir a continuidade da
família.
Maitá Juma diz que sua mãe, Mborehá, antes de morrer em 1996, tinha muita preocupação em saber com quem iriam casar as filhas.
“Não
tinha homem Juma para casar com a gente. Ela pediu para o Rieli
(Franciscato, indigenista da Funai que acompanhou os índios nos anos 90)
para trazer outra etnia para casar com a gente aqui. Aí a gente foi
para Porto Velho e nos juntamos com o Uru-eu”, afirmou.
À Amazônia Real encontrou
18 pessoas das famílias vivendo na aldeia Juma, em Canutama (AM), na
visita à terra indígena no mês de novembro último.
Os
indígenas sobrevivem da pesca farta no rio Assuã e seus afluentes da
bacia do rio Purus, da caça, coleta de castanhas, da roça de mandioca,
milho e frutas, da venda da farinha artesanal no comércio local, e dos
benefícios do programa Bolsa Família. Na aldeia todos trabalham.
Aruká
Juma não tem esposa. Ele casou-se em 1999 com Boropó Uru-eu-
wau-wau-wau com quem teve uma filha de nome Juvy, hoje com 15 anos, mas o
casamento foi desfeito 2007. As duas moram em uma aldeia do Alto Rio
Jaru, em Guajará-Mirim (RO).
Borehá
Juma, 34 anos, tem quatro filhos do casamento com Erowak
Uru-eu-wau-wau: A menina Mborep, 9, e os meninos Puré, 12, Avip, 7, e
Thiago Tembu (o primeiro nome em referência ao cantor e compositor
brasileiro Thiaguinho), 10 meses. A reportagem não encontrou Erowak na
aldeia Juma. Ele estava acompanhando o pai em tratamento de saúde em
Porto Velho (RO).
Borehá
Juma é também mãe de uma adolescente de 16, nascida de um relacionamento
com um pescador não indígena. A menina foi entregue, segundo a
indígena, para estudar com um casal de missionários organização da
Jocum, em 2006. Ela disse que não autorizou a adoção da garota. O
Ministério Público Federal do Amazonas deve investigar o caso.
Leia também: Borehá Juma foi separada da filha por suposta adoção
Maitá
Juma, 30 anos, é casada há quase três anos com Puren Uru-eu-wau-wau, 39
anos, com quem tem duas filhas: Anaíndia, 2 anos e oito meses, e Tejuvi
Shakira (o segundo nome é em alusão à cantora colombiana), 1 mês e oito
dias. Maitá é mãe também das garotas Kunhãvé, 14, e Morangüi, 7, e do
garoto Kwaimby, 12, ambos do casamento com Puruwá Uru-eu-wau-wau, que
morreu atingido por um raio, em 2009. Também estava na aldeia o jovem
Boatuto Uru-eu-wau-wau, primo de Puren.
Os
índios Uru-eu-wau-wau, também denominados de Jupaú, que quer dizer “os
que usam jenipapo”, viviam em decréscimo populacional até o final da
década de 90 em razão de conflitos e doenças, segundo estudo da ONG
Kanindé. Para aumentar a população, há registros de casamentos de Uru-eu
com índios da etnia Arara e Juma.
À
reportagem, o marido de Maitá, Puren Uru-eu-wau-wau disse enfrentou uma
reação do pai para casar com ela e morar na terra indígena Juma.
“Eu
gosto dela e gosto da aldeia dela também. Aqui tem peixe demais. Na
aldeia Uru-eu tem caça, mas é muito longe (está escassa). O madeireiro
não para de roubar madeira e mata os bichos. Eu tenho pai e irmãos.
Minha mãe não tenho mais. O meu pai pediu para eu ficar no Alto Jamari.
Ele disse que minha mulher tinha que vir sozinha. Eu disse não. Eu gosto
dela. Aí o meu pai falou assim: eu sei que você trabalha, você é homem,
não vou mais me preocupar porque Uru-eu homem sabe se virar”, disse o
indígena.
Mandeí Juma, 27
anos, casou com Kwari Uru-eu-wau-wau, com quem teve três filhos: os
meninos Byteté, 14, Kajuby, 5, e a menina Tejuvi, 10. Mas, segundo ela, o
casamento também foi desfeito. Kwari, que é professor, tem outra mulher
da etnia Uru-eu. Byteté, que é estudante, mora com o pai no Alto Jamari
(RO).
“O
casamento foi bom. Eu tenho três filhos. Eu pensei que iria viver para
sempre lá (na aldeia Uru-eu-wau-wau), mas não foi isso que aconteceu.
Foi muito importante voltar a terra do Juma. O meu pai está idoso. Só
vai ficar três da gente, o puro do Juma. A gente vivia feliz também lá
no Uru-eu, mas não era tanto. Lá não tinha rio para pescar, só tinha
caça. Quando retornamos para a terra do Juma ficamos mais felizes. Sinto
que aqui que é meu lugar”, disse Mandeí Juma.
Os
índios Uru-eu-wau-wau formam uma sociedade patrilinear. Cada pessoa
pertence à metade do pai, como ocorre com os Juma. Maitá disse que
quando os filhos nasceram, os pais Uru-eu-wau-wau é que escolheram os
nomes das crianças.
Esses
filhos, segundo ela, deverão se casar com parentes de grupos opostos dos
pais Uru-eu-wau-wau. Esse sistema de casamento e parentesco fez a
indígena falar, pela primeira vez, sobre a extinção da etnia Juma à
reportagem.
“Não
existe muita diferença da língua do Juma para o Uru-eu. É muito igual à
cultura dos dois. Eu acho que as crianças se sentem Juma e
Uru-eu-wau-wau. Mas a gente não lembra mais da nossa cultura. A festa da
menina moça (para celebrar a primeira menstruação) de Kunhãvé foi feita
na cultura Uru-eu. Então eu acho que está aumentando mais o Uru-eu. De
Juma só é eu, minhas irmãs e o velho (Aruká). Com certeza vai nascer
mais Uru-eu. É por aí que o Juma vai acabar”, disse Maitá Juma.
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Veja o documentário:
- A reportagem especial com o povo Juma faz parte do projeto “Amazônia Real — promovendo a democratização e liberdade de expressão na região amazônica” e recebe financiamento da Fundação Ford, por meio do programa “Promovendo Direitos e Acesso à Mídia”.
Fonte: Amazônia Real
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