PICICA: A manipulação midiática, lá e cá. Na Espanha, uma manipulação grosseira tentou jogar a opinião pública contra o movimento pacífico dos "indignados" (farsa). Aqui, em Manaus, uma manipulação não menos grosseira, promovida pelo porta-voz da Rádio CBN, tentou infundir o velho preconceito moral (comédia) ao reduzir a Marcha pela Liberdade de Expressão ao que ela não foi. A "Marcha da Maconha", senhor radialista, deverá acontecer em outra data, e está devidamente autorizada pelo Supremo Tribunal Federal. Confundir a opinião pública nomeando a Marcha da Liberdade como "Marcha da Maconha" é prestar um desserviço para com a formação de opinião. Em nome do movimento pela liberdade de expressão, sugiro que sejam abertos os microfones da rádio para a urgente discussão da política publica conhecida como "Guerra contra as Drogas", que criminaliza e demoniza amplos setores da sociedade, sobretudo os jovens mais pobres, baseado em suspeitos parametros científicos da normalidade e seus desvios, num mundo em que a diferença adquiriu um valor supremo para o avanço da cidadania política. Em tempo: Minha crítica é fraterna, e minha disposição é dialogar, sempre. O momento é propício para discutirmos a escandalosa falta de uma política pública para os abusadores de álcool e outras drogas, hoje reduzida a ações pontuais. Em Manaus, não há uma rede de serviços públicos para esse setor da sociedade, falta pessoal qualificado e é inteiramente desconhecido o orçamento destinado às ações de saúde cabíveis. É sobre a população empobrecida que recai o ônus da precariedade dos serviços. Mesmos as ações de prevenção que envolvem instituições governamentais e não governamentais estão destinadas ao insucesso, na ausência de uma rede de atenção diária ao usuário dependente. Conjugar uma rede de serviços a outras políticas públicas que envolvam a arte e a geração de renda é tarefa inadiável. E a mídia tem um papel relevante na criação deste novo cenário. O risco de insucesso é diretamente proporcional à nossa intolerância para com a desigualdade social e à nossa demanda por crescente civilidade tanto no espaco público como nos lares.
Protestos do 15-M são "recriados" pela grande mídia. Vídeo expõe manipulação
Policiais à paisana, vestidos como se fossem manifestantes, realizaram atos provocadores em Barcelona "incitando" a ação violenta de policiais fardados que, logo depois, esforçaram-se para defender os autores do suposto tumulto. Vídeo gravado pelos manifestantes mostra ação dos policiais infiltrados.No entanto, logo em seguida, o que se via no noticiário da televisão espanhola, TV3, era que os “indignados” haviam perdido a simpatia popular conquistada até o momento, depois de terem empregado violência nas manifestações em torno do parlamento. Graves atentados à liberdade de expressão estão ocorrendo na Espanha. O artigo é de Fabíola Munhoz, direto de Barcelona.
Fabíola Munhoz - Direto de Barcelona, Especial para Carta Maior
Nesta quinta-feira, os maiores veículos de comunicação da Espanha noticiam a mobilização organizada pelo movimento 15-M ontem (15/6), frente ao Parlamento Catalão, utilizando palavras, como “violência” e “coação”, para se referir a essa ação. No entanto, quem estava diante do Parc de la Ciutadella, em Barcelona, onde fica a sede da Câmara Autônoma, pode ver que não foi esse o modo como as coisas aconteceram.
Cheguei ao local às 7h30, e a manifestação agendada para começar às 7h00 já reunia milhares de pessoas, que se dividiam pelas diversas entradas do parque, impedidas de passar por uma grande ofensiva policial. A ideia dos manifestantes era fazer um cordão humano em torno do Parlamento, com o objetivo de impedir os deputados de votarem o novo orçamento da Catalunha, que prevê o recorte de direitos sociais, dentre os quais saúde pública e educação.
Apesar do poder de intimidação dos chamados "Mossos da Esquadra", a postos desde a tarde do dia 14, os manifestantes se mantiveram pacíficos até o horário previsto para o início da votação dos cortes de serviços públicos, por volta das 10h00. Os participantes do protesto respeitavam a barreira humana formada por policiais, chamando a atenção com cartazes, flores e gritos de repúdio à atual política econômica e social do governo espanhol.
Muitos deles também tentavam dialogar com os integrantes da Esquadra, buscando convencê-los a unir-se à luta dos “indignados”, já que a queda de empregos e salários que decorrerá do plano de recortes sociais afetará também a classe policial.
Alguns deles ouviam com atenção a fala dos manifestantes e outros chegavam a concordar com a falta de democracia e corrupção existentes no país. Um deles, suando sob a farda no grande calor que fazia, ao ser interrogado sobre a necessidade de transformação da sociedade para que ele e sua família possam ter uma vida mais digna, abriu um sorriso discreto sob o capacete negro. “Não digo que não, mas tampouco posso dizer que sim”.
Houve integrantes da Esquadra que demonstrassem cuidado no tratamento com os manifestantes diante do pacifismo demonstrado por eles, enquanto outros pareciam se irritar com os ataques verbais feitos por alguns dos ativistas em tom de brincadeira.
O clima estranho, que oscilava entre a conversa amigável e a tensão anunciativa de um conflito, começou a se romper quando, por volta das 11h30, pelo cruzamento do Passeio de Pujades com a Calle de Wellington, um dos caminhos de acesso ao parque, chegavam pessoas escoltadas ao Parlamento, que não se podiam reconhecer.
“São os parlamentares vestidos com roupa barata para passarem despercebidos”, explicou-me um senhor, que é militante desde a década de 70, e disse conhecer cada um dos deputados da Catalunha. “Hoje, a gente tem muita liberdade. Na época em que eu lutava contra a ditadura franquista, fazendo manifestações nas ruas a partir de 1975, levava tiro de verdade, não só de borracha. E a gente se arriscava assim por ideias, e não só por um emprego como a juventude de hoje”, recordou com os olhos marejados.
Depois dessa rápida viagem ao passado, observei que, em vários pontos de encontro da massa de manifestantes com o cordão de policiais, os ânimos começavam a se exaltar, diante da indignação de todos frente à constatação de que os parlamentares “vergonhosamente” se disfarçavam para fugir ao contato com o povo.
O presidente da Generalitat da Catalunha, Artur Mas, e a Presidente do Parlamento, Nuria de Gispert, entraram no parque de helicóptero para “se defender” dos manifestantes. Enquanto isso, em vários pontos da mobilização, integrantes do 15-M, mais atentos, avistavam policiais à paisana, vestidos como os demais manifestantes, porém com a diferença de que alguns deles traziam parte do rosto coberto por um gorro negro.
Um vídeo gravado pelos manifestantes, divulgado pela Internet ontem e já acessado 250 mil vezes, comprova a presença desse grupo alheio ao movimento, e retrata o momento em que tais pessoas “incitam” a ação violenta dos policiais que, logo depois, parecem esforçar-se para defender os mesmos autores do suposto tumulto.
“Desde ontem, quando chegamos ao parque para preparar o cerco ao Parlamento, temos visto vários ‘secretas’, observando a gente de longe”, contou-me uma jovem portuguesa.
Vendo, depois, esse filme amador, pude compreender o que no calor do momento não fazia sentido. O pacifismo da manifestação havia sido quebrado diversas vezes pela violência gratuita de policiais que disparavam balas de borracha e golpeavam jovens com seus cassetetes. Em muitas dessas ocasiões, pude perceber que a maioria dos agredidos não entendia bem por que estava apanhando, nem como havia começado a confusão.
No entanto, se a brutalidade desmedida da Polícia é revoltante e ininteligível para quem se portou pacificamente nas manifestações, por outro lado, já era esperada pelos que sabem bem como funciona a repressão vinda do governo, em países que se intitulam falsamente como democráticos.
Essa expectativa encontraria fundamento quando, mais tarde, por volta das 13h00, os “indignados” bloquearam duas saídas do parque, tentando impedir que os deputados abandonassem o local. Depois de conversarem com os policiais durante uma hora, pedindo a eles apoio para o bloqueio, os manifestantes ouviram de um dos mossos o pedido estranhamente educado para que abrissem passagem aos carros de policiais, que estavam cansados depois de uma jornada de trabalho árdua, e precisavam se retirar do parlamento.
Os pacifistas confiaram e, inclusive, consideraram um ganho que os policiais tivessem recorrido ao diálogo, ao invés de empregar os habituais “porros”. Porém, logo depois que abriram passagem para as furgonetas da esquadra, notaram a presença de parlamentares dentro de algumas delas, assim como a saída rápida de carros de civis entre os veículos policiais.
Foi, então, que decepcionados e sentindo-se enganados, os ativistas se recusaram a liberar uma segunda vez a passagem de automóveis pela saída do parque. Sentaram-se todos ao chão, segurando cartazes onde se lia “resistência pacífica”, mas foram dali retirados sob golpes violentos. Eu, que só queria fotografar o ocorrido, senti resvalar um cassetete na perna esquerda, antes que pudesse correr.
Depois disso, os manifestantes começaram a dirigir insultos aos policiais, e uma jovem pediu respeito a eles, dizendo que não tinham culpa porque estavam apenas fazendo seu trabalho. “Não venha me dizer isso. Eu vi uma menina que devia ter uns 17 anos contra o chão, com um brutamontes desses em cima dela, dando porrada. Esse tipo de coisa não tem como perdoar”, contestou um garoto inconformado.
Depois disso, sentindo-se impotentes, os poucos manifestantes que ainda se reuniam ali na tentativa infrutífera de fazer uma barreira, decidiram ir a outra saída por onde também se esperava a passagem de parlamentares. Nesse outro espaço, de novo, outros jovens foram agredidos com violência, dentre os quais três garotas que, com expressões de susto e ferimentos leves, recebiam os cuidados de enfermeiros voluntários de plantão que assessoravam o movimento.
Tudo isso foi visto de perto pela grande imprensa reunida, que fazia fotos e vídeos dos embates. “Grave bem o que está acontecendo aqui”, pedia a um cinegrafista, um dos integrantes do 15-M.
No entanto, logo em seguida, o que se via no noticiário da televisão espanhola, TV3, era que os “indignados” haviam perdido a simpatia popular conquistada até o momento, depois de terem empregado violência nas manifestações em torno do parlamento. Diante dessas mentiras revoltantes, os manifestantes decidiram abandonar o local dos embates violentos, separando-se em dois grupos: um que se reuniu na Praça Sant Jaume, onde ficam as sedes da Generalitat (administração autônoma da Catalunha) e da prefeitura de Barcelona, e outro que resistia frente ao Arc de Triomf, monumento vizinho ao Parlamento.
Ali, por volta das 20h00, os dois conjuntos de manifestantes voltaram a se reunir, fazendo um grande panelaço, que era assistido por uma grande muralha de policiais, ainda incumbidos de proteger o prédio da Câmara Autonômica da Catalunha.
Em seguida, os “indignados” se organizaram numa Assembleia Geral improvisada, para a qual convocaram a imprensa, com o objetivo de ler um manifesto do movimento 15-M, em que definiam o bloqueio ao parlamento como uma estratégia de desobediência pacífica e coletiva ante a aprovação de leis injustas.
Essa desobediência ativa, não-violenta, pacífica, mas determinada, é a expressão dos acordos a que o movimento 15-M chegou por meio de assembléias realizadas na Praça Catalunha durante o último mês. As ações que não tenham seguido essa estratégia não representam o movimento”, afirmava a carta lida por um representante da comissão de Comunicação da acampada em Barcelona.
O documento, que seria reformado a pedido dos manifestantes, para incluir ali as medidas de agressão protagonizadas pelos mossos da Esquadra, está pronto, como combinado, e disponível no blog da acampada (acampadabcn.wordpress.com). No entanto, nenhum veículo de comunicação até agora se preocupou em divulgar esse manifesto, assim como não se viam jornalistas durante a leitura da versão inicial do documento no fim da tarde de ontem.
Isso talvez porque esse posicionamento escrito diga como mais de 30 participantes do bloqueio foram feridos durante as cargas policiais de ontem, sendo que três deles estão hospitalizados e um foi fortemente golpeado no olho.
O documento também destaca que os policiais impediram o acesso dos meios de comunicação a vários espaços do perímetro do parque, confiscando celulares e câmeras dos manifestantes para impedi-los de gravar o que ocorria. “Como de costume, o Departamento de Interior infiltrou numerosos policiais à paisana, que originaram incidentes”, avisa também o manifesto.
No entanto, o El País de hoje preferiu noticiar que o “acosso” sofrido pelos deputados catalães ontem não ficarão impunes, se depender dos Mossos da Esquadra, do Ministério Público e da Generalitat, que querem investigar os “atos violentos” praticados por alguns dos manifestantes, de acordo com o artigo 489 do Código Penal espanhol, que castiga com prisão os que empregam força, intimidação ou ameaça para impedir a um deputado de assistir a suas reuniões.
No entanto, esse mesmo jornal informa, desinformando, o fato de que os pouquíssimos manifestantes capazes de se aproximar dos parlamentares tingiram de aerosol vermelho o deputado ecossocialista Joan Boada, jogaram um pé de banana no secretário geral do partido conservador ICV, Joan Herrera, e pintaram uma cruz negra na gabardina da ex-conselheira de Justiça, Montserrat Tura.
Nessas horas, penso que a Justiça deve ser representada como uma deusa vendada, não por conceder o direito de maneira equilibrada e equânime, sem ver a quem, mas sim, porque está totalmente cega para a realidade. Seis jovens ontem foram presos por lançar tinta e bananas, enquanto, provavelmente, não haja penalização para os "mossos da esquadra", que não estavam identificados durante as ações violentas de ontem, conforme exige um decreto espanhol.
Ao mesmo tempo, também é manchete de hoje que a crise econômica na Grécia já transpassa fronteiras, de modo que as incertezas sobre o segundo resgate financeiro ao país já aumentam a pressão sobre a dívida de outros países europeus, como a Espanha.
Porém, o mesmo destaque não é dado pelos jornais espanhois ao fato de que o primeiro-ministro grego, Giorgos Papandreu, ofereceu ontem à oposição sua demissão, em troca da formação de um governo conjunto de unidade nacional, em resposta às manifestações populares, que têm se chocado com a Polícia de Atenas.
A última marcha organizada pelos indignados gregos reuniu 25 mil pessoas, que rumaram ao Parlamento para protestar contra as medidas de austeridade econômica postas em prática pelo governo, como efeito da crise financeira.
Isso, assim como o protesto conjunto de todas as acampadas europeias, programada para o próximo dia 19, e encabeçada pelo 15-M, revela que os embates entre manifestantes e governo só tendem a se acirrar. O cenário econômico caótico e a população nas ruas mostram que o poder usado pelos grandes veículos de comunicação para tapar os olhos da opinião pública está grave e felizmente ameaçado.
Ontem, depois do cerco ao Parlamento, centenas de jovens indignados marcharam pelas ruas de Barcelona até chegar à Comissaria onde ainda estão presos os seis detidos na manifestação de ontem. Enquanto caminhavam, íam convidando as pessoas que observavam a manifestação de suas janelas a se somar à marcha, ao mesmo tempo em que gritavam frases, como “Libertad a los presos por luchar” e “Televisión es manipulación”.
Muitos dos alheios ao protesto sorriam e acenavam demonstrando seu apoio, ao tempo em que outros apenas olhavam com curiosidade ou semblante indeciso. Na chegada a seu destino, a procissão de manifestantes, novamente, encontrou um cordão de policiais preparados. Mas, a mobilização de apoio aos militantes presos permaneceu pacífica e firme, madrugada a dentro, enquanto nenhum jornalista do El País estava ali para acompanhar esses fatos, antes de divulgar sua última manchete.
“Puig [Conselheiro do Interior, Felipe Puig] acusa a grupúsculos do 15-M de atuar como ‘uma guerrilha urbana’”, é o que anuncia agora a página virtual dessa empresa de comunicação.
O título dispensa maiores comentários. E eu convido a quem queira libertar sua visão e sua consciência para que assistista ao vídeo produzido pelos comunicadores do 15-M, cujas imagens flagram esse “grupo de infiltrados” em ação (ver vídeo acima). É importante dizer, porém, que, de uma hora para outra, o primeiro link de acesso ao vídeo, disponível no blog da acampada de Barcelona, deixou de funcionar no youtube. A mensagem que aparece quando se clica no antigo enlace é a seguinte: “Este vídeo é privado”. No entanto, o que soa uma tentativa de calar o movimento não funcionou. Outros muitos usuários do youtube já subiram o mesmo vídeo para que possa ser visto pelos internautas.
Essa é mais uma prova de que graves atentados à liberdade de expressão estão ocorrendo na Espanha. E a tentativa que se vê claramente agora, de controlar o acesso à informação até mesmo pela internet, dá à realidade uma face tão absurda e repugnante, que também ela nos parece criada por algum repórter de mau gosto.
(*) Advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação
Foto: http://acampadabcn.wordpress.com/
Cheguei ao local às 7h30, e a manifestação agendada para começar às 7h00 já reunia milhares de pessoas, que se dividiam pelas diversas entradas do parque, impedidas de passar por uma grande ofensiva policial. A ideia dos manifestantes era fazer um cordão humano em torno do Parlamento, com o objetivo de impedir os deputados de votarem o novo orçamento da Catalunha, que prevê o recorte de direitos sociais, dentre os quais saúde pública e educação.
Apesar do poder de intimidação dos chamados "Mossos da Esquadra", a postos desde a tarde do dia 14, os manifestantes se mantiveram pacíficos até o horário previsto para o início da votação dos cortes de serviços públicos, por volta das 10h00. Os participantes do protesto respeitavam a barreira humana formada por policiais, chamando a atenção com cartazes, flores e gritos de repúdio à atual política econômica e social do governo espanhol.
Muitos deles também tentavam dialogar com os integrantes da Esquadra, buscando convencê-los a unir-se à luta dos “indignados”, já que a queda de empregos e salários que decorrerá do plano de recortes sociais afetará também a classe policial.
Alguns deles ouviam com atenção a fala dos manifestantes e outros chegavam a concordar com a falta de democracia e corrupção existentes no país. Um deles, suando sob a farda no grande calor que fazia, ao ser interrogado sobre a necessidade de transformação da sociedade para que ele e sua família possam ter uma vida mais digna, abriu um sorriso discreto sob o capacete negro. “Não digo que não, mas tampouco posso dizer que sim”.
Houve integrantes da Esquadra que demonstrassem cuidado no tratamento com os manifestantes diante do pacifismo demonstrado por eles, enquanto outros pareciam se irritar com os ataques verbais feitos por alguns dos ativistas em tom de brincadeira.
O clima estranho, que oscilava entre a conversa amigável e a tensão anunciativa de um conflito, começou a se romper quando, por volta das 11h30, pelo cruzamento do Passeio de Pujades com a Calle de Wellington, um dos caminhos de acesso ao parque, chegavam pessoas escoltadas ao Parlamento, que não se podiam reconhecer.
“São os parlamentares vestidos com roupa barata para passarem despercebidos”, explicou-me um senhor, que é militante desde a década de 70, e disse conhecer cada um dos deputados da Catalunha. “Hoje, a gente tem muita liberdade. Na época em que eu lutava contra a ditadura franquista, fazendo manifestações nas ruas a partir de 1975, levava tiro de verdade, não só de borracha. E a gente se arriscava assim por ideias, e não só por um emprego como a juventude de hoje”, recordou com os olhos marejados.
Depois dessa rápida viagem ao passado, observei que, em vários pontos de encontro da massa de manifestantes com o cordão de policiais, os ânimos começavam a se exaltar, diante da indignação de todos frente à constatação de que os parlamentares “vergonhosamente” se disfarçavam para fugir ao contato com o povo.
O presidente da Generalitat da Catalunha, Artur Mas, e a Presidente do Parlamento, Nuria de Gispert, entraram no parque de helicóptero para “se defender” dos manifestantes. Enquanto isso, em vários pontos da mobilização, integrantes do 15-M, mais atentos, avistavam policiais à paisana, vestidos como os demais manifestantes, porém com a diferença de que alguns deles traziam parte do rosto coberto por um gorro negro.
Um vídeo gravado pelos manifestantes, divulgado pela Internet ontem e já acessado 250 mil vezes, comprova a presença desse grupo alheio ao movimento, e retrata o momento em que tais pessoas “incitam” a ação violenta dos policiais que, logo depois, parecem esforçar-se para defender os mesmos autores do suposto tumulto.
“Desde ontem, quando chegamos ao parque para preparar o cerco ao Parlamento, temos visto vários ‘secretas’, observando a gente de longe”, contou-me uma jovem portuguesa.
Vendo, depois, esse filme amador, pude compreender o que no calor do momento não fazia sentido. O pacifismo da manifestação havia sido quebrado diversas vezes pela violência gratuita de policiais que disparavam balas de borracha e golpeavam jovens com seus cassetetes. Em muitas dessas ocasiões, pude perceber que a maioria dos agredidos não entendia bem por que estava apanhando, nem como havia começado a confusão.
No entanto, se a brutalidade desmedida da Polícia é revoltante e ininteligível para quem se portou pacificamente nas manifestações, por outro lado, já era esperada pelos que sabem bem como funciona a repressão vinda do governo, em países que se intitulam falsamente como democráticos.
Essa expectativa encontraria fundamento quando, mais tarde, por volta das 13h00, os “indignados” bloquearam duas saídas do parque, tentando impedir que os deputados abandonassem o local. Depois de conversarem com os policiais durante uma hora, pedindo a eles apoio para o bloqueio, os manifestantes ouviram de um dos mossos o pedido estranhamente educado para que abrissem passagem aos carros de policiais, que estavam cansados depois de uma jornada de trabalho árdua, e precisavam se retirar do parlamento.
Os pacifistas confiaram e, inclusive, consideraram um ganho que os policiais tivessem recorrido ao diálogo, ao invés de empregar os habituais “porros”. Porém, logo depois que abriram passagem para as furgonetas da esquadra, notaram a presença de parlamentares dentro de algumas delas, assim como a saída rápida de carros de civis entre os veículos policiais.
Foi, então, que decepcionados e sentindo-se enganados, os ativistas se recusaram a liberar uma segunda vez a passagem de automóveis pela saída do parque. Sentaram-se todos ao chão, segurando cartazes onde se lia “resistência pacífica”, mas foram dali retirados sob golpes violentos. Eu, que só queria fotografar o ocorrido, senti resvalar um cassetete na perna esquerda, antes que pudesse correr.
Depois disso, os manifestantes começaram a dirigir insultos aos policiais, e uma jovem pediu respeito a eles, dizendo que não tinham culpa porque estavam apenas fazendo seu trabalho. “Não venha me dizer isso. Eu vi uma menina que devia ter uns 17 anos contra o chão, com um brutamontes desses em cima dela, dando porrada. Esse tipo de coisa não tem como perdoar”, contestou um garoto inconformado.
Depois disso, sentindo-se impotentes, os poucos manifestantes que ainda se reuniam ali na tentativa infrutífera de fazer uma barreira, decidiram ir a outra saída por onde também se esperava a passagem de parlamentares. Nesse outro espaço, de novo, outros jovens foram agredidos com violência, dentre os quais três garotas que, com expressões de susto e ferimentos leves, recebiam os cuidados de enfermeiros voluntários de plantão que assessoravam o movimento.
Tudo isso foi visto de perto pela grande imprensa reunida, que fazia fotos e vídeos dos embates. “Grave bem o que está acontecendo aqui”, pedia a um cinegrafista, um dos integrantes do 15-M.
No entanto, logo em seguida, o que se via no noticiário da televisão espanhola, TV3, era que os “indignados” haviam perdido a simpatia popular conquistada até o momento, depois de terem empregado violência nas manifestações em torno do parlamento. Diante dessas mentiras revoltantes, os manifestantes decidiram abandonar o local dos embates violentos, separando-se em dois grupos: um que se reuniu na Praça Sant Jaume, onde ficam as sedes da Generalitat (administração autônoma da Catalunha) e da prefeitura de Barcelona, e outro que resistia frente ao Arc de Triomf, monumento vizinho ao Parlamento.
Ali, por volta das 20h00, os dois conjuntos de manifestantes voltaram a se reunir, fazendo um grande panelaço, que era assistido por uma grande muralha de policiais, ainda incumbidos de proteger o prédio da Câmara Autonômica da Catalunha.
Em seguida, os “indignados” se organizaram numa Assembleia Geral improvisada, para a qual convocaram a imprensa, com o objetivo de ler um manifesto do movimento 15-M, em que definiam o bloqueio ao parlamento como uma estratégia de desobediência pacífica e coletiva ante a aprovação de leis injustas.
Essa desobediência ativa, não-violenta, pacífica, mas determinada, é a expressão dos acordos a que o movimento 15-M chegou por meio de assembléias realizadas na Praça Catalunha durante o último mês. As ações que não tenham seguido essa estratégia não representam o movimento”, afirmava a carta lida por um representante da comissão de Comunicação da acampada em Barcelona.
O documento, que seria reformado a pedido dos manifestantes, para incluir ali as medidas de agressão protagonizadas pelos mossos da Esquadra, está pronto, como combinado, e disponível no blog da acampada (acampadabcn.wordpress.com). No entanto, nenhum veículo de comunicação até agora se preocupou em divulgar esse manifesto, assim como não se viam jornalistas durante a leitura da versão inicial do documento no fim da tarde de ontem.
Isso talvez porque esse posicionamento escrito diga como mais de 30 participantes do bloqueio foram feridos durante as cargas policiais de ontem, sendo que três deles estão hospitalizados e um foi fortemente golpeado no olho.
O documento também destaca que os policiais impediram o acesso dos meios de comunicação a vários espaços do perímetro do parque, confiscando celulares e câmeras dos manifestantes para impedi-los de gravar o que ocorria. “Como de costume, o Departamento de Interior infiltrou numerosos policiais à paisana, que originaram incidentes”, avisa também o manifesto.
No entanto, o El País de hoje preferiu noticiar que o “acosso” sofrido pelos deputados catalães ontem não ficarão impunes, se depender dos Mossos da Esquadra, do Ministério Público e da Generalitat, que querem investigar os “atos violentos” praticados por alguns dos manifestantes, de acordo com o artigo 489 do Código Penal espanhol, que castiga com prisão os que empregam força, intimidação ou ameaça para impedir a um deputado de assistir a suas reuniões.
No entanto, esse mesmo jornal informa, desinformando, o fato de que os pouquíssimos manifestantes capazes de se aproximar dos parlamentares tingiram de aerosol vermelho o deputado ecossocialista Joan Boada, jogaram um pé de banana no secretário geral do partido conservador ICV, Joan Herrera, e pintaram uma cruz negra na gabardina da ex-conselheira de Justiça, Montserrat Tura.
Nessas horas, penso que a Justiça deve ser representada como uma deusa vendada, não por conceder o direito de maneira equilibrada e equânime, sem ver a quem, mas sim, porque está totalmente cega para a realidade. Seis jovens ontem foram presos por lançar tinta e bananas, enquanto, provavelmente, não haja penalização para os "mossos da esquadra", que não estavam identificados durante as ações violentas de ontem, conforme exige um decreto espanhol.
Ao mesmo tempo, também é manchete de hoje que a crise econômica na Grécia já transpassa fronteiras, de modo que as incertezas sobre o segundo resgate financeiro ao país já aumentam a pressão sobre a dívida de outros países europeus, como a Espanha.
Porém, o mesmo destaque não é dado pelos jornais espanhois ao fato de que o primeiro-ministro grego, Giorgos Papandreu, ofereceu ontem à oposição sua demissão, em troca da formação de um governo conjunto de unidade nacional, em resposta às manifestações populares, que têm se chocado com a Polícia de Atenas.
A última marcha organizada pelos indignados gregos reuniu 25 mil pessoas, que rumaram ao Parlamento para protestar contra as medidas de austeridade econômica postas em prática pelo governo, como efeito da crise financeira.
Isso, assim como o protesto conjunto de todas as acampadas europeias, programada para o próximo dia 19, e encabeçada pelo 15-M, revela que os embates entre manifestantes e governo só tendem a se acirrar. O cenário econômico caótico e a população nas ruas mostram que o poder usado pelos grandes veículos de comunicação para tapar os olhos da opinião pública está grave e felizmente ameaçado.
Ontem, depois do cerco ao Parlamento, centenas de jovens indignados marcharam pelas ruas de Barcelona até chegar à Comissaria onde ainda estão presos os seis detidos na manifestação de ontem. Enquanto caminhavam, íam convidando as pessoas que observavam a manifestação de suas janelas a se somar à marcha, ao mesmo tempo em que gritavam frases, como “Libertad a los presos por luchar” e “Televisión es manipulación”.
Muitos dos alheios ao protesto sorriam e acenavam demonstrando seu apoio, ao tempo em que outros apenas olhavam com curiosidade ou semblante indeciso. Na chegada a seu destino, a procissão de manifestantes, novamente, encontrou um cordão de policiais preparados. Mas, a mobilização de apoio aos militantes presos permaneceu pacífica e firme, madrugada a dentro, enquanto nenhum jornalista do El País estava ali para acompanhar esses fatos, antes de divulgar sua última manchete.
“Puig [Conselheiro do Interior, Felipe Puig] acusa a grupúsculos do 15-M de atuar como ‘uma guerrilha urbana’”, é o que anuncia agora a página virtual dessa empresa de comunicação.
O título dispensa maiores comentários. E eu convido a quem queira libertar sua visão e sua consciência para que assistista ao vídeo produzido pelos comunicadores do 15-M, cujas imagens flagram esse “grupo de infiltrados” em ação (ver vídeo acima). É importante dizer, porém, que, de uma hora para outra, o primeiro link de acesso ao vídeo, disponível no blog da acampada de Barcelona, deixou de funcionar no youtube. A mensagem que aparece quando se clica no antigo enlace é a seguinte: “Este vídeo é privado”. No entanto, o que soa uma tentativa de calar o movimento não funcionou. Outros muitos usuários do youtube já subiram o mesmo vídeo para que possa ser visto pelos internautas.
Essa é mais uma prova de que graves atentados à liberdade de expressão estão ocorrendo na Espanha. E a tentativa que se vê claramente agora, de controlar o acesso à informação até mesmo pela internet, dá à realidade uma face tão absurda e repugnante, que também ela nos parece criada por algum repórter de mau gosto.
(*) Advogada, jornalista e mestranda em Comunicação e Educação
Foto: http://acampadabcn.wordpress.com/
Fonte: Carta Maior
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