maio 20, 2007

De volta para casa: carta aberta


CARTA ABERTA DOS PARTICIPANTES DO I SEMINARIO NACIONAL DO PROGRAMA DE VOLTA PARA CASA, PARA TODOS OS ENVOLVIDOS NO CAMPO DA SAUDE MENTAL NO BRASIL

Foi realizado em Brasília, nos dias 8 e 9 de maio de 2007, o Seminário Nacional sobre o Programa de Volta para Casa, convocado pela Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde. O Seminário contou com a participação ativa de dezenas de coordenadores de saúde mental, de profissionais, pesquisadores, professores universitários, lideranças de usuários de serviços e familiares, bem como de beneficiários do Programa de todo o país, num total de 157 participantes.

A partir das discussões realizadas nos dois dias de Seminário, apresentamos a seguir as nossas principais considerações, constatações e propostas.

CONSIDERANDO:

1) A Lei 10216/2001, que dispõe sobre a proteção e o direito das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, que, em seu artigo 5o, determina que “o paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instancia a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário”.

2) A Lei 10708/2003, que institui o auxílio reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações;

3) A mensagem do senhor Presidente da República aos beneficiários do Programa de Volta para Casa, que destaca a necessidade de ampliar o Programa bem como de estudar a possibilidade de construir mais 1000 residências, em parceria com o Ministério das Cidades, no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC);

CONSTATANDO:

1) Que o Programa de Volta para Casa vem representando um papel chave no processo de reforma psiquiátrica brasileira, como instrumento bem sucedido de reintegração efetiva de pessoas com longas internações psiquiátricas, em seu meio familiar e comunitário;

2) Que os depoimentos feitos pelos beneficiários mostraram que o Programa propicia uma oportunidade real de reapropriação das dimensões básicas da vida, como morar, cozinhar, ter amigos, freqüentar os espaços comuns da cidade, adquirir os itens necessários para o dia a dia, pré-requisitos fundamentais para a conquista dos demais direitos civis, políticos e sociais;

3) Que na atual política de saúde mental, o Programa de Volta para Casa está plenamente integrado a um conjunto de iniciativas e serviços abertos que contemplam de forma abrangente as necessidades subjetivas e sociais dos usuários, como os Centros de Atenção Psicossocial, os Serviços Residenciais Terapêuticos, os projetos de trabalho e renda, a atenção básica em saúde, os centros de convivência e demais atividades culturais e educacionais;

4) Que a realidade da assistência em saúde mental no país ainda apresenta um quadro de 39.500 leitos em hospitais psiquiátricos, sendo 30% deles de longa permanência, ou seja, 11.000 moradores em condições de viver na comunidade e serem beneficiários do Programa de Volta para Casa e de Serviços Residenciais Terapêuticos;

5) Que o quadro constatado em vários dos hospitais de longa permanência revela ainda condições de vida e assistência que ferem os mais elementares princípios dos direitos humanos;

6) Que no atual momento da política de saúde mental do país, no âmbito da construção do Pacto pela Saúde, os gestores e conselhos das três instâncias do SUS estão repactuando as prioridades programáticas da política de saúde nos Estados e Municípios;

7) Que neste contexto é necessária a construção de uma agenda comum entre os movimentos sociais da luta antimanicomial e os gestores públicos federal, estadual e municipal.

DECIDEM:

Os participantes deste seminário decidem assumir o compromisso com a aceleração da desinstitucionalização das pessoas com história de longas internações nos hospitais psiquiátricos, com a expansão do Programa De Volta para Casa, a criação de novas Residências Terapêuticas e o aprofundamento do Programa de Reestruturação da Assistência Psiquiátrica Hospitalar (PRH), no contexto de fortalecimento das redes substitutivas de saúde mental.

E CONCLAMAM:

Os gestores das três instâncias do SUS, para que aprofundem e potencializem os esforços e as estratégias necessárias para a efetivação da reorientação do modelo asilar, sobretudo nos municípios com grande concentração de leitos, através da redução de leitos nos hospitais psiquiátricos e a concomitante construção dos serviços substitutivos e, em particular, desinstitucionalizando as pessoas longamente internadas.

Os gestores das três instâncias do SUS, para que criem e fortaleçam as iniciativas e projetos intersetoriais em políticas públicas, de forma a garantir aos usuários dos serviços de saúde mental e, em particular, aos moradores de Residências Terapêuticas e aos beneficiários do Programa de Volta para Casa, o acesso à educação, habitação, ao trabalho e aos bens culturais.

Os gestores das três instâncias do SUS, para que criem mecanismos que assegurem o financiamento e sustentabilidade das ações da Política de Saúde Mental, no Pacto pela Saúde.

O Ministério da Saúde, para que crie mecanismos que assegurem a atualização do valor financeiro do auxílio – reabilitação psicossocial do Programa de Volta para Casa.

O Poder Público, nas três esferas de gestão, e de maneira intersetorial, a realizar o Censo Nacional dos Pacientes Internos em Hospitais Psiquiátricos, visando sua integração ao Programa de Volta para Casa e outras estratégias de desinstitucionalização.

As instâncias de controle social do SUS, sobretudo o Conselho Nacional de Saúde, em seu papel fundamental de avaliação e fiscalização da implantação das políticas públicas de saúde, para que contribuam ativamente com a implementação das diretrizes da Reforma Psiquiátrica.

O CONASS e o CONASEMS, em sua atribuição fundamental de articulação dos gestores na construção e consolidação do SUS e da Reforma Psiquiátrica, para que prossigam nos esforços de implementação das diretrizes da Reforma Psiquiátrica, e em particular, de aceleração dos programas voltados para a desinstitucionalização, como o Programa de Reestruturação Hospitalar e o Programa De Volta para Casa.

Os trabalhadores dos serviços de saúde mental, para que prossigam na defesa da vida e pela real implementação cotidiana de uma nova atenção às pessoas com transtorno mental, centrada no respeito, na produção de autonomia e alteridade.

As instituições da Justiça, o Ministério Público e demais atores estratégicos do Direito a intensificar o diálogo e o trabalho intersetorial com a saúde mental na defesa dos direitos das pessoas com transtornos mentais.

Contribuíram na redação deste documento:

Marta Elizabeth, Miriam Aboud-Yd, Ana Raquel Santiago, Eduardo Vasconcelos, Fernanda Nicácio, Renata Weber e Karime Porto.

Nenhum comentário: