Anos 80
Amazonas, 1985, período de luta pela redemocratização do país. A Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas - ADUA enfrentava o autoritarismo institucional aliada à Associação dos Servidores da Universidade do Amazonas e ao Diretório Universitário. Sob a bandeira de uma universidade democrática, popular e amazônica, José Ribamar Bessa Freire, Marcus Luiz Barroso Barros, Marilene Corrêa, Graça Barreto, Arminda Mourão, Nelson Fraiji, entre dezenas de outros professores, inscreveram seus nomes na história da democratização da Universidade Federal do Amazonas.
Passado vinte e um anos, a história deste período da Universidade Federal do Amazonas ainda não foi objeto de pesquisa pela academia amazonense. A lembrança daquela época intensa, rica de acontecimentos políticos - a qual cobri como fotógrafo e como cartunista do jornal da ADUA, assinando com o pseudônimo Roca -, veio à minha memória nesses dias da ocupação da USP pelos estudantes. Sobre esse fato político, assino embaixo do artigo do jornalista e professor da PUC-SP Hamilton Octávio de Souza. Gostaria de tê-lo escrito.
24/05/2007
DEBATE ABERTO
Ocupação da Reitoria da USP, o resgate da dignidade
Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na corrupção e em que a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o país, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude.
Amazonas, 1985, período de luta pela redemocratização do país. A Associação dos Docentes da Universidade do Amazonas - ADUA enfrentava o autoritarismo institucional aliada à Associação dos Servidores da Universidade do Amazonas e ao Diretório Universitário. Sob a bandeira de uma universidade democrática, popular e amazônica, José Ribamar Bessa Freire, Marcus Luiz Barroso Barros, Marilene Corrêa, Graça Barreto, Arminda Mourão, Nelson Fraiji, entre dezenas de outros professores, inscreveram seus nomes na história da democratização da Universidade Federal do Amazonas.
Passado vinte e um anos, a história deste período da Universidade Federal do Amazonas ainda não foi objeto de pesquisa pela academia amazonense. A lembrança daquela época intensa, rica de acontecimentos políticos - a qual cobri como fotógrafo e como cartunista do jornal da ADUA, assinando com o pseudônimo Roca -, veio à minha memória nesses dias da ocupação da USP pelos estudantes. Sobre esse fato político, assino embaixo do artigo do jornalista e professor da PUC-SP Hamilton Octávio de Souza. Gostaria de tê-lo escrito.
24/05/2007
DEBATE ABERTO
Ocupação da Reitoria da USP, o resgate da dignidade
Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na corrupção e em que a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o país, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude.
Hamilton Octavio de Souza
A ocupação da reitoria da USP, pelos estudantes, independentemente do desfecho determinado no embate com o poder constituído e a força das armas, recolocou na ordem do dia várias questões que são relevantes para movimento estudantil, o meio universitário e a sociedade em geral.
A burocracia acadêmica, responsável pela gestão da Universidade, não havia esboçado a menor reação diante da manobra safada do governador José Serra, do PSDB, que quis controlar a instituição por meio de medidas camufladas e indiretas.
Ao contrário, a burocracia acadêmica acovardou-se e tornou pública a sua falta de compromisso com os valores mais sagrados da Universidade, revelou o seu despreparo para o diálogo e para a democracia. À reitora, insensível e incompetente, só resta renunciar.
Se os estudantes não tivessem entrado em ação para defender a Universidade e não tivessem ocupado a reitoria - um gesto legítimo nas instituições usurpadas pelas castas autoritárias e elitistas -, certamente a solerte academia teria engolido as manobras governamentais sem dar um pio.
No primeiro momento, inclusive, apenas os funcionários apoiaram a luta dos estudantes. Os professores, sob os efeitos maléficos da longa anestesia e do exacerbado individualismo, demoraram vinte dias para entender o sentido mais profundo do movimento, escutaram suas próprias demandas e entraram em greve.
O que os estudantes lembraram para todos, desde o interior da reitoria ocupada, é que a prepotência do discurso economicista e tecnocrático precisa ser impedida de continuar destruindo o espaço e a vida universitária; que é preciso parar com os sacrifícios impostos ao ensino superior em nome das leis predatórias do neoliberalismo; e que a Universidade precisa investir em professores, salários, instalações e, especialmente, na liberdade criativa e transformadora.
Se a reitoria não tivesse sido ocupada, dificilmente essas questões teriam entrado na agenda das autoridades, mesmo porque o papel rastejante da burocracia acadêmica tem sido o de cumprir levianamente as imposições do sistema dominante sem qualquer questionamento, reflexão, debate e resistência. Tudo faz para se manter incrustada no aparelho que lhe permite delinqüir.
Do outro lado, a ocupação da reitoria demonstrou cabalmente que o governo do Estado não dispõe de um único quadro - uma única pessoa - capaz de dialogar com a juventude, com os estudantes universitários e com quem reivindica alguma coisa. Tanto é que o tucano Serra, ironicamente um ex-presidente da UNE, indicou a Polícia Militar para "negociar" com os estudantes. Se a decisão teve a intenção de enfatizar desprezo pela ação estudantil, o tiro saiu pela culatra, e apenas revelou mais uma fragilidade de um governador medíocre com pretensão de chegar à Presidência da República.
Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na lama dos negócios privados e da corrupção, em que a Universidade mercantilizou sua relação com a sociedade e a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o País, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude - em momentos como esse de tomada de posição, de risco e de resgate da dignidade.Quem olha o que está acontecendo na Universidade apenas com a visão doente da paranóia não quer mesmo construir o novo, o futuro, o que precisa ser mudado. Prefere padecer na sua própria arrogância e egoísmo. Não irá entender jamais que a história continua, e que amanhã será outro dia.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.
NOTA: Publicado pela Agência Carta Maior.
A ocupação da reitoria da USP, pelos estudantes, independentemente do desfecho determinado no embate com o poder constituído e a força das armas, recolocou na ordem do dia várias questões que são relevantes para movimento estudantil, o meio universitário e a sociedade em geral.
A burocracia acadêmica, responsável pela gestão da Universidade, não havia esboçado a menor reação diante da manobra safada do governador José Serra, do PSDB, que quis controlar a instituição por meio de medidas camufladas e indiretas.
Ao contrário, a burocracia acadêmica acovardou-se e tornou pública a sua falta de compromisso com os valores mais sagrados da Universidade, revelou o seu despreparo para o diálogo e para a democracia. À reitora, insensível e incompetente, só resta renunciar.
Se os estudantes não tivessem entrado em ação para defender a Universidade e não tivessem ocupado a reitoria - um gesto legítimo nas instituições usurpadas pelas castas autoritárias e elitistas -, certamente a solerte academia teria engolido as manobras governamentais sem dar um pio.
No primeiro momento, inclusive, apenas os funcionários apoiaram a luta dos estudantes. Os professores, sob os efeitos maléficos da longa anestesia e do exacerbado individualismo, demoraram vinte dias para entender o sentido mais profundo do movimento, escutaram suas próprias demandas e entraram em greve.
O que os estudantes lembraram para todos, desde o interior da reitoria ocupada, é que a prepotência do discurso economicista e tecnocrático precisa ser impedida de continuar destruindo o espaço e a vida universitária; que é preciso parar com os sacrifícios impostos ao ensino superior em nome das leis predatórias do neoliberalismo; e que a Universidade precisa investir em professores, salários, instalações e, especialmente, na liberdade criativa e transformadora.
Se a reitoria não tivesse sido ocupada, dificilmente essas questões teriam entrado na agenda das autoridades, mesmo porque o papel rastejante da burocracia acadêmica tem sido o de cumprir levianamente as imposições do sistema dominante sem qualquer questionamento, reflexão, debate e resistência. Tudo faz para se manter incrustada no aparelho que lhe permite delinqüir.
Do outro lado, a ocupação da reitoria demonstrou cabalmente que o governo do Estado não dispõe de um único quadro - uma única pessoa - capaz de dialogar com a juventude, com os estudantes universitários e com quem reivindica alguma coisa. Tanto é que o tucano Serra, ironicamente um ex-presidente da UNE, indicou a Polícia Militar para "negociar" com os estudantes. Se a decisão teve a intenção de enfatizar desprezo pela ação estudantil, o tiro saiu pela culatra, e apenas revelou mais uma fragilidade de um governador medíocre com pretensão de chegar à Presidência da República.
Num Brasil em que os poderes da República e o empresariado se afundam na lama dos negócios privados e da corrupção, em que a Universidade mercantilizou sua relação com a sociedade e a academia e a intelectualidade abandonaram seus compromissos com o povo e com o País, a reserva ética e a esperança renascem com a juventude - em momentos como esse de tomada de posição, de risco e de resgate da dignidade.Quem olha o que está acontecendo na Universidade apenas com a visão doente da paranóia não quer mesmo construir o novo, o futuro, o que precisa ser mudado. Prefere padecer na sua própria arrogância e egoísmo. Não irá entender jamais que a história continua, e que amanhã será outro dia.
Hamilton Octavio de Souza é jornalista e professor da PUC-SP.
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