PICICA: "O futuro das terras indígenas é
fundamental para a manutenção da biodiversidade na Amazônia. Terras
indígenas não são “unidades de conservação”, incluídas no SNUC, mas são
um tipo de “área protegida”. Terras indígenas estão sob a jurisdição do
Ministério da Justiça, enquanto as unidades de conservação federais
estão sob o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) ou, no
caso das florestas nacionais, sob o Serviço Florestal Brasileiro (SFB),
os quais fazem parte do Ministério do Meio Ambiente. Unidades de
conservação estaduais estão sob os orgãos correspondentes dos governos
estaduais.
As terras indígenas têm uma história
melhor do que as unidades de conservação em inibir o desmatamento, e em
muitas partes do arco do desmatamento, as únicas áreas significativas de
florestas naturais remanescentes estão nas terras indígenas [10-12]. No
entanto, as terras indígenas não estão imunes ao desmatamento, e não se
pode presumir que os povos indígenas continuem realizando seu valioso
papel na manutenção de serviços ambientais para ser “embolsada de graça”
pelo resto da sociedade [13, 14]."
Pesquisa sobre conservação na Amazônia 9: “proteção integral” versus “uso sustentável”
PHILIP M. FEARNSIDE
O sistema brasileiro de áreas protegidas evoluiu significativamente nas últimas três décadas. As áreas protegidas eram classificadas entre as categorias de uso “direto” e uso “indireto”, a primeira sendo para parques e reservas sem uma população residente vivendo nelas.
Em 2000, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) foi promulgado (Lei nº 9985/2000), mas o processo de “regulamentação” para estabelecer o sistema na prática durou até 2002.
O SNUC mudou a classificação das unidades de conservação para áreas de “proteção integral” e de “uso sustentável”. A categoria de “uso sustentável” inclui Florestas Nacionais (FLONAs) para manejo florestal madeireiro, reservas extrativistas (RESEX) para seringueiros, coletores de castanha e outros grupos tradicionais de colheita de produtos florestais não-madeireiros, e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) que é uma categoria de reserva estadual que inclui as populações locais de pescadores e pequenos agricultores ribeirinhos. Um aspecto controverso é a inclusão de “Áreas de Proteção Ambiental” (APAs), uma categoria que permite muitas atividades prejudiciais e pode até mesmo incluir áreas urbanas. Esta categoria permite que grandes áreas sejam “pintadas de cor verde” no mapa sem muita proteção real.
Áreas de Proteção Integral incluem Parques Nacionais (PARNAs), estações ecológicas e reservas biológicas. As diferentes categorias de áreas protegidas têm diferentes níveis de sucesso em impedir o desmatamento, com áreas federais tendo um desempenho melhor do que as áreas estaduais, e as áreas de proteção integral tendo melhor desempenho do que as áreas de uso sustentável [1, 2].
Note-se que a eficácia em impedir o desmatamento não é o mesmo que eficácia em impedir a degradação das florestas por processos, tais como, a exploração madeireira e os incêndios florestais. Áreas indígenas, por exemplo, geralmente têm alta eficácia na resistência contra o desmatamento, mas sua eficácia contra a degradação é muito menor. Degradação florestal está rapidamente se tornando um grande destruidor de serviços ambientais na Amazônia [3-6].
A criação de novas unidades de conservação mudou consideravelmente, da proteção integral para a categoria de uso sustentável. A facilidade política de criar áreas de uso sustentável é muito maior, porque a criação de áreas de proteção integral geralmente requer reinstalação de uma população residente. Reassentamento historicamente tem sido marcado por injustiça social e promessas quebradas sobre compensação e programas para apoiar a população deslocada (e.g., [7]), embora os programas para áreas protegidas pretendam fazer melhor (e.g., [8]).
Na categoria de uso sustentável, as pessoas nas reservas, muitas vezes, ganham maior segurança contra expulsão por atores mais poderosos e contra a perda de recursos naturais para atores externos, tais como empresas madeireiras e barcos de pesca comercial. Várias outras formas de benefícios, tais como o programa Bolsa Floresta no Estado do Amazonas, também faz com que seja mais atraente estar vivendo dentro de uma área de uso sustentável [9]. Isso gera o apoio político para a criação de mais dessas áreas.
A criação de áreas protegidas rapidamente se torna inviável quando a ocupação humana avança na floresta. A relativa facilidade de criação de áreas de uso sustentável torna isso o caminho mais lógico para alcançar uma parte da proteção necessária à frente do avanço da fronteira. Planos e maciços do Governo brasileiro para a infraestrutura, como rodovias e barragens, podem ser esperados em aumentar a migração para muitas áreas potenciais para a criação de reservas, inviabilizando quaisquer planos para proteção.
O futuro das terras indígenas é fundamental para a manutenção da biodiversidade na Amazônia. Terras indígenas não são “unidades de conservação”, incluídas no SNUC, mas são um tipo de “área protegida”. Terras indígenas estão sob a jurisdição do Ministério da Justiça, enquanto as unidades de conservação federais estão sob o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) ou, no caso das florestas nacionais, sob o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), os quais fazem parte do Ministério do Meio Ambiente. Unidades de conservação estaduais estão sob os orgãos correspondentes dos governos estaduais.
As terras indígenas têm uma história melhor do que as unidades de conservação em inibir o desmatamento, e em muitas partes do arco do desmatamento, as únicas áreas significativas de florestas naturais remanescentes estão nas terras indígenas [10-12]. No entanto, as terras indígenas não estão imunes ao desmatamento, e não se pode presumir que os povos indígenas continuem realizando seu valioso papel na manutenção de serviços ambientais para ser “embolsada de graça” pelo resto da sociedade [13, 14].
NOTAS
[1] Vitel, C.S.M.N.; Fearnside, P.M. & Graça, P.M.L.A. 2009. Análise da inibição do desmatamento pelas áreas protegidas na parte Sudoeste do Arco de desmatamento. p. 6377-6384. In: Epiphanio, J.C.N. & Galvão, L.S. (Eds.). Anais XIV Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto, Natal, Brasil 2009. Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), São José dos Campos, SP. Disponível em: http://sbsr.dpi.inpe.br/col/dpi.inpe.br/sbsr@80/2008/11.13.14.42/doc/6377-6384.pdf
[2] Ferreira, L.V., Venticinque, E. & de Almeida, S.S. 2005. O desmatamento na Amazônia e a importância das áreas protegidas. Estudos Avançados 19(53): 1-10.
[3] Asner, G.; Knapp, D.; Broadbent, E.; Oliveira, P.; Keller, M. & Silva, J. 2005. Selective logging in the Brazilian Amazon. Science 310: 480-482.
[4] Foley, J.A.; Asner, G.P.; Costa, M.H.; Coe, M.T.; DeFries, R.; Gibbs, H.K.; Howard, E.A.; Olson, S.; Patz, J.; Ramankutty, N. & Snyder, P. 2007. Amazonia revealed: forest degradation and loss of ecosystem goods and services in the Amazon Basin. Frontiers in Ecology and the Environment 5(1): 25-32.
[5] Merry, F; Soares-Filho, B.; Nepstad, D.; Amacher, G. & Rodrigues, H. 2009. Balancing conservation and economic sustainability: The future of the Amazon timber Industry. Environmental Management 44: 395-407.
[6] Nepstad, D.C.; Carvalho, G.; Barros, A.C.; Alencar, A.; Capobianco, J.P.; Bishop, L.; Moutinho, P.; Lefebyre, P.; Silva, Jr., U.L. & Prins, E. 2001. Road paving, fire regime feedbacks, and the future of Amazon forests. Forest Ecology and Management 154: 395-407.
[7] Fearnside, P.M. 1999. Social impacts of Brazil’s Tucuruí Dam. Environmental Management 24(4): 483-495. doi: 10.1007/s002679900248
[8] World Bank. 2002. Populations and protected areas in the ARPA project. World Bank, Washington, DC, E.U.A. 7 p. http://www-wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/WDSP/IB/2002/08/16/000094946_02070604285123/Rendered/PDF/multi0page.pdf
[9] Viana,V.; Tezza, J.; Solidade, V.; Marostica, S.; Salviati, V. & Soares, A. 2013. Impactos do Programa Bolsa Floresta: Uma Avaliação Preliminar. 2ª Edição. Fundação Amazonas Sustentável (FAS), Manaus, AM,. 30 p. Disponível em: http://fas-amazonas.org/versao/2012/wordpress/wp-content/uploads/2013/06/Cadernos-de-Sustentabilidade-1.V2.0-web1.pdf
[10] Nepstad, D.C.; Schwartzman, S.; Bamberger, B.; Santilli, M.; Ray, D.; Schlesinger, P.; Lefebvre, R.; Alencar, A.; Prinz, E.; Fiske, G. & Rolla, A. 2006. Inhibition of Amazon deforestation and fire by parks and indigenous lands. Conservation Biology 20: 65-73.
[11] Schwartzman, S.; Moreira, A. & Nepstad, D. 2000. Rethinking tropical forest conservation: Perils in parks. Conservation Biology 14: 1351-l357.
[12] Schwartzman, S.; Moreira, A. & Nepstad, D. 2000. Arguing tropical forest conservation: People versus parks. Conservation Biology 14: 1370-l374.
[13] Fearnside, P.M. 2005. Indigenous peoples as providers of environmental services in Amazonia: Warning signs from Mato Grosso. p. 187-198. In: A. Hall (Ed.) Global Impact, Local Action: New Environmental Policy in Latin America, University of London, School of Advanced Studies, Institute for the Study of the Americas, London, Reino Unido. 321 p.
[14] Isto é uma tradução parcial atualizado de Fearnside, P.M. 2014. Conservation research in Brazilian Amazonia and its contribution to biodiversity maintenance and sustainable use of tropical forests. p. 12-27. In: 1st Conference on Biodiversity in the Congo Basin, 6-10 June 2014, Kisangani, Democratic Republic of Congo. Consortium Congo 2010, Université de Kisangani, Kisangani, República Democrática do Congo. 221 p. http://congobiodiversityconference2014.africamuseum.be/themes/bartik/files/abstracts_resumes.pdf. As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (proc. 304020/2010-9; 573810/2008-7), pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) (proc. 708565) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) (PRJ1).
Leia também:
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 1: resumo da série
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 2: conservaçãso versus destruição na Amazônia
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 3: o Código Florestal e a mudança do poder político
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 4: oportunismo versus priorização científica
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 5: escolhas planejadas de reservas
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 7: fraqueza de parques e reservas
- Pesquisa sobre conservação na Amazônia 8: recuperação de áreas degradadas versus proteção da floresta
Philip M. Fearnside fez doutorado no Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e é pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM) desde 1978. Membro da Academia Brasileira de Ciências, também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 500 publicações científicas e mais de 200 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis através de http://philip.inpa.gov.br.
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Fonte: Amazônia Real
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