junho 24, 2011

"nem esquerda, nem direita, nem fora do eixo! Ivana Bentes e o artigo do Passa Palavra" (fabrício kc)

PICICA: "As Marchas da Liberdade trazem em si – para além do seus significantes simbólicos – um efetivo poder de transformação política e social das atuais estruturas de poder? Claro que a marcha e as suas dinâmicas de articulação (que envolvem diretamente ferramentas da web) contribui para, quem sabe, o fortalecimento de novos processos de participação – mas não acho justo argumentar que as classes médias conectadas, interessadas em consolidar estilos de vida consumistas/sustentáveis – sem objetivar uma mudança estrutural nos modelos de produção hegemônicos – são o novo vetor da ação política verdadeiramente transformadora."


nem esquerda, nem direita, nem fora do eixo! Ivana Bentes e o artigo do Passa Palavra

Contexto:
O projeto/coletivo Passa Palavra publicou um artigo intitulado “A esquerda fora do eixo”, abordando as últimas mobilizações em São Paulo e apontando a “fragilidade prática e teórica da esquerda num cenário de ascensão e transformação econômica”.
Inicialmente o texto faz uma resenha política, por assim dizer, dos movimentos livres que aconteceram em São Paulo, incluindo a Marcha da Liberdade, que ampliou-se para uma mobilização nacional, realizada no dia 18 de junho, envolvendo pelo menos 40 cidades em todo o Brasil. Em seguida apresenta a sua visão doColetivo Fora do Eixo (um dos núcleos articuladores da Marcha), analisa as relações do Coletivo com a esfera pública cultural e política e também com o mercado da cultura. Por fim, acusa fragilidade política e social nos movimentos por eles não apresentarem um conteúdo político efetivamente e estruturalmente transformador, e acusa o Coletivo Fora do Eixo de vislumbrar, através de certa apropriação simbólica dos movimentos, a ampliação de sua representatividade perante possíveis públicos de suas ações culturais e de negócios alternativos.
Como resposta a este artigo, a pesquisadora Ivana Bentes publicou no blogue trezentos o texto “A Esquerda nos Eixos e o novo ativismo”, no qual defende os movimentos em questão como uma forma de participação social, cultural e política que reflete as novas conjunturas do capitalismo cognitivo e das novas ferramentas tecnológicas que propiciam articulações em rede, descentralizadas, que embora não proponham um novo sistema como alternativa ao capitalismo, criam novas dinâmicas e reinventam processos dentro do próprio sistema, renovando-o, hackeando-o, através de novas estratégias e modelos de ação coletiva autônomos e inovadores. Para reforçar a sua posição, Ivana Bentes faz uma defesa conceitual da importância do Coletivo Fora do Eixo e taxa o artigo do Passa Palavra de velha esquerda incapaz de lidar com as novas formas de mobilização e de compreender os novos cenários, novos agentes e incertas possibilidades do capitalismo cognitivo.
Comentário
A minha análise, bem simples é verdade, conclui que Ivana Bentes acerta, confirmando seu profundo e amplo conhecimento sobre os temas em pauta, em todos os argumentos aos quais recorre para oferecer um panorama conceitual dos atuais processos sócio-políticos e culturais, que se baseiam e se alimentam de movimentos transversais e heterogêneos. Mas erra ao aplicar todos esses argumentos também às ações e escopos do Coletivo Fora do Eixo, como se o Coletivo fosse um exemplo suficiente desses novos processos.
Eu creio que o Fora do Eixo ocupa um lugar importante no cenário cultural e sobretudo no mercado criativo do Brasil de agora, mas essa defesa entusiasmada de Ivana Bentes falha ao corroborar o artigo do Passa Palavra ao mesmo tempo em que quer negá-lo: afinal, acaba por centralizar e personificar todos os potenciais dos movimentos livres no modelo de atuação do Fora do Eixo, tornando-o protagonista de um processo em que ele é apenas coadjuvante!O afã de defender as estimulantes e múltiplas possibilidades de um novo capitalismo acabou por resultar numa defesa desnecessária e sobretudo superestimada do Coletivo Fora do Eixo!
Vejo com clareza que o Coletivo Fora do Eixo não é de esquerda nem de direita, mas uma rede de entidades (inclusive empresariais) que realiza e participa de ações que mantêm escopos relacionados ao mercado da cultura e acabam por percorrer esferas diversas da participação política, seja colaborando com o Governo na elaboração dos editais em que eles mesmos concorrem, seja centralizando a articulação de movimentos livres, de classes médias, com bandeiras ativistas amplas (ainda que resumidas na ideia central de Liberdade).
Romantizar o Coletivo Fora do Eixo também não é caminho pertinente. Se Pablo Capilé queria o patrocínio da Coca-Cola para realizar a marcha da Liberdade, eu não vejo motivo para discussão (embora eu considere isso lastimável: o patrocínio não aconteceu, mas cogitá-lo revela algo…). Mas para quem acompanha minimamente as ações do coletivo no que se refere às articulações ativistas nas redes, fica patente a posição hierárquica de liderança assumida por Pablo Capilé, demonstrando, pelo menos na dimensão prática, uma estrutura hierárquica bem definida (e legítima, sem dúvida). Logo, o Coletivo constitui um exemplo de inovação e de exploração de novas potencialidades de mercado cultural dentro do sistema, mas não vai muito além disso – muito menos alcança um patamar de vetor político dos jovens que usam Twitter e Facebook.
Por fim, acho que o artigo do Passa Palavra não merece a desqualificação conjuntural que Ivana Bentes tentou justificar apontando, inclusive, a falta de um arsenal teórico e afirmando que o artigo reflete medo e ressentimento de uma esquerda ultrapassada diante das mudanças estruturais. Ressentimento, sinceramente, percebi em ambos os artigos (cada um a sua maneira e por razões diversas), mas o artigo do Passa Palavra traz sim reflexões pertinentes que exigiriam não uma refutação apressada, mas sim um debate mais cauteloso.
Por exemplo:
As Marchas da Liberdade trazem em si – para além do seus significantes simbólicos – um efetivo poder de transformação política e social das atuais estruturas de poder? Claro que a marcha e as suas dinâmicas de articulação (que envolvem diretamente ferramentas da web) contribui para, quem sabe, o fortalecimento de novos processos de participação – mas não acho justo argumentar que as classes médias conectadas, interessadas em consolidar estilos de vida consumistas/sustentáveis – sem objetivar uma mudança estrutural nos modelos de produção hegemônicos – são o novo vetor da ação política verdadeiramente transformadora. (Ivana Bentes até argumenta que esse modelo de organização da Marcha da Liberdade pode vir a envolver “os pobres e precários das periferias e favelas” – esse argumento merecia mais do que uma linha! :( ).
O Coletivo Fora do Eixo é mesmo o melhor emblema desses novos movimentos e possibilidades que estão surgindo dentro do capitalismo chamado cognitivo? O Coletivo tem como base a autonomia, liberdade e um novo “comunismo”, como afirmou Ivana Bentes? (e o fez, aliás, num trecho de sua resposta que é obscuro e cheio de talvezes, que é o item 4 dos problemas que a autora enumera).
Há, na abordagem de Ivana Bentes, contradições importantes dos movimentos em questão que foram ignoradas. O objetivo deste pequeno texto, portanto, é unicamente ampliar o debate para que os movimentos livres nascentes cresçam em potência e em alcance e, sobretudo, consigam o êxito de se inserirem, com algum grau de efetividade, nos reais processos de transformação social que são, pensando nas novas tendências, autenticamente autônomos, independentes e inevitáveis!
por fabricio kc

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