junho 25, 2008

A luta pela descriminalização do aborto continua

Mulheres de Olho

Cunha apresenta parecer sobre PL 1135 e Buglione comenta

24 Jun 2008

Contrariando a ordem lógica dos debates legislativos, o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/ RJ), que é também relator do PL 1135/91, apresentou hoje seu parecer pela rejeição deste projeto de lei, que descriminaliza a prática do aborto. Ele considera que esta prática fere o princípio constitucional do direito à vida e à dignidade da pessoa humana.

A apresentação do parecer no dia de hoje foi precipitada, pois duas audiências públicas estão previstas para o início de julho. Entende-se que o parecer deveria ser apresentado após ouvir a opinião das partes. Mas o relator, que tem sua opinião formada, por sua atitude demonstra que o mais importante é correr com o processo.

Como noticiou hoje (24) a Gazeta Mercantil, a CCJC é um dos poucos espaços da casa que está funcionando normalmente esta semana, com mais de 60 projetos de lei na pauta. Entre estes alguns polêmicos, como o PL 1135:

“Estou dando velocidade grande ao trabalho da comissão”, teria dito Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Regime de pressa favorece interesses antiabortistas

Na semana passada informamos aqui sobre o perfil unilateral da audiência pública que o presidente-relator queria realizar sobre este projeto de lei. Seu requerimento apresentava uma lista de palestrantes com perfil exclusivamente contrário à descriminalização do aborto, com exceção do Ministro da Saúde. O tema foi discutido e houve pressões de representantes do Executivo e da sociedade civil, que resultaram na aprovação do convite para que especialistas pró-descriminalização fossem também ouvidos/as.

A audiência foi desdobrada em duas para abrigar um total de 17 palestrantes, ao invés de 8, acertando-se as datas de 02 e 03 de julho para sua realização. (veja abaixo a nova composição)

Entretanto, na sexta-feira, 20, o deputado Eduardo Cunha surpreendeu colocando na pauta desta terça-feira, 24, a apresentação de seu parecer. A manobra, segundo reportagem publicada pelo Congresso em Foco, garante que o prazo de tramitação do PL 1135 comece a contar desde logo, permitindo a votação do PL às vésperas do recesso parlamentar de julho. Uma votação que, pelo perfil atual da CCJC, será favorável à posição do relator. (leia aqui o parecer de Eduardo Cunha)

Seguindo os trâmites previstos, na sessão de hoje, após a apresentação do parecer foi concedida vista conjunta aos deputados Antonio Carlos Biscaia, Eduardo Valverde, Jefferson Campos, José Genoíno, Pastor Manoel Ferreira, Silvinho Peccioli e Vicente Arruda.

Uma primeira análise

Conversamos com a Professora de Direito e Bioética Samantha Buglione, que teceu para o Mulheres de Olho um primeiro parecer sobre o texto do relator:

“O relator Eduardo Cunha, ao citar Fernando Capez, evidencia que a norma constitucional não se posiciona em relação à proteção da vida. É preciso então indagar sobre que base normativa válida, no Brasil, se deve deliberar sobre esta proteção.

O relator reproduz o velho argumento da inviolabilidade do direito à vida previsto no artigo 5 da Constituição Federal sem, em momento algum, enfrentar o seu significado e o fato de que, igualmente constitucional, é a norma de princípio de liberdade.

Ignora o relator que o artigo 5 refere-se a pessoas. O direito subjetivo à vida pressupõe um ser vivente, sujeito-de-sua-vida. Ser pessoa não é uma categoria biológica, mas moral. Essas questões são simplificadas, talvez propositadamente, por Eduardo Cunha.

Vincular e impor uma crença moral, no caso a de que pessoa humana começa na concepção, através de uma norma jurídica, é violar pressupostos constitucionais, pois isto impede o exercício da liberdade de crença e pensamento. Esse é um dos argumentos jurídicos que devem impedir a criminalização do aborto e que, por certo, passa ao largo do pensamento do relator.

Uma hipótese para que o relator passe ao largo do direito de liberdade, é uma concepção um tanto distorcida de democracia, segundo a qual a liberdade e o gerenciamento do corpo não fazem parte das deliberações cidadãs.

Igualmente, não fazem parte do pensamento do relator as milhares de mortes desnecessárias de mulheres. Se a vida fosse, de fato, esse bem tão importante que o relator defende, as mortes das mulheres deveriam ser pauta da sua preocupação”.

***

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE O PL 1135/91

Lista de nomes propostos no requerimento de Eduardo Cunha:

* Presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha
* Pastor Silas Malafaia
* Reverendo da Catedral Presbiteriana do Brasil, no Rio de Janeiro, Guilhermino Cunha
* Presidente da Convenção das Igrejas Assembléia de Deus no Rio de Janeiro, Pastor Abner Ferreira
* Presidente da Convenção das Igrejas Assembléia de Deus em Tocantins, ex-Deputado Federal Pastor Amarildo
* ex- Senadora Heloísa Helena* Ministro do STF, Carlos Alberto Menezes Direito (há notícia de que não participará)
* Ministro da Saúde, José Gomes Temporão

Novos nomes propostos e aprovados:

* Débora Diniz – Antropóloga
* José Henrique Torres – Juiz
* Roberto Arriada Lorea – Juiz
* Cristião Rosas – Médico
* Télia Negrão - Secretária Executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
* Representante da Secretaria de Políticas para as Mulheres (a confirmar)
* Representante do Ministério da Justiça (a conformar)
* Representante do Centro Feminista de Estudos e Assessorias (a confirmar)
* Representante de Católicas pelo Direito de Decidir

Angela Freitas/ Instituto Patrícia Galvão
Posted by Picasa

Nenhum comentário: