junho 29, 2011

"Jornalistas ou escribas do poder?", por Mario Bentes

PICICA: Qual o dever do jornalista? Dizer a verdade? Muito bem. Mas, qual delas? Sob que embalagens elas estão contidas? E quando essa verdade é condicionada aos interesses dos veículos e dos próprios profissionais. Num cenário de mercantilização da notícia não surpreende que alguns jornalistas façam uso dela para benefícios pessoais. A crítica ao poder da mídia na construção social da realidade ganha outra dimensão quando formulada por quem faz do jornalismo um exercício de consciência, reflexão e ética como o jornalista Mario Bentes, a quem rendo minhas homenagens. Mario figura entre os jornalistas que gozam do respeito e admiração do leitor amazonense.
Imagem postada em portal.d24am.com
PICICA: Como ficaria a leitura desta fotografia pela narrativa graciosa dos locutores acima mencionados: "O momento menos esperado pelos "anjinhos" da ocupação 'José de Alencar", antes da frustrada "carnificina" foi a descida espetaculosa de helicoptero do deputado federal Sabino Castelo Branco, que resolveu tirar uma "casquinha" do episódio. Se não influiu, também não contribuiu. Menos, deputado; menos!..."


Jornalistas ou escribas do poder?

Não me surpreendo com os posicionamentos de alguns jornalistas sobre o que adoram chamar de “invasão de terra”, mas isso não me impede de sentir revolta, um certo nojo, asco. Preocupados com qualquer coisa que passa longe de bem informar, esses pseudo-profissionais – que mais parecem escribas conscientes dos patrões e dos interesses macro-econômicos – não têm nem a decência de sequer descer da torre de marfim de não sei quantos anos de experiência onde vivem, deitados em berço esplêndido, para vomitar suas sandices de preconceito e ódio.
São visões míopes, resumitivas, manipuladoras e deformadoras da realidade, que encontram espaço e voz sagrados na imprensa para especular, usar verbos no futuro do pretérito (“invasores estariam armados…”) e ganhar os corações e mentes desinformados dos leitores (que ridiculamente se acham informados), contra os bandidos, assassinos e terroristas devoradores de criancinhas, vulgarmente denominados em comum acordo – tal como em um cartel midiático – de “invasores”.
Desprovidos de qualquer ética ou de compromisso, adotam manchetes a partir de informações do Poder e nem se dão ao trabalho de investigar, de observar, de apreender o que observam sem os preconceitos que levam diariamente às pautas da vida. Apenas repetem o que mandam os grandes interesses. Não se permitem o questionamento, que fatalmente os levaria a contestar outras “invasões”, como a dos vários prédios de luxo em Manaus que estão às margens de Áreas de Preservação Permanente (APPs).
Não se questionam porque esses invasores, os verdadeiros grileiros, são os donos dos shoppings onde curtimos nossa mediocridade ou os apartamentos das grandes construtoras que pagamos em prestações a perder de vista. Em outras palavras: grileiro rico pode, grileiro pobre não. E grileiro pobre só não pode porque vai atrapalhar a especulação imobiliária do grileiro rico. Mas os asseclas do poder, travestidos de jornalistas, se calam diante disso.
Republico aqui um trecho do livro Jornalismo Canalha, de José Arbex Jr, sobre o posicionamento de alguns deste profissionais (sic) de imprensa, que infelizmente vemos por todos os lados – entre os novos, que reproduzem o discurso fascista por pura ilusão, e dos velhos, que se acomodaram e se deixaram vender por um cargo de editor ou blogueiro corporativo de merda.
Não raro, os próprios jornalistas aceitam fazer o papel de escribas do poder, reproduzindo o comportamento dos correspondentes enviados a Canudos, que não mencionaram – ou apenas registraram, muito de passagem – a degola de homens mulheres e crianças.

Muito poderia ser escrito sobre as razões que determinam tal comportamento – do triunfo momentâneo do pensamento neoliberal, para qual o mercado é a lei inexorável da existência, ao puro e simples oportunismo de carreiristas que sabem o que devem escrever e falar para ‘se darem bem’ na profissão.
(…)
Esses episódios são muito ilustrativos não por revelar aquilo que, na verdade, já se sabe – que a mídia brasileira é extremamente hostil aos movimentos populares em geral, e ao MST em particular –, mas por evidenciar o papel de grande relevância ocupado pelos jornalistas na guerra contra as organizações dos pobres deste país.
Não são mais os generais da ditadura, nem os seus agentes, nem sequer são os donos das empresas jornalísticas que acusam as organizações populares de prática de corrupção, de manobrar ‘inocentes úteis’ com fins escusos, de serem sucursal de Satanás na Terra.

São os próprios jornalistas que metem a mão na massa e ‘mostram serviço’. Em geral, eles são eficientes, pois eram ‘de esquerda’ quando fizeram a universidade – como muitos, aliás, adoram propagar –, e conhecem bem os argumentos que tocam a sensibilidade da classe média.
O título acima não é uma pergunta, de fato. É uma resposta elegante aos imbecis que querem nos enganar com suas capas sensacionalistas, dia após dia.

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Fonte: Identidade Bentes

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