junho 30, 2013

"Em defesa dos vândalos", por José Ribamar Bessa Freire

PICICA: Para a geração dos anos 1980, o meu considerado José Ribamar Bessa Freire, hoje professor doutor na UERJ, era um dos professores mais estimados da Universidade Federal do Amazonas. Foi uma das lideranças do movimento docente em Manaus. Reza a lenda que ao entrar numa reunião de professores universitários, que andavam às voltas com a leitura das obras de Marx - leitura indispensável -, quando a categoria estava em luta por aumento de seus míseros salários, conclamou em bom amazonês: "Égua, maninho, isso é hora de ler Marx... é hora de ir às ruas". E o levante se fez. Grande Bessa, mestre em dar picica na hora certa! (PICICA: do amazonês, meter o bedelho onde não deve, na acepção dos antigos; um sujeito de opinião, na acepção dos modernos: é onde se mete o bedelho onde não deve, que o pensamento se move. Viva os piciqueiros!)
EM DEFESA DOS VÂNDALOS

José Ribamar Bessa Freire

30/06/2013 - Diário do Amazonas



É. É isso mesmo que você leu! Cada um defende sua tribo. Esse locutor que vos fala já foi chamado de vândalo, sofreu prisão e respondeu processo por danos ao patrimônio público, numa passeata na Rua Uruguaiana, no Rio. Mas isso foi no século passado, em 1968. Acontece que agora muitos manifestantes, que podiam ser meus netos, são presos sob a mesma acusação com ou sem culpa no cartório. Do Oiapoque ao Chuí, a mídia jura que os vândalos tomam contam do país.
"VÂNDALOS PROVOCAM DESTRUIÇÃO EM MINAS" berra O Globo (27/6) em manchete de oito colunas. "MORADORES IMPROVISAM 'MILÍCIA' CONTRA VÂNDALOS NO RS" - grita a Folha de SP (29/6), informando em outro título: "NO RIO, 'PITBOYS' SÃO SUSPEITOS DE ATAQUES A CONCESSIONÁRIAS". Alguns apresentadores de telejornais chegam a encher a boca, saboreando cada letra da palavra.
Afinal, quem são os vândalos? Depende do momento, do lugar e de quem nomeia. Originalmente era uma tribo que falava vândalo, uma língua germânica, e que num conflito armado com o Império Romano saqueou Roma, destruindo muitas obras de arte. Por extensão, no séc. XVIII, na França, foram assim chamados os revolucionários que na luta contra o feudalismo e a monarquia arrasaram monumentos e prédios públicos. Na Avenida Paulista, há quinze dias, vândalo era todo e qualquer manifestante que protestava pacificamente. Hoje, nas capitais brasileiras, são grupos considerados pela polícia como baderneiros.  
Muito antes disso, Roma havia sido incendiada, mas não pelos vândalos. Durante dias o fogo consumiu a cidade, transformando o Templo de Júpiter num monte de cinzas. Até mesmo os que suspeitavam que o incendiário era o imperador Nero jamais usaram a palavra vândalo para designá-lo.
De Nero aos dias de hoje, ninguém que vandalizou em nome do Estado foi estigmatizado. O presidente George Bush também nunca foi chamado de vândalo, apesar de ter indignado a comunidade internacional quando comandou o saqueio no Iraque e destruiu, entre outros, o Museu de Arqueologia de Bagdá, sacrificando milhares de vidas humanas, inclusive de civis.
Wandali conquisiti
Ou seja, parece que bárbaros - como queria Montaigne - são sempre os outros, os derrotados, porque quem ganha tem o poder de nomear, de batizar, de dar nome aos bois, de classificar e de dizer quem é e quem não é vândalo. E no séc. VIII, os vândalos foram definitivamente derrotados: Wandali conquisiti sunt. Não sobrou nenhum para contar a história. Diz um provérbio da Nigéria: "enquanto os leões não tiverem seus próprios historiadores, as histórias de caça sempre glorificarão o caçador".
Um caçador de São Paulo, governador Geraldo Alckmin, com aquela cara de babaca - desculpem baixar o nível, mas que ele tem cara de babaca tem - e o prefeito da capital, Fernando Haddad - que não tinha, mas está se esforçando pra ter -  justificaram inicialmente a repressão policial. Naquele momento, para eles, quem protestava contra o aumento do preço da passagem de ônibus era vândalo. As manifestações cresceram, o governo recuou e finalmente reconheceu que nem todo manifestante era vândalo.
No Rio de Janeiro, o governador Cabral, com cara de Alckmin, declarou que a Polícia Civil havia identificado pelo menos cinco grupos que "vem cometendo atos de vandalismo, lesões corporais e furtos". Na lista, estão "os anarcopunks, os militantes de partidos políticos mais radicais (não mencionou quais), os brigões oriundos de torcidas de futebol, os neonazistas e os bandidos de facções criminosas". Faltou nomear mais dois grupos: a própria polícia que promoveu quebra-quebra e os revoltados, que estão putos da vida.
É o que os franceses chamam de ras-le-bol, ou seja, estar de saco cheio. As pessoas não aguentam mais engarrafamentos infernais, transporte coletivo precário, violência policial, insegurança, hospitais recém-inaugurados que não funcionam ou que desabam como no Ceará, estádios caindo como o Engenhão, obras superfaturadas, serviços de saúde e educação que atentam contra a dignidade humana, justiça lenta, enfim a impunidade dos vândalos de colarinho branco. Desconfiam do governo, do judiciário, do congresso, dos partidos políticos e não consideram as oposições alternativa de poder.
Alguns colunistas, assustados, de um lado com a rejeição aos partidos políticos e de outro com o quebra-quebra, tacharam esses manifestantes de vândalos, neonazistas, radicalóides sociopatas, pitboys de passeata ou, como quer Arnaldo Jabor, "vagabundos, punks e marginais que se aproveitam sabendo que a polícia não pode matar". Não querem entender que as manifestações são sintomas da crise de representatividade na qual está mergulhado o país.
As evidências apontam muita gente boa entre os que inicialmente promoveram o quebra-quebra e que simplesmente estavam emputecidos. Usaram o modelo de linguagem da própria polícia que espalha terror e medo em comunidades carentes, como vem fazendo, no Rio, o Batalhão de Operações Especiais, que quebra, mata, esfola e saqueia.
Fioforum infra
Tem forte carga simbólica o fato de que a violência tenha atingido ônibus, pontos de ônibus, relógios públicos, radares, semáforos e equipamentos de apoio ao tráfego que foram destruídos, assim como alguns monumentos e prédios públicos pichados e depredados. Não se trata de defender o vandalismo, porque quem vai pagar a conta somos todos nós, mas de buscar as razões que levam pessoas a manifestarem assim sua indignação.
No século XIX, condições subumanas de trabalho, jornadas prolongadas, salários miseráveis, levaram trabalhadores ingleses da indústria nascente, entre eles mulheres e crianças, a destruírem máquinas e equipamentos industriais, num movimento que ficou conhecido como ludismo em referência a Ned Ludlam, líder do movimento. Karl Marx, que criticou o quebra-quebra, buscou ver a semente revolucionária que ele continha e que foi canalizado para a reivindicação de reformas sociais e políticas e acabou originando novos métodos de luta, com o fortalecimento dos sindicatos.
Esses movimentos sempre trazem mudanças. As cinco pessoas assassinadas no Morro do Borel é que deram origem, em 2004, à Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência, que está convocando agora uma manifestação pacífica neste domingo, durante a final da Copa das Confederações.
- "É muito difícil organizar uma manifestação pacífica na rua, no Brasil, porque o Estado é violento" disse a Folha de São Paulo Caio Martins, 19 anos, estudante de Historia da USP, que milita no Movimento Passe Livre (MPL) desde 2011. Ele condenou a polícia que na primeira passeata pacífica lançou uma bomba de efeito moral decepando um dos dedos de uma manifestante.
 É evidente que ninguém pode aceitar a destruição do patrimônio ou a agressão às pessoas, sejam elas promovidas pela polícia ou por manifestantes. No entanto, muitas vezes, o aparelho policial busca bode expiatório. Em 1968, num primeiro momento, fui acusado de ter incendiado uma viatura na Rua Uruguaiana. No final, acabaram me processando por haver rasgado a farda de um policial. Nenhuma das acusações era verdadeira.
Quando a Polícia pediu ajuda ao MPL para identificar os vândalos, seus integrantes se recusaram. Poderiam muito bem, reconhecendo que Wandali conquisiti sunt, citar um dos reis vândalos, não sei se Hilderico ou Gunderico: "Fioforum plus infra est" , ou como diria Cícero no senado romano: O buraco é mais embaixo.
Abaixo o vandalismo! Vivam os vândalos!
Fonte: TAQUIPRATI

"O monstro vive nos ônibus", por Clarissa Moreira e Bruno Cava

PICICA: "A grande imprensa, a serviço das elites, não tardou em forjar dicotomias para separar o bom manifestante do ruim, enquanto tenta sequestrar a pauta – o direito à cidade, à dignidade urbana, ao tempo –, transformando-a em vagas reclamações contra a « classe política ». Usa as táticas de sempre : criminalização dos movimentos, redução do conteúdo político ao crime, conversão da revolta a vandalismo e nonsense. O terror policial, tão comum no território das favelas, generalizou-se. Querem que passe logo, que tudo volte ao normal. Como se os dias incríveis que estamos vivendo fossem apenas um furor neurótico." 

O monstro vive nos ônibus (Clarissa Moreira e Bruno Cava)


Assuntos:




AA

«As coisas nunca se passam lá onde se acredita,
nem pelos caminhos que se acredita.»
Gilles Deleuze

« Eu vou sair, eu vou trampar
Só não sei como eu vou chegar
Se eu vou de ônibus ,vou no sufoco
Pegar carona é coisa de louco
Eu vou de skate até a estação da luz
Daí em diante o expresso me conduz
Dentro do trem , da super lotação
Por cima do trem é alta tensão”.
Surfista de Trem (Mente Explícita)

Não foram tanto as expropriações, demolições, desocupações movidas pelas obras preparativas para os grandes eventos, nem os gastos injustificados de recursos públicos ou a estranha montagem de operações imobiliárias, nem a demolição do patrimônio das cidades, nem mesmo a histórica precariedade na saúde, educação ou a expulsão e assassinato dos índios que levou a todos para a rua… A causa comum – a gota d’água – foi mais um aumento da tarifa dos ônibus. Apenas vinte centavos deflagraram a maior revolta da geração, atiçando mais de 1,5 milhão de pessoas às ruas, em pleno período da Copa das Confederações.

O processo de «construção» das cidades brasileiras baseado no modelo centro-periferia, em um ponto crucial, recai sobre os ônibus como um dos meios principais de circulação na cidade, com todo o sistema de transporte e sua insuficiência histórica como violência final. É nos ônibus, afinal, que uma das maiores e mais universais violências de classe é exercida, na metrópole brasileira. Superlotado, ao mesmo tempo lento e perigoso, é nele que os pobres enfrentam um dia de trabalho. Esmagado por todos os lados pela carne alheia, disputando espaços comprimidíssimos em tempos de viagem cada vez mais dilatados. 

Não por acaso, os ônibus também são os depositários de uma resistência difusa, mas nem por isso menos concreta. Nem por isso menos tensa, em antagonismo e raiva. Quantos casos não ouvimos de brigas entre passageiros e motoristas ou cobradores, que, num caso extremo, chegou a derrubar um ônibus do viaduto? Quantos casos de depredações isoladas? Ou incêndios de veículos? Nosso cinema não deixou de enxergar aí uma cifra do conflito urbano, de retratos criminológicos, como Ônibus 174, até dramas eróticos, como A dama do lotação. Nosso noticiário é rico em crônicas desse gênero, em atos de violência miúda, brigas, delinquências, pequenos tumultos – tudo isso que a imprensa se apressa em classificar como vandalismo, esvaziando o fato de conteúdo político para dar-lhe um aspecto unicamente criminal. A resistência se diz de muitos modos. 

Se o mercado é um moinho satânico, como gostava de chamar Polanyi, é no transporte coletivo, o momento da circulação daquele, que o trabalhador é feito paçoca. Milhões de horas jamais remuneradas, pelo contrário, taxadas a preços sucessivamente maiores, sempre gastando a paciência, o bom humor e o elã de quem passa pelo moedor. A pessoa só quer chegar em casa logo e tomar um banho, livrando-se de mais um dia. Não tem tempo para vida cultural, que dirá política. Daí que, ao tensionar no momento da circulação, ameaça o próprio mercado, pondo em curto-circuito o fluxo de vida-trabalho. A luta pelo ônibus – ou melhor, pela mobilidade vital – concita uma luta maior, pelo direito à cidade. O transporte é o lugar onde massivamente e difusamente um projeto de cidade ao qual se é fiel por mais de um século, se choca diretamente com os corpos.

Vê-se como tem um mundo de indignações e desolações nos 20 centavos, esses que foram o estopim dos levantes de junho do Brasil. O rastilho de pólvora já estava no ar, faltando apenas a faísca. E ela veio, quando o Movimento Passe Livre – herdeiro imediato da Revolta do Busu (2003) e da Catraca (2005), e distante da do Vintém (1880) – convocou a população para as ruas, e foi imediatamente atacado pela brutalidade policial. O movimento multiplicou a olhos vivos e espraiou-se por todo o Brasil, das cidades grandes às médias e dos centros aos bairros mais distantes. A gente explodiu dos ônibus, integrando as tensões, rebeldias, delinquências e pequenas sabotagens em um grande ato coletivo de recusa. A « consciência de classe » não veio dalgum partido ou movimento social, não veio da « esquerda tradicional », mas emergiu desde baixo, formulou-se corporalmente da própria monstruosidade que habita os ônibus, seu dispêndio cotidiano de carne moída e tempo morto. O monstro é feio, suado, imprevisível, mas ruge. Ele é perigoso e constituinte e ameaça o Olimpo da cidade.

A grande imprensa, a serviço das elites, não tardou em forjar dicotomias para separar o bom manifestante do ruim, enquanto tenta sequestrar a pauta – o direito à cidade, à dignidade urbana, ao tempo –, transformando-a em vagas reclamações contra a « classe política ». Usa as táticas de sempre : criminalização dos movimentos, redução do conteúdo político ao crime, conversão da revolta a vandalismo e nonsense. O terror policial, tão comum no território das favelas, generalizou-se. Querem que passe logo, que tudo volte ao normal. Como se os dias incríveis que estamos vivendo fossem apenas um furor neurótico. 

Neuróticos ficaram eles, enquanto proliferam passeatas, encontros, fóruns, discussões, novos espaços e tempos para a produção cultural e política. Uma mobilização à altura do que foi o começo da década de 1980, só que noutros termos. Não mais em termos representativos : a dita «consciência de classe » saiu dos partidos e sindicatos. Prescinde de conscientização, já está. Dos ônibus às ruas, e destas a organizações de novo tipo, inaugurando um ciclo de lutas de grandes proporções, com consequências impactantes.

Fonte: Global Brasil Revista Nômade

"O dia em que burlei a Ditadura da Copa" - Relato de Anita C. (Esse post é dedicado a Christiane Maciel de Lima)

PICICA: "Vi bandeiras estendidas na mureta de outros setores e lá fui eu. Escolhi um deles e estendi minha faixa. De dentro do campo funcionários se mobilizavam e diziam pra eu tirar a faixa dali. Na arquibancada dois funcionários vieram atrás de mim, me disseram a mesma coisa e me pediam pra eu voltar ao meu lugar, chegaram a tentar TOMAR minha faixa. Eu perguntei: tem outras faixas estendidas, porque quer tirar a minha? O funcionário respondeu que aquela a FIFA NÃO DEIXAVA! Disse pra que eles não tocassem em mim ou na faixa, que eu havia lido a lei geral da copa e sabia que estava garantido meu direito à liberdade de expressão (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm ). A torcida vendo aquilo começou a me defender. Cantavam como forma de protesto: “O povo unido jamais sera vencido”. “ O Rio acordou” “O Maraca é nosso..ahaaa uhhuuu!”. Cantaram também o hino nacional e o grito que eu mais gostei: “ EI FIFA, VAI TOMAR NO CU!”. Teve gente que discutiu com os funcionários, muitos vieram segurar a faixa comigo, e filmavam e tiravam fotos."

O dia em que burlei a Ditadura da Copa

Image
Image

Relato de Anita C.:

Quando eu soube que ganharia um ingresso para assistir o jogo entre Espanha X Taiti no Maracanã, pela Copa das Confederações (206\13), a primeira coisa que pensei foi em aproveitar a oportunidade pra mostrar minha indignação com toda essa pouca vergonha que está por trás desses mega eventos.

Fiz uma faixa e a levei escondida, pois já imaginava que poderia ser barrada. De fato, dentro do estádio, muitas pessoas, entre elas repórteres, se espantavam e me perguntavam como consegui entrar com ela. Faixas e cartazes de muitos torcedores foram barrados por policiais ainda do lado de fora, mesmo os que nem estavam criticando os mega eventos. Uma conhecida que também conseguiu entrar com uma faixa denunciando as demolições e privatizações, teve a mesma apreendida.

Quando abri minha faixa, a reação dos torcedores foi ótima, as pessoas queriam ler, tirar fotos, filmar… Fui então percorrendo o setor onde eu estava de acordo com o chamado das pessoas. Quando quis estender a faixa na mureta que separava a arquibancada do campo, um dos caras de colete laranja que estava no campo, veio me dizer que eu não poderia estendê-la ali pois era justo onde a câmera filmava, respeitei.


Vi bandeiras estendidas na mureta de outros setores e lá fui eu. Escolhi um deles e estendi minha faixa. De dentro do campo funcionários se mobilizavam e diziam pra eu tirar a faixa dali. Na arquibancada dois funcionários vieram atrás de mim, me disseram a mesma coisa e me pediam pra eu voltar ao meu lugar, chegaram a tentar TOMAR minha faixa. Eu perguntei: tem outras faixas estendidas, porque quer tirar a minha? O funcionário respondeu que aquela a FIFA NÃO DEIXAVA! Disse pra que eles não tocassem em mim ou na faixa, que eu havia lido a lei geral da copa e sabia que estava garantido meu direito à liberdade de expressão (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Lei/L12663.htm ). A torcida vendo aquilo começou a me defender. Cantavam como forma de protesto: “O povo unido jamais sera vencido”. “ O Rio acordou” “O Maraca é nosso..ahaaa uhhuuu!”. Cantaram também o hino nacional e o grito que eu mais gostei: “ EI FIFA, VAI TOMAR NO CU!”. Teve gente que discutiu com os funcionários, muitos vieram segurar a faixa comigo, e filmavam e tiravam fotos.


Fui em uns 3 ou 4 setores além do meu. A história se repetia. Funcionários tentavam TOMAR minha faixa e me convencer de que eu não podia fazer aquilo, mas a torcida me defendia, segurava a faixa comigo, fotografava, cantava e pulava.


No fim do segundo tempo, estava eu voltando pro meu lugar, quando fui abordada por um PM, no fundo do estádio onde ficam os banheiros e lojas. Me pegando pelo braço ele foi me puxando para onde estava o superior dele, que queria falar comigo! Eu disse que ele me soltasse e em pouco tempo chegou o tal superior. Ele disse que eu não podia fazer aquilo, que eu deveria sentar no meu lugar. Ainda se colocou na frente da faixa quando um cara se aproximou para tirar uma foto. Quando eu pedi que ele desse licença, respondeu que se eu tinha direito de ir e vir, ele também. Ele disse que me acompanharia até meu lugar, mas o jogo acabou, muita gente apareceu e ele deixou de me seguir.


Já estive muitas vezes no Maraca, algumas ainda criança com o meu pai. Não houve uma só vez que não tenha sido emocionante. Quem já foi sabe! Mas nesse novo Maracanã todos estavam sentadinhos e comportados, nenhum batuque, nenhum grito de guerra, nenhum apito, nenhum palavrão! Nada! Todos seguindo esse padrãozinho mundial que jogou nossa cultura no lixo! No intervalo entre segundo e primeiro tempos, dos auto falantes se ouvia algo do tipo: Por favor, permaneçam em seus lugares para evitar tumulto.


A FIFA, o Eike Batista e esses governantes de merda MATARAM O MARACANÃ!


Foi apenas quando o povo me defendeu das tentativas da FIFA de TIRAR O DIREITO de me manifestar e expressar, que eu senti um pouco da alma do velho Maraca. Todos gritando e cantando juntos! Todos pulando! A galera unida, se abraçando mesmo sem se conhecer! Fora dos seus lugares! No meio da passagem! Fazendo um pouquinho de tudo aquilo que estava contido à força bruta…
Acorda, gente! O preço dos ingressos serão absurdos daqui pra frente. Não só na Copa. Campeonato Carioca e Brasileirão, agora só pela televisão! Faça seu protesto, leve sua faixa e cartaz, lute contra a DITADURA DA FIFA!


Agradeço a cada um que me apoiou, inclusive a alguns funcionários que o fizeram de forma tímida.

(fonte das imagens:http://extra.globo.com/noticias/brasil/manifestantes-vao-jogo-entre-espanha-taiti-para-protestar-contra-copa-do-mundo-8759672.html e http://extra.globo.com/esporte/copa-confederacoes/mesmo-proibida-pela-fifa-torcida-dribla-stewards-protesta-no-maracana-8762390.html)

Fonte: Das Lutas

junho 29, 2013

‘MPL se coloca dentro do campo da esquerda no processo político’, escrito por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior

PICICA: "[...] o Correio da Cidadania, em parceria com a webrádio Central 3, entrevistou Daniel Guimarães, integrante do movimento, com vistas também a debater um posicionamento político mais profundo, uma vez que diversas questões sociais, finalmente, dominaram a ordem do dia. Na sequência, virão entrevistas com ativistas de outros movimentos sociais de viés progressista.
Para Daniel, “o que acontece é reflexo do processo conduzido pelo governo federal e a FIFA, à revelia dos interesses populares, atacando interesses da população, retirando o direito de livre manifestação das pessoas, chegando até a remoções forçadas de pessoas de suas moradias, e colocando dinheiro público pra financiar um evento privado. Agora, a conta começa a chegar”.
Com um novo tempo de lutas no horizonte, ele frisa que “o MPL se reivindica na tradição de lutas de esquerda, de lutas pelos interesses da população, daqueles ‘de baixo’, contra a ofensiva do capitalismo, do Estado e da violência”. Sobre os transportes, após a primeira vitória com a revogação do aumento da tarifa, avisa que o movimento seguirá pautando o tema, inclusive com um projeto de lei de iniciativa popular em nome da tarifa zero." 


 
‘MPL se coloca dentro do campo da esquerda no processo político’ Imprimir E-mail
Escrito por Gabriel Brito e Paulo Silva Junior, da Redação    
Sexta, 28 de Junho de 2013

Indiscutível impulsionador da explosão de protestos pelo país, o Movimento Passe Livre (MPL) agora se depara com uma exposição inédita, chegando até ao próprio gabinete da presidência da República. Com a chuva de pautas que se somaram às reivindicações em torno do transporte coletivo, o próximo momento aparenta ser de reflexão e reorganização das lutas que eclodiram em meio a Copa das Confederações da FIFA.
Diante disso, o Correio da Cidadania, em parceria com a webrádio Central 3, entrevistou Daniel Guimarães, integrante do movimento, com vistas também a debater um posicionamento político mais profundo, uma vez que diversas questões sociais, finalmente, dominaram a ordem do dia. Na sequência, virão entrevistas com ativistas de outros movimentos sociais de viés progressista.
Para Daniel, “o que acontece é reflexo do processo conduzido pelo governo federal e a FIFA, à revelia dos interesses populares, atacando interesses da população, retirando o direito de livre manifestação das pessoas, chegando até a remoções forçadas de pessoas de suas moradias, e colocando dinheiro público pra financiar um evento privado. Agora, a conta começa a chegar”.
Com um novo tempo de lutas no horizonte, ele frisa que “o MPL se reivindica na tradição de lutas de esquerda, de lutas pelos interesses da população, daqueles ‘de baixo’, contra a ofensiva do capitalismo, do Estado e da violência”. Sobre os transportes, após a primeira vitória com a revogação do aumento da tarifa, avisa que o movimento seguirá pautando o tema, inclusive com um projeto de lei de iniciativa popular em nome da tarifa zero.

A entrevista completa com Daniel Guimarães pode ser lida a seguir.



Correio da Cidadania: Como o movimento recebeu a vitória da redução da tarifa de ônibus, metrô e trens em São Paulo? Como está enxergando o momento e digerindo toda essa exposição?

Daniel Guimarães: Na verdade, não foi a primeira vez que conquistamos a revogação de aumento, já houve outras revogações pelo Brasil, em momentos anteriores. Mas em São Paulo foi a primeira vez, o que tem um impacto muito importante por ser a maior cidade do Brasil. Um passo muito importante, não só pro MPL, mas para toda a esquerda, que não necessariamente está acostumada a vencer o enfrentamento por melhores condições de vida e avanços em suas pautas. Não é todo dia que acontece e acho que tem um fator pedagógico muito importante nisso.

Correio da Cidadania: O que vocês estão achando do momento político, após essas semanas de manifestações massivas? Houve um arrefecimento?

Daniel Guimarães: Penso que essas manifestações foram realmente muito inesperadas. Inclusive, saíram do campo da esquerda, chegando um certo momento em que houve receio de que grupos de direita pudessem se beneficiar das manifestações de massa. Mas podemos observar que, onde houve vitória, foi vitória de esquerda, no caso, as revogações dos aumentos das tarifas de transporte – em mais de 50 cidades do Brasil, entre elas 11 capitais.

E quando os grupos de esquerda se retiraram da luta, pra poderem refletir e darem continuidade às suas pautas, as manifestações de massa que a grande imprensa foi chamando, e tentando enquadrar na sua própria agenda, contra o governo do PT, foram minguando. Parece ser o que acontece em São Paulo e começa a ocorrer no Brasil.

Correio da Cidadania: Como vocês têm visto os massivos protestos nas cidades que sediaram a Copa das Confederações? Como você acha que os acontecimentos vão se desenvolver após o fim deste evento teste para a Copa de 2014?
 
Daniel Guimarães: Primeiramente, o que acontece agora é reflexo do processo conduzido pelo governo federal e a FIFA, à revelia dos interesses populares, atacando interesses da população, retirando o direito de livre manifestação das pessoas, chegando até a remoções forçadas de pessoas de suas moradias, e colocando dinheiro público pra financiar um evento privado.

Agora, a conta começa a chegar. Acredito que, ao fim da competição, provavelmente os grupos dedicados a tais questões vão avaliar suas participações, intensificar seus debates e fazer a disputa de ideias dentro da sociedade.

Ano que vem tem a Copa do Mundo e eu não consigo imaginar que, durante sua realização, haverá silêncio. A tendência é que esses processos de luta se intensifiquem, durante o grande momento que representa a Copa do Mundo.

Correio da Cidadania: Como o MPL está se preparando para continuar a luta pela tarifa zero?

Daniel Guimarães: Já temos, há algum tempo, um projeto de lei de iniciativa popular que precisa de 430 mil assinaturas pra ser protocolado na Câmara dos Vereadores. Já tínhamos iniciado a campanha de coleta de assinaturas. Agora, depois desse processo, que impulsionou tanto o nome do MPL como o debate da tarifa zero, iremos retomar a questão.

Vamos nos organizar no próximo mês pra definir como será a nova jornada de mobilização, mas a ideia agora é fazer o projeto acontecer, tramitar na Câmara e “esperar” o tempo que for necessário para conquistar a tarifa zero na cidade de São Paulo.

Correio da Cidadania: Além da tarifa zero, que outras bandeiras devem entrar na agenda do movimento? A pauta da estatização do transporte público não se coloca como necessária, mediante posturas como a de governantes que declararam precisar cortar investimentos pra baixar as tarifas?

Daniel Guimarães: Temos essa discussão (da estatização) também. Existem vários nomes e denominações para aquilo que defendemos. Isto é, a gestão do sistema de transporte coletivo público tem de ser uma responsabilidade do poder público, não de empresas privadas. E com participação popular direta e deliberativa, definindo como seria o sistema: onde vai ter ônibus, por que terá ônibus em tal lugar, a quantidade de veículos... Essas coisas não podem ficar nas mãos de empresa privada.

O Haddad cancelou a licitação que previa entrada de novas empresas na gestão do transporte coletivo, mas, além de todas as mobilizações que forçaram o prefeito a tomar essa decisão, os próprios empresários estavam pressionando-o, por considerarem que o modelo apresentado pela prefeitura reduziria o lucro deles em 10%. E eles estavam dispostos a entregarem envelopes em branco na licitação, como forma de protesto e boicote, ameaçando retirar alguma quantidade de ônibus das ruas. Isso é um exemplo claro de por que não se pode ter empresas privadas determinando o funcionamento do sistema de transporte na cidade.
Se o nome disso é municipalização ou estatização, trata-se de uma discussão que fica em segundo plano, no momento em que vamos nos aprofundar num modelo específico possível e adequado para o movimento e os demais grupos que quiserem nos apoiar nisso. O importante é que seja voltado ao interesse público, e não privado.

Correio da Cidadania: Que avaliação você faz dos últimos encontros com o executivo, de todas as esferas - primeiro, encontro com a Dilma em Brasília; depois, decisão do Alckmin após encontro com o MTST? 

Daniel Guimarães: Antes de tudo, eles tiveram de ceder esses espaços. Eles não procuraram os movimentos, no primeiro momento, para uma conversa. Pelo contrário, afastaram-se de tais questões, diziam com todas as letras que eram pautas impossíveis, desqualificavam os movimentos, chamando-nos de baderneiros, vândalos, tentando nos criminalizar.

Por conta da pressão popular, maciça, tiveram de dar passos para trás, dentro daquela famosa idéia de que, na hora do aperto, eles entregam os anéis para não perderem os dedos. Passou muito por aí a questão, tanto na prefeitura como no governo estadual.

Na esfera federal, creio que houve outro componente. O governo federal se viu na obrigação de responder com uma “agenda positiva”. O MPL sequer estava nas ruas se manifestando quando a presidente convidou o movimento para ouvir as nossas propostas. Algumas, ela nem entendeu, o que foi engraçado. A presidente não se preparou para discutir tarifa zero e transporte público.

Mas não pensamos que o movimento foi chamado só porque tem boas ideias ou se organiza em torno disso há muito tempo. Foi, sim, porque conseguiu, ao lado de várias outras organizações, construir uma pressão popular, e só ela é capaz de fazer um cenário político aparentemente estabilizado sofrer uma reviravolta.

Correio da Cidadania: O MPL pretende declarar publicamente uma posição política mais clara, diante da variedade de pautas colocadas pela mídia corporativa e em função de ofensivas da direita?

Daniel Guimarães: Por enquanto, não há uma discussão a respeito disso. O movimento se reúne constantemente, mas estamos no turbilhão de oferecer respostas à questão do transporte. Porém, algo que é bom deixar claro é que o MPL se coloca dentro do campo da esquerda no processo político. O MPL se reivindica na tradição de lutas de esquerda, de lutas pelos interesses da população, daqueles “de baixo”, contra a ofensiva do capitalismo, do Estado e da violência.

Ainda que estejamos focados em nossa pauta, a questão do transporte, e não tenhamos levantado certas bandeiras em conjunto, levamos em nossa carta à Dilma uma série de reivindicações de outros movimentos, inclusive exigindo o fim da violência do Estado contra populações indígenas e as lutas dos trabalhadores.

Correio da Cidadania: Quanto aos presos políticos, o MPL está buscando alguma forma de solução e negociação conjunta de sua condição?

Daniel Guimarães: Sim, o movimento presta apoio aos detidos. Não existe nenhum preso agora, estão todos soltos, mas alguns podem vir a ser processados por formação de quadrilha. Estamos lutando, coletivamente, claro, e dando suporte para que o judiciário sequer leve em conta tais acusações, antes que se tornem um processo criminal. E pode ser, sim, que a gente consiga isso.


Áudio da entrevista: http://central3.com.br/central-autonoma-01/
 
Gabriel Brito e Paulo Silva Junior são jornalistas.
Fonte: Correio da Cidadania

"Depois da Rede Globo e do moralismo", por Alex Moraes

PICICA: "A democracia brasileira está sendo reaberta a cotoveladas no meio de uma chuva de bombas de gás. Só seremos povo, só poderemos falar em “todos nós” quando — para retomar a consigna zapatista – o acesso à cidadania for generalizado, quando tenhamos incorporado na vida pública aquelas experiências de sociedade, aqueles sofrimentos e angústias cuja relevância política encontra-se postergada. A primeira grande vitória discursiva dos setores populares nestes protestos foi ter deixado bem claro que as “vozes das ruas” precisam ser escutadas antes das vozes do poder econômico estabelecido. Agora trata-se de enunciar necessidades e urgências em termos transformadores, definir quais são essas vozes e quem é o “povo”, evitar a domesticação do discurso, negar as soluções fáceis que só reiteram o poder das instituições de sempre, sem jamais colocá-las em xeque a partir de outras formas de imaginar o futuro."

Depois da Rede Globo e do moralismo

130628-GloboB

Iniciativas dos movimentos sociais conseguiram superar tentativa de capturar manifestações. Mas para ir adiante, será preciso esforço interpretativo intenso
Por Alex Moraes

A grande jogada da mídia corporativa brasileira foi ter conseguido nacionalizar a seu bel prazer os protestos que vinham ocorrendo em diferentes cidades do país há meses. Nacionalizar no sentido de apresentá-los como algo que, supostamente, expressava um conjunto difuso e generalizado de insatisfações. A infiltração da Rede Globo na convocação dos protestos abriu as portas das ruas para a mesma classe média moralista que, há pouco mais de meia década, apoiada pela retaguarda oligárquica, tentara promover uma onda golpista contra o governo de Lula.

O relativo êxito inicial da estratégia da rede Globo e de todos os grandes jornais do país nos obriga a pensar na enorme contradição representada pela atual estrutura midiática e nos seus efeitos nefastos quando se trata de reivindicar o aprofundamento da democracia e da participação popular. Referida contradição pode expressar-se nos seguintes termos: do ponto de vista administrativo, o Brasil possui um arraigado federalismo caracterizado por enormes singularidades políticas locais; do ponto de vista social e cultural, o grau de articulação dos movimentos populares, suas redes de alianças e suas demandas — assim como os impactos específicos do capitalismo desenvolvimentista — mudam de forma substantiva em cada região ou localidade. No entanto, continuamos expostos a um sistema de informação hiper-concentrado sob todos os aspectos (geográfico, econômico, político). Não podemos sobrevalorizar o papel das mídias alternativas e das redes sociais nesse contexto. Sua capacidade de desbloqueio da informação e de produção de outros pontos de vista é ainda bastante limitada — mesmo que crescente — e não joga um papel decisivo sobre a informação de massas.

Interpelados pela escalada conservadora, os movimentos sociais mais representativos articularam uma contra-ofensiva. Convocados por João Pedro Stédile (do MST), reuniram-se em São Paulo na semana passada para estabelecer princípios gerais de articulação. Saíram do encontro comprometidos com pautar as manifestações de rua e estabilizar um conjunto de demandas sintonizadas com os processos de luta historicamente gestados no campo popular: reforma agrária, reforma urbana, reforma política, ampliação radical dos investimentos em educação pública, etc. Na primeira grande manifestação desta semana, ocorrida segunda-feira, em Porto Alegre, os efeitos da presença progressista se fizeram notar: “Que paguem os ricos” dizia a enorme faixa à frente da marcha. Detrás dela era possível divisar dezenas de bandeiras de partidos políticos da esquerda, de sindicatos, e grupos libertários. Não estiveram ausentes as críticas abstratas à corrupção e algum ufanismo, mas sua capacidade de expressão reduziu-se bastante em comparação com situações anteriores.

Os grandes meios de comunicação omitem, mas o conflito entre esquerdas e direitas está posto nas ruas. Ele é um dos elementos dinamizadores do debate político em torno aos protestos atuais. Não seria demasiado otimismo afirmar que a cooptação midiática fracassou em seus objetivos estratégicos iniciais. A disputa de ideias está aberta e o debate ideologizou-se à revelia do hino nacional e das bandeiras verde e amarelas. Esta emergente batalha de ideias complexifica bastante o cenário atual. Por um lado, é necessário disputar nas ruas a hegemonia sobre as marchas, pois ali se encontra a única esfera pública massiva ao alcance da ação política transformadora. Por outro lado, é preciso levar adiante um esforço interpretativo que nos permita recolocar os termos do diálogo e das reivindicações. Para cumprir com o segundo objetivo, devemos começar desmontando alguns “a priori” paralisantes, instilados pelos discursos midiáticos na análise do processo político vigente. Os dois tópicos seguintes são uma contribuição neste sentido.

1) Os protestos não se espalharam do centro para o resto do país.

Esta é a interpretação típica dos grandes jornais e vem sendo comprada por alguns jornalistas de esquerda, como Eric Nepomuceno, que faz a cobertura da situação no Brasil para o jornal argentino Página 12. Para as grandes redes de televisão com sede em Rio e São Paulo não resta a menor dúvida de que as coisas se deram mais ou menos assim: poucos milhares saem às ruas num dia e sofrem forte repressão policial; jornalistas são agredidos; as marchas se massificam e o resto do Brasil copia. Qual o risco de adotarmos tal ponto de vista? Podemos cair na armadilha das “demandas difusas”, do gigante recém-desperto e confuso que precisa ser “aconselhado”. Perdemos, então, nossa capacidade de auto-enunciação, de falar por nós mesmos. Basta ter um pouco de boa vontade para constatar que, pelo menos desde o ano passado, vicejam lutas sociais em todas as grandes cidades brasileiras. Tais lutas denunciaram muitas das mazelas que, hoje, são escancaradas nas manifestações multitudinárias. A crítica dos impactos violentos das obras da Copa sobre a vida das classes populares tem sido difundida de forma constante e progressiva pelos Comitês Populares da Copa; a “higienização” das cidades e a privatização dos espaços públicos também foi o eixo de outros tantos protestos, como a derrubada, em vários pontos do Brasil, do mascote da Copa do Mundo. Em Porto Alegre, por exemplo, a “queda do Tatu Bola” em 2012 desatou uma repressão policial indiscriminada com direito a quebra de câmeras fotográficas e agressão física de vários jornalistas. A respeito do preço dos transportes, o Movimento Passe Livre e outros blocos de luta estavam nas ruas desde muito antes das recentes manifestações em São Paulo. Estes coletivos, formados por estudantes secundaristas e universitários, já haviam conseguido reverter o aumento da passagem em diferentes cidades, algumas delas capitais. Naturalmente os processos sociais têm seus ápices de expressão e isto depende de vários fatores conjunturais. A violência policial em São Paulo, muito visibilizada midiaticamente, sem dúvidas facilitou a difusão nacional das demandas por melhorias no transporte coletivo. Não é possível dizer, contudo, que a posterior “interiorização” dos protestos consistiu em mera cópia do movimento paulista. Seria mais pertinente pensá-la como a proliferação de demonstrações públicas de solidariedade que souberam aproveitar-se do momento favorável para veicular propostas políticas locais. Claro, as classes médias “globalizadas” também deram as caras; mas sem conseguir opacar o caráter visceral e o potencial transformador que os protestos deixavam antever.

2) Não existe um “movimento nacional”. Trata-se da emergência conjunta de exigências específicas, localizadas e por vezes conflitantes.

Não estamos defrontados com uma espécie de “corrente nacional”, algo do tipo “todo o Brasil deu a mão”. Esta é a visão daqueles que não vivem cotidianamente as mazelas e clivagens excludentes engendradas pelos contextos urbanos brasileiros; é o ponto de vista de determinado setor da classe média completamente desprovido de um discurso crítico, arraigado em contradições sociais concretas. Para essa classe média, é muito fácil negligenciar as demandas locais e falar da “nação descontente”, como se se tratasse de um coletivo abstrato, unificado em torno de algumas exigências supostamente gerais, mas que na verdade só descrevem o limite de consciência e imaginatividade característico dos grupos dominantes. Quando contingentes significativos da população aproveitam o atual momento de visibilidade pública das ruas para denunciar a violência policial, exercer participação social, sinalizar os limites do sistema representativo atual e exigir, ao fim e ao cabo, dignidade, não estamos falando de coesão, mas sim de contradição. Estes são sintomas de diferenças irreconciliáveis no marco da presente ordem econômica e política. Desmontar a falácia de “um só povo” (a “cadeia nacional”) e resgatar a profundidade das consignas enraizadas na experiência vivida de pessoas concretas demanda que regressemos ao nível local, às nossas próprias cidades e bairros em busca daquilo que foi suprimido pelo discurso midiático em seu afã por nacionalizar — e cooptar — o descontentamento popular.

A democracia brasileira está sendo reaberta a cotoveladas no meio de uma chuva de bombas de gás. Só seremos povo, só poderemos falar em “todos nós” quando — para retomar a consigna zapatista – o acesso à cidadania for generalizado, quando tenhamos incorporado na vida pública aquelas experiências de sociedade, aqueles sofrimentos e angústias cuja relevância política encontra-se postergada. A primeira grande vitória discursiva dos setores populares nestes protestos foi ter deixado bem claro que as “vozes das ruas” precisam ser escutadas antes das vozes do poder econômico estabelecido. Agora trata-se de enunciar necessidades e urgências em termos transformadores, definir quais são essas vozes e quem é o “povo”, evitar a domesticação do discurso, negar as soluções fáceis que só reiteram o poder das instituições de sempre, sem jamais colocá-las em xeque a partir de outras formas de imaginar o futuro.

Fonte: Outras Palavras

"Levante da multidão", por Pilatti, Negri, Cocco

PICICA: “Os protestos parecem inventar novas formas de luta. O poder constituinte está aí e, neste aqui e agora, se apresenta como incontornável, mas também vulnerável a aventuras reacionárias”


Levante da multidão

28/06/2013


Por Pilatti, Negri, Cocco


“Os protestos parecem inventar novas formas de luta. O poder constituinte está aí e, neste aqui e agora, se apresenta como incontornável, mas também vulnerável a aventuras reacionárias”

ceara
Por Adriano Pilatti, Antonio Negri e Giuseppe Cocco, no Valor
Os acontecimentos dos últimos dias, no Brasil, surpreenderam todos, em todos os horizontes políticos, internos e externos. O Brasil parecia o país sul-americano mais estável e, de repente, “a terra entrou em transe”. Independentemente dos desdobramentos futuros, a multidão mostrou sua potência. À direita e à esquerda se disse, com escândalo, que o movimento não tem “organicidade”, nem “linha”, nem “lideranças”. Até a esquerda dita radical teve de constatar que não há bandeiras abstratas que possam ser impostas, “de fora para dentro”, ao magma que se constitui a partir “de baixo”. “Como isso é possível? Como ousam?” Mas o movimento continua, passou a ser difuso, acelerando seus ritmos: nos centros e periferias, nas grandes e pequenas cidades, nas favelas e no asfalto, multiplicando as reivindicações.

Os protestos parecem inventar novas formas de luta. O poder constituinte está aí e, neste aqui e agora, se apresenta como incontornável, mas também vulnerável a aventuras reacionárias. Como organizar o pensamento diante dessa aceleração do tempo e dessa inovação radical? Como aproveitar as aberturas e evitar ou combater as ameaças?

Voltemos um pouco atrás. Em 2005 lançamos dois livros no Brasil: “Multidão” e “GlobAL”. Em “Multidão” dizíamos que o trabalho passava a ser explorado fora das fábricas, sem passar pela relação salarial. Se isso implica perda de direitos pela maior fragmentação e precariedade da relação salarial, ao mesmo tempo só pode funcionar se a autonomia do trabalho aumenta e se produz e reproduz dentro e pelas redes. Ou seja, por um lado, o capital desconstrói a classe trabalhadora em um sem-número de fragmentos; pelo outro, por trás dos fragmentos, há singularidades que podem cooperar entre si e perseverar como tais.

No capitalismo contemporâneo, a exploração é exatamente o fato dos agenciamentos subjetivos dos desejos (cognitivos, culturais, institucionais, empresariais) fixarem os “fragmentos” sem se abrir às modulações das singularidades. A multidão da qual falamos não se confunde com a definição sociológica e determinista do devir “líquido” da sociedade pós-moderna. Ao contrário, a multidão é um conceito, político e ontológico, de classe: a classe que se constitui nessa cooperação entre singularidades. Só há multidão quando ela se faz a si mesma, como ocorre neste momento no Brasil. É o contrário da massa dos fragmentos que mídia e direita querem fundir ao entoar o Hino Nacional.

Já em “GlobAL” saudávamos a chegada dos novos governos na América do Sul (sem dedicar uma palavra à Venezuela) e, ao mesmo tempo, dizíamos que eles deveriam ter dois cuidados: primeiro, não cair na ilusão de que haveria novo modelo a ser implementado; segundo, que as oscilações entre inflação dos juros e aquelas dos preços são apenas as duas faces da falta de democracia e essa depende das dimensões biopolíticas das lutas: as lutas pela vida e da vida dos pobres, que persistem diante do terror que o Estado impõe às favelas e às periferias. O livro passou despercebido. Os intelectuais críticos ao governo teorizavam o “Estado de exceção” e aqueles próximos do PT preferiam ver em Lula a incrível reencarnação de Vargas. Depois da crise global, o governo entrou nessa de achar que o desenvolvimentismo era o novo (sic) modelo.

Foi bem no meio dessa festa VIP que a terra tremeu. À direita, o governador de São Paulo usou a violência sem máscaras da polícia. À esquerda, o ministro da Justiça se propôs a mandar mais polícia ainda e bater mais. Quando tiveram que recuar, direita e esquerda apareceram juntas, com a diferença da cor das gravatas, para dizer que a redução do preço das passagens acarretaria o corte de outros gastos sociais. À direita e à esquerda se jogou lenha na fogueira da crise da representação, continuou-se a pensar a política do estranho ponto de vista do fisiologismo e da tecnocracia.

Desde segunda-feira, a elite e sua mídia corporativa trocaram o alvo de suas armas e passaram a usar seu poder concentrado (antidemocrático) para tentar manipular a comoção nacional num sentido reacionário. Pudemos ouvir, na quinta-feira (dia 20) em meio à repressão de milhares de manifestantes, a ideia de usar o Congresso para aplicar ao Brasil o golpe institucional já desfechado em Honduras e no Paraguai. Mas a presidente começou a reagir, embora de maneira tardia e tímida, propondo um plebiscito e uma “constituinte”.

Acontece que a teoria do poder constituinte e sua realidade (aquela que está abertamente nas ruas do Brasil inteiro) é uma teoria da democracia radical. Não é contra a representação, mas contra a separação dessa de sua fonte: a soberania popular. A corrupção está ali, nessa separação dos meios e dos fins, e quem se aproveita dela são aqueles que concentram os meios econômicos e a mídia, inclusive quando a condenam, de maneira moralista, apenas para aumentá-la em seu favor.

Avaliamos positivamente, em seu conjunto, as iniciativas de Dilma, mas pensamos que a solução não passa nem por um plebiscito nem pela convocação de pactos com supostos representantes dos movimentos (aliás, sempre os mesmos “patrocinados”). O desafio é abrir um verdadeiro “processo constituinte”, ou seja, abrir a pólis à participação efetiva do “demos”, nas ruas e além – mesmo que confusa em um primeiro momento – para unir mobilização e invenção de novas institucionalidades, de novas caras. Se o governo e o PT acharem que poderão evitar essa abertura pela mobilização de supostos representantes de casas e circuitos, repetirão o mesmo erro que fez Haddad quando acreditava que existia amor em São Paulo. O poder constituinte não é nada sem a multidão que o faz viver.

Divulgue na rede

 

Fonte: Rede Universidade Nômade

junho 28, 2013

"Precisamos disputar corações e mentes. Quem não entrar, ficará fora da história" - entrevista com João Pedro Stédile

PICICA: "E porque as manifestações eclodiram somente agora? 

Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações. O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço! E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu. Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa."

EM TEMPO: A "Arena da Amazônia" (novo estádio de futebol de Manaus) tem o custo estimado em mais de 700 milhões e levará 20 anos para ser pago. Dava para implantar 3 sistemas de saúde mental em todo o Estado.

"Precisamos disputar corações e mentes. Quem não entrar, ficará fora da história"




Entrevista com o líder do MST, João Pedro Stédile, publicada originalmente aqui.



Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?
Há muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.

Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.

O capital financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.

Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.

Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

E do ponto de vista político, por que aconteceu?

Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses.

Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.

Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.

Estão dizendo que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E porque as manifestações eclodiram somente agora?

Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam  alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.

O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!

E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.

A redução da tarifa  interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.

A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.

Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.


É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo.

Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância  está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?


Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra.  São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.

Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!

Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.

Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?

É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica.

Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.

Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.

Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?

A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais.

Certamente a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez  a UDN (União Democrática Nacional) em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.

Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?

Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.

Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma Agrária.

Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.

Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. Controlar a especulação imobiliária.

E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com  recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!   

Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria  fazer agora?

Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.

E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro.

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?

Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais.

Estamos em plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará de fora da história.