PICICA: "E porque as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.
O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!
E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.
Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa."
EM TEMPO: A "Arena da Amazônia" (novo estádio de futebol de Manaus) tem o custo estimado em mais de 700 milhões e levará 20 anos para ser pago. Dava para implantar 3 sistemas de saúde mental em todo o Estado.
"Precisamos disputar corações e mentes. Quem não entrar, ficará fora da história"
Entrevista com o líder do MST, João Pedro Stédile, publicada originalmente aqui.
Como
você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas
últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?
Há
muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me
somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior
especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na
gestão Olivio Dutra.
Ela defende a
tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras
provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme
especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e dos terrenos
em 150% nos últimos três anos.
O capital
financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para
enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos
últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O
programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as
periferias, sem condições de infraestrutura.
Tudo isso gerou
uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas
grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando
poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.
Somado a isso, a
péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na
educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os
estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou
lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes
universitários.
E do ponto de vista político, por que aconteceu?
Os
quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo
de composição de classes transformou a forma de fazer política refém
apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas
práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua
maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar
recursos públicos para seus interesses.
Toda juventude
nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da
política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o
sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor
de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos
obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política
burguesa, mercantil.
Mas o mais
grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se
moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto,
gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem
razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a
política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.
Estão dizendo
que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas,
que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na
manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu
papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão
cairão na vala comum da história.
E porque as manifestações eclodiram somente agora?
Provavelmente
tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de
massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o
clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos
estádios, que é um acinte ao povo. Vejam alguns episódios. A Rede Globo
recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de
reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas
horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.
O estádio de
Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A
ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os
governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo
brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não
havia nenhum negro ou mestiço!
E aí o aumento
das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento
generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do
governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e
acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou
sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.
Ainda bem que a
juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que
soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na
hora certa.
Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?
É
verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na
rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também
alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que
estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de
consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em
outras capitais e nas periferias.
A redução da
tarifa interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube
convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as
manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos
jovens, sobretudo quando foram reprimidos.
A classe
trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao
capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as
organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não
compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto
classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves
por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.
Acho que é
apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras
que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe
que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já
começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem
localizadas. E isso é muito importante.
E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.
É
verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores
familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou
testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha,
com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e
baratos para todo povo.
Acho que nas
próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando
manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na
nossa militância está todo mundo doido para entrar na briga e se
mobilizar. Espero que também se mexam logo.
Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?
Primeiro vamos
relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática
de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e
quebra-quebra. São minoritários e insignificantes diante das milhares
de pessoas que se mobilizaram.
Para a direita interessa colocar
no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se
tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças
armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a
guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É
tudo o que a direita sonha!
Quem está
provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia
Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo
sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e
MG), ainda tem a promessa de impunidade.
Há grupos direitistas
organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo
atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de
Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos
conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que
aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval,
até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.
Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?
É
claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na
disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude
mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está
participando de uma luta ideológica.
Vejam, eles
estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem
nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido
tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em
cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos
interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da
direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.
Por outro lado,
são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus
serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das
mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De
repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se
passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.
Esses
mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de
estado Estadunidense na primavera árabe, na tentativa de
desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles
estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.
E quais são os objetivos da direita e suas propostas?
A
classe dominante, os capitalistas, os interesses do império
Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão
todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo
Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora,
derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade
brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia
total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.
Para
alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas
táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos
jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por
exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi
totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta
contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem
iguais.
Certamente a
maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário
para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da
moralidade, como fez a UDN (União Democrática Nacional) em tempos
passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar
às ruas.
Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita
que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e
transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo, e
fim do Foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas
ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.
Felizmente
essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas,
ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem
ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e
políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou
dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!
Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?
Os
desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas
manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes
para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de
classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua,
manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo
Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da
classe, do ponto de vista econômico e político.
Terceiro,
precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E
agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de
nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.
Precisamos
tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação
do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a
prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma
Agrária.
Mas para isso o
governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit
primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20
mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos,
deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de
classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a
burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?
Aprovar
em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma
política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público
exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos
populares auto-convocados.
Precisamos de
uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação
de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a
riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais
pagam.
Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e
todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas.
De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os
royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92%
irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos
leilões!
Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o
transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que
não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas
das capitais. Controlar a especulação imobiliária.
E finalmente,
precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de
Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de
comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e
suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar
seus próprios meios de comunicação, com recursos públicos. Ouvi de
diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que
talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao
monopólio da Globo!
Mas para que
essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e
os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.
O que o governo deveria fazer agora?
Espero
que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse
apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma
consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do
povo.
E para isso o
governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos.
Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para
investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo
as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de
democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para
investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa
zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos
sadios para o mercado interno.
Garantir logo a aplicação de 10%
do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as
cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade,
até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.
Sem
isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a
iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando
desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se
ao povo, ou pagará a fatura no futuro.
E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?
Tudo
ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa.
Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam
colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as
bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita
vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras,
atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças
sociais.
Estamos em
plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado.
Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e
mentes. E quem não entrar, ficará de fora da história.