fevereiro 01, 2011

Edelber Avelar repercute no seu blog as mortes do hospital psiquiátrico de Sorocaba

PICICA: "Alvíssaras! O blog “O Biscoito Fino e a Massa”, de Edelber Avelar, rompe o silêncio habitual da blogosfera sobre a luta antimanicomial - salvo nos blogues específicos -, no Brasil, ao noticiar a vergonhosa situação do hospital psiquiátrico de Sorocaba, que impressiona pelo número de óbitos que ali vem ocorrendo. Que outros blogues sigam o exemplo! Ainda é baixo o nível de solidariedade dos blogueiros de todos os matizes com a causa. Se não contarmos com eles para romper o silêncio midiático sobre nossa luta – silêncio que só é rompido pelas tintas do sensacionalismo e o reacionarismo da maior parte da mídia –, com quem haveremos de contar? (Ressalvas para a mídia manauara, que, fora uma ou outra distorção, foi, digamos, mais generosa, e cujo silêncio sobre o tema foi menos por omissão editorial do que pela anemia e subnutrição do setor de saúde mental, depois que a reforma psiquiatria no Amazonas foi submetida a um longo jejum, ali pelos anos 1990, resultando num período de estagnação das conquistas obtidas no seu processo de construção). Trinta anos depois da implantação de serviços substitutivos ao manicômio em todo território nacional, representado, entre outros, pelos centros de atenção psicossocial, nós, brasileiros, ainda convivemos com o velho modelo em plena era da atenção psicossocial. Os manicômios estão, definitivamente, com a validade vencida. E porque eles ainda estão entre nós? Porque não temos pessoal qualificado para a prática do novo paradigma em quantidade suficiente. Simples assim. Vamos aos fatos. Ao conservadorismo do aparelho formador, o Ministério da Saúde, até agora, foi incapaz de apresentar uma política arrojada na construção de um outro perfil reclamado para a prática da clínica antimanicomial, sobretudo no campo da psiquiatria. Nossas residências médicas em psiquiatria cheiram a mofo. É preciso tirar o cavalinho da chuva, a grande maioria das universidades não mudarão suas velhas práticas tão cedo. Elas continuam a patinar no conhecimento tradicional, e recusam-se a abrir suas portas para as novas práticas criativamente construídas pelo novo modelo vigente no Brasil, no campo da assistência, promoção e prevenção à saúde mental. Há honrosas exceções. E é com elas com quem poderíamos contar num programa mais agressivo de qualificação de pessoal, antes que os "cabeças-brancas" do movimento saiam de cena premidos pela inevitável injunção do tempo, sempre sensível à ação e/ou passividade humana. Faz-se necessário reinvestir a linguagem da reforma da saúde mental no Brasil com o mesmo espírito que nos animou a romper com os alicerces do conhecimento tradicional – aqui na sua pior acepção –, abalando o edifico da psiquiatria conservadora, responsável pela reprodução do cenário de horror vivido ainda hoje no interior dos manicômios. Sorocaba é regra, não exceção. É no campo da educação que está nossa maior debilidade. Fomos capazes de criar modelos substitutivos ao manicômio, mas não de modelos substitutivos à formação que aí está. O pior é que o setor está à deriva, com a indefinição do novo Coordenador Nacional de Saúde Mental, no governo Dilma. Nos bastidores do primeiro governo Lula, houve grande movimentação. Mas foi a enorme frustração decorrente das manobras que puseram abaixo um revolucionário modo de gestão proposto pelo movimento social, somado a práticas antiéticas no interior do movimento antimanicomial (amplamente analisado num livro publicado pelo Conselho Federal de Psicologia, única entidade de classe que não deixa a peteca cair) que deixou este último taciturno e macambúzio, incapaz de tomar para si a condução de uma história que não seja o culto a personalidades. Recorrer à presunção de ignorância neste momento de passagem, é incorrer na reprodução do mesmo erro que paira sobre nós nos últimos dez anos, quaisquer que tenham sido suas conquistas. A dispersão dos interlocutores, fragmentados em seus territórios, e os agravos provocados aos princípios éticos do movimento tem seus responsáveis. Credito a esses personagens a perplexidade deste momento de transição. Entretanto, o bonde da história ainda não está perdido. É bom ficar de olho nos “capas-pretas” habituados ao jogo de cartas marcadas, como convém à racionalidade autoritária dos prestidigitadores da subjetividade e do desejo coletivo.

Luta antimanicomial denuncia: Mortes nos leitos psiquiátricos de Sorocaba

Já na segunda semana do mês de dezembro eu recebera a denúncia do Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba (Flamas), depois de mais duas mortes em hospitais psiquiátricos da cidade. Tornou-se rotina. A média de mortos nos manicômios de Sorocaba é altíssima e a região possui o maior número de leitos do país. Os 1.289 leitos psiquiátricos do SUS na cidade de Sorocaba só não são mais numerosos que os do Rio de Janeiro.

Ancorados em dados do Ministério da Saúde, o Fórum apresentou estudo que chegou a números assustadores: são duzentas e trinta e três mortes em manicômios entre 2006 e 2009 só em Sorocaba. O professor Marcos Garcia, da UFSCar-Sorocaba e membro do Flamas, apontou a média de idade precoce das mortes, 48 a 49 anos. Até um quarto dos óbitos é de pacientes entre 17 a 29 anos de idade. Há um enorme número de mortes por causas evitáveis. É um estado de calamidade, urgente.

A luta antimanicomial na região de Sorocaba enfrenta também um bloqueio de mídia e o próprio secretário de saúde do município é dono de três manicômios. No final de janeiro, finalmente saiu uma matéria na mídia local, que repercutiu a denúncia do Flamas. A matéria também incluía a resposta do Dr. Eduardo Zacharias, diretor de um dos manicômios da cidade, que levantava suspeita sobre se os números seriam “muito ou pouco” e argumentava que faltava “metodologia científica” ao estudo.

À evasiva resposta, os profissionais do Flamas escreveram contundente retruque, mostrando não só que a média de mortes é altíssima, como também que a faixa etária é precoce e que alto número de óbitos acontece por causas evitáveis. Como exemplo irrefutável, o texto do Flamas lembra as 13 mortes por pneumonia no intervalo de dois meses e meio, no Hospital Vera Cruz, entre 07/05 e 18/07 de 2008.

A luta antimanicomial é uma das causas que mais merecedoras de atenção de quem quer um mundo um pouco mais humano e justo. Tudo indica que os profissionais do Flamas estão denunciando um estado de coisas desesperante e muito grave. A denúncia tem o meu endosso.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

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