PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
outubro 17, 2015
Deu a louca nas mulheres.POR Pollianna Milan (GAZETA DO POVO)
PICICA: "Historiadoras analisaram prontuários de dois hospícios brasileiros e encontraram diferentes concepções de histeria". EM TEMPO: A dica da matéria é de Jorge Marcio de Andrade.
O Hospital da Tamarineira, no
Recife, tinha métodos de cura para a histeria bastante violentos, como
choques elétricos e a malarioterapia (infectar o paciente com o gérmen
do mosquito)Manicômios
Deu a louca nas mulheres
Historiadoras analisaram prontuários de dois hospícios brasileiros e encontraram diferentes concepções de histeria
Pollianna Milan
Texto publicado na edição impressa de 27 de agosto de 2011
A histeria era a doença que mais acometia as mulheres nas primeiras
décadas do século 20 no Brasil. Não porque elas eram efetivamente
histéricas: uma das características da doença destacada pelos médicos do
então Hospício Nacional de Alienados era o não cumprimento dos deveres
de esposa e mãe de família. Mulheres que preferiam ler romances, estudar
e trabalhar fora de casa a cuidar das obrigações domésticas
“descumpriam” a essência do feminino e, por isso, precisavam de
tratamento manicomial. “Um médico do hospício do Rio de Janeiro
chamado Henrique Roxo afirmava que as histéricas eram, em geral,
péssimas donas de casa”, cita a historiadora Priscila Céspede Cupello,
pesquisadora da Fiocruz que analisou prontuários do Rio de 1900 a 1910.
A pesquisadora encontrou casos bem emblemáticos, como o da mulher que
desenvolveu depressão após a perda do filho e foi levada ao hospício por
não querer mais cuidar da casa, por causa do seu estado melancólico. Lá
também era o destino daquelas que traíam o marido ou eram tidas como
promíscuas, que antes tinham de dar explicações na delegacia de polícia.
Fora do padrão
Naquela época, a loucura feminina
estava vinculada a uma quebra de modelos, sejam eles social ou
religioso, mas também eram consideradas histéricas aquelas que fugiam
dos padrões de beleza. “As mulheres eram incentivadas a realizar
exercícios como danças e ginásticas para fortalecer o corpo e, assim,
dar à luz filhos mais saudáveis”, explica a historiadora Maria Concepta
Padovan, pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco que
analisou, durante o mestrado, prontuários do Hospital de Alienados
Ulysses Pernambucano, conhecido como Hospital da Tamarineira, no
Recife. A feiura era coisa de gente louca, pois se acreditava que a
beleza não era inata, precisava ser conquistada a partir da educação
física. “No prontuário de uma paciente de nome Severina constava que ela
tinha sido internada por causa de sua aparência repugnante”, afirma
Maria Concepta. A educação física, então, proporcionava a “higiene
mental” e mulheres com cabelos desarrumados ou com roupa descuidada
tinham de ir ao hospício para se tratar. No caso de Severina, além de
não ter a beleza padrão da época, ela havia contraído uma doença venérea
de um amante.
Os dois períodos estudados pelas historiadoras
Priscila e Maria Concepta têm em comum a política de ajudar a construir
uma nação. “A medicina se volta para estas mães porque elas precisam
cuidar de seus filhos para que se tornem bons cidadãos brasileiros”,
lembra Priscila.
Censo apontava população “defeituosa”
No
Brasil, a loucura começa a ser considerada um problema urbano no século
19, logo após a independência. Isso porque, para construir uma nação,
era preciso civilizar. “Não era mais desejável um lugar habitado em uma
situação de epidemia iminente”, afirma a historiadora de Cárceres, no
Mato Grosso, Rachel Tegon de Pinho. Ela pesquisou a relação da loucura
em Cuiabá. “Uma série de práticas são banidas, como o batuque, criar
porcos no meio da rua ou jogar água suja nas vias”, diz. Além disso, em
1890 um grande recenseamento é feito em todas as capitais brasileiras e
um dos critérios levantados são os defeitos físicos da população. É
nesta categoria que começam a aparecer os “alienados”, “dementes” e
“idiotas”. “As pessoas eram apontadas como loucas pelos próprios
vizinhos, chefes de família e por quaisquer funcionários públicos.
Exceção
Nem
todas as mulheres que deixaram de se casar ou cuidar da casa foram
consideradas loucas. A historiadora Maria Concepta Padovan lembra que
existiram mulheres da classe média que se dedicavam ao magistério ou
eram visitadoras (precursoras da enfermagem) que foram aceitas pela
sociedade. “Costureiras e lavadeiras também eram necessárias”, lembra
Maria.
Ressocialização
Muitas mulheres que
permaneciam por mais de 10 anos no hospício, quando recebiam alta médica
já não voltavam para a família. “Muitos médicos escreveram que havia
superlotação nos hospícios e que não sabiam o que fazer com as mulheres
que estavam há tempos lá dentro”, afirma a historiadora Priscila Céspede
Cupello.
Nenhum comentário:
Postar um comentário