PICICA: "Os Cínicos nos ensinam a verdadeira vida.
Através da alteração da moeda vigente eles transformam a vida comum em
verdadeira vida filosófica. Como fazer isso sem chutar a bunda de
Platão? O filósofo definiu a verdade como aletheia, mas os Cínicos levam a afirmação platônica ao extremo e a fazem seu tiro idealista sair pela culatra."
Os Cínicos nos ensinam a verdadeira vida.
Através da alteração da moeda vigente eles transformam a vida comum em
verdadeira vida filosófica. Como fazer isso sem chutar a bunda de
Platão? O filósofo definiu a verdade como aletheia, mas os Cínicos levam a afirmação platônica ao extremo e a fazem seu tiro idealista sair pela culatra.
A filosofia idealista definia a
verdadeira vida como uma vida não dissimulada. Ou seja, vive de tal modo
que não precise dissimular aos outros quem tu és. Seja correto, não
cometa nenhuma ação repreensível, que te cause vergonha perante teu
próximo. Sêneca aconselhava mandar cartas aos teus amigos contando tuas
atitudes de forma que eles possam ser juízes de teus atos. Epicteto
aconselhava imaginar que os próprios deuses estavam acompanhando seus
passos (mera semelhança com religiões atuais não é mera coincidência).
Chegamos assim facilmente ao cristianismo
onde os devotos vivem sendo perseguidos pela sombra enorme de Deus que
os jogará em um lago de fogo em face do mínimo desvio das leis divinas.
“Não dissimularás” lentamente se torna, “siga a Lei”!
Os Cínicos ouviram Platão dizer: “a verdadeira vida é não dissimulada“, e deram uma grande gargalhada, eles provavelmente responderam: “ouço o que digo, ó sábio Platão, mas não o vejo praticar“.
A verdadeira vida só pode ser não dissimulada do começo ao fim. Por
isso os Cínicos levam a afirmação ao extremo e fazem o filósofo das
ideias passar vergonha.
A vida do cínico é não dissimulada, no sentido de que ela é realmente, materialmente, fisicamente pública” – Foucault, A Coragem da Verdade, p. 223
Diógenes comia na rua, dormia na rua, se
masturbava na rua. Enfim, Diógenes morava no meio do olhar dos outros.
Viver a vida não dissimulada é vivê-la aos olhos de todos, de modo
imediato, direto. Nada a esconder. O olhar não seria mais a mediação do
viver correto, ele passa a ser o resultado de uma vida que se conduz
corretamente e por isso não liga para os olhares alheios. Os cínicos
padecem, encenam, ensinam e denunciam sempre em visibilidade absoluta.
Uma vida não dissimulada é aquela que não
se preocupa com os olhares alheios nem teme ser envergonhada perante os
outros. A verdadeira vida não dissimulada é aquela que esquece o
significado da vergonha. Ora, não se deve dissimular a natureza, ela é
boa! Se a natureza pôs em nós bunda, seios, pelos, pênis, por que se
envergonhar? Se peidamos e mijamos, ora, então peidemos e mijemos no
idealismo! Tudo acompanhado de um riso dos que coram com tais atos.
Adeus às regras de pudor tradicionais, a natureza humana é tão natureza
quanto qualquer outra, e a natureza não deve temer sua própria
expressão.
O pensamento tradicional colocava uma vida não dissimulada como pretexto para impor regras e condutas. “Para não te envergonhardes, faça assim“, Diógenes responde com uma careta e dança nu, ele não se envergonha de ser um cão.
A não dissimulação, longe de ser a retomada e a aceitação dessas regras de pudor tradicionais que fazem que as pessoas se envergonham de fazer o mal diante das outras, deve ser a exposição da naturalidade do ser humano ante o olhar de todos” – Foucault, A Coragem da Verdade, p. 224
> Texto da série: “Platão e Diógenes: Descaracterizar a Moeda” <
Fonte: RAZÃO INADEQUADA
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