Mulheres de Olho
Laicidade, ainda um desafio
20 Jun 2008 03:27
Em reportagem da Folha, no caderno Cotidiano, o jornalista Roberto de Oliveira mostra como o Palácio da Justiça de São Paulo se transformou no cenário de uma cerimônia presidida pelo cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, na qual estiveram presentes cerca de 250 pessoas, entre desembargadores, juízes, autoridades e familiares.
Coube ao desembargador Munhoz Soares, filiado à União dos Juristas Católicos, afirmar que “a maioria do Judiciário é católica”. Segundo a reportagem, o desembargador José Geraldo Barreto Fonseca condena temas como o aborto, o casamento gay, a pena de morte e as pesquisas com células-tronco embrionárias. E não teve qualquer dúvida ao afirmar que “o Estado não pode ser laico”.
Nem o papa Bento 16 foi tão longe. No diálogo que mantém com o Congresso de Juristas Católicos na Itália, ele discutiu o tema da laicidade propondo uma distinção entre laicidade sadia – e portanto, desejável – e laicismo, que seriam o que ele considera como excesso nessa separação. Nas palavras do pontífice:
E também não é um sinal de laicidade sadia a rejeição, à comunidade cristã e àqueles que legitimamente a representam, do direito de se pronunciar a respeito dos problemas morais que hoje interpelam a consciência de todos os seres humanos, de maneira particular dos legisladores e dos juristas. Efectivamente, não se trata de uma ingerência indevida por parte da Igreja na actividade legislativa, própria e exclusiva do Estado, mas sim da afirmação e da defesa dos grandes valores que dão sentido à vida da pessoa e salvaguardam a sua dignidade.
No Brasil, declarações como a do desembargador Barreto Fonseca indicam que o debate sobre laicidade está apenas engatinhando. Aos poucos, vem se tornando pública uma aliança de longa data, mas de que só recentemente a sociedade toma conhecimento: a da Igreja Católica com o campo jurídico.
A União dos Juristas Católicos do Rio de Janeiro foi criada em junho de 1994. Desde então se lançou como uma das mais ativas vozes do movimento contra o aborto no Brasil e expandiu-se nacional e internacionalmente. No Rio, são mais de 130 integrantes. Um pequeno histórico da atuação da UJC-RJ está publicado no site oficial da entidade, que traz ainda a lista de integrantes.
No grupo fundador está o desembagador Alyrio Cavallieri, hoje aposentado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Ele esteve presente às comemorações do Jubileu da União Internacional de Juristas Católicos, comemorado em 2000 no Vaticano pelo papa João Paulo II. Suas saudações dão o tom do que a Igreja espera dos magistrados associados: a manutenção do “valor jurídico e social específico da família”, o não-reconhecimento do direito ao aborto e à eutanásia.
O modelo de associação entre igreja e judiciário está em vigor desde os anos 1950, data da criação da União Internacional de Juristas Católicos. Aos poucos, associações desse tipo foram se espalhando por diversos países, como França e Itália. Em discurso dirigido ao Congresso de Juristas Católicos da Itália, já em 1950, o Papa Pio XII afirmou pretender assegurar que juristas e estadistas católicos cumprissem, acima de tudo, os compromissos com sua igreja.
Para tanto, o papa evocou concordatas, que são definidas como “uma expressão da colaboração entre a Igreja e o Estado”, mas que hoje são entendidas como a maior das ameaças à laicidade do estado. Quando esteve no Brasil, em maio de 2007, o papa Bento 16 chegou a propor ao presidente Lula a assinatura de uma concordata, pelo menos temporariamente recusada.Conforme artigo do advogado e membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP, Aldir Guedes Soriano, essa não foi a primeira proposta desse tipo feita pelo Vaticano ao governo brasileiro, e o papa ainda pretende cumprir este objetivo até 2010.
Há quatro anos, Portugal enfrentou um grande debate sobre uma concordata, que foi considerada por muitos como uma ameaça à constituição e à soberania do estado português.
Anne Resende Braga, colaboradora
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