PICICA: "Duas mulheres que carregaram algo profundamente peculiar durante a curta
existência. Levando isso ao campo da arte, e da fotografia. Criaram
conceitos densos, e carregados de si mesmas. Duas histórias que se
cruzaram em um fim comum. O suicídio."
Diane Arbus e Francesca Woodman - Fotógrafas suicidas

© Diane Arbus.
A fotografia enquanto um processo dinâmico de produção, faz surgir constantemente imagens-conceitos. E estes são (re)apropriados tanto no campo da técnica como subjetivamente. Caminhos se unem, distâncias se encurtam. Histórias se contam, aproximando pessoas. Destinos se entrelaçam – tomo aqui a palavra destino para além de seu teor místico ou cósmico, mas com uma fatalidade de fluxos de energia comum.
Entrelaço as histórias de Diane Arbus e Francesca Woodman, duas jovens fotógrafas que em vida produziram conceitos que ainda hoje se presentificam. Dois nomes que estiveram à frente de seu tempo, deixando um rico patrimônio artístico de imagens. Dois olhares distintos sob o mundo e o eu, mas que se cruzaram na passagem de um ato – a morte voluntária.

© Diane Arbus.
Diane ao fotografar as pessoas ao seu redor buscou dar voz as minorias sociais – aqueles estereotipados, por uma maioria imersa em uma cultura de pós-guerra americana, onde a imagem vendida para o mundo, e também compartilhada entre a própria nação, era de um país vitorioso, pragmático e homogêneo, em busca de um desenvolvimento que excluía as diferenças, e as singularidades. Inversamente a este contexto ela propôs um diálogo inteiro, que colocava em pauta a questão do desejo do indivíduo. Desejo atravessado pelo real do corpo, que se pode mascarar, mas não extinguir. Diante de suas lentes são vistas pessoas em vivências cruamente verdadeiras.

© Diane Arbus.

© Diane Arbus.
São fotografias que só foram possíveis através de um mergulho interior da fotógrafa em sua própria história. E como eram essas águas em que Diane se dispôs a nadar? Nunca saberemos; mas existe algo em suas fotografias que aponta ainda hoje para a intensidade de sua entrega. É como se cada retrato repetisse um pedaço de Diane que talvez fosse doado por ela, no ato da foto.

© Diane Arbus.

© Diane Arbus.
Francesca, a menina nascida em uma família de artistas, e que aos 13 anos iniciou uma jornada no mundo da fotografia. Uma jornada desenfreada para dentro de si. A mulher como enigma, é o que vemos nos seus autorretratos.
Envolta por um meio social conturbado, diante da massificação do papel da mulher nas artes, embriagada de coragem Francesca salta sobre si mesma, e realiza com suas fotografias um manifesto revolucionário do feminino.

Seus autorretratos são de fato embriagantes, e é impossível passar impune diante deles. Fico a imaginar o turbilhão de afetos envolvidos naquele corpo frágil, mas que ao se retratar em cena ganhavam a densidade de um grito que ainda hoje atinge a alma, e desconcerta o espectador.


As duas encontram na morte algo de comum. Talentosas jovens, que tinha um futuro promissor pela frente, mas que se suicidaram. Será que de fato teriam? Quando nos deparamos com a eminência da morte, e sua concretização em outro, principalmente em um caso de suicídio, nos vestimos de um discurso consciente de autodefesa. Nosso olhar se distância e tomamos um direito diante do morto de julgá-lo neutramente. Obviamente essa posição amortece o profundo horror que escondemos diante da obscuridade da morte.
Mas diante dos dois suicídios que assombram esse artigo, gostaria que o leitor desconstruísse seu olhar diante das imagens e das histórias, colocando-as na frente de qualquer julgamento – possibilitando assim um processo de inter-subjetividade, de troca. Meu desejo é que sejam afetados pela potência das imagens, dessas duas fotógrafas que ganharam a contemporaneidade. Duas mulheres que criaram conceitos a partir da energia interior que regava suas respectivas práticas fotográficas. E muito dos conceitos que vemos hoje em dia, são cópias, releituras, ou inspirações que surgiram e continuarão a surgir a partir delas.

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