PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
maio 23, 2007
O parlamentar e a ordem simbólica
Ângelus Figueira era prefeito de Manacapuru quando o conheci. O encontro foi articulado pelo então deputado estadual Lino Chíxaro. Comigo estavam Adele Benzaken, atual diretora do Instituto Alfredo da Matta, e José Carlos Sardinha, atual assessor Secretária Municipal de Saúde de Manaus. Juntos fomos tratar da implantação de ações no campo das DST-Aids na "Princesinha do Solimões". Meus dois parceiros vinham de uma reconhecida experiência institucional no campo daquilo que um dia foi conhecido como doenças venéreas, sendo que Adele fez história na primeira ong a trabalhar em parceria com o poder público ao criar o Grupo Amavida, com o objetivo explicíto de trabalhar com prostitutas, nome que àquela época já havia sido substituído pela expressão politicamente correta "trabalhadoras do sexo". Minha experiência decorria da criação da Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com HIV/Aids, ong de defesa dos direitos humanos no enfrentamento do preconceito decorrente da epidemia de aids no Brasil, atualmente parceira da Fundação de Medicina Tropical na adoção de práticas preventivas e adesão ao tratamento para HIV/Aids dos usuários do Sistema Único de Saúde. Em 1997, este trio teve um artigo intitulado "Aids no Amazonas: retrospectiva histórica e situaçào atual" publicado pela Fiocruz da Amazônia. No grupo que viajou até Macapuru estava também o médico e músico Julio Recinos, de origem salvadorenha, brasileiro por adoção, líder de uma badalada banda de ritmos latinos, sem igual na cidade de Manaus.
Para minha surpresa, depois de atravessarmos de balsa o rio Negro, encontro na outra margem o meu querido amigo Humberto Amorim, que prestava assesoria à Prefeitura de Manacapuru. Em tão boa companhia, foi com ele que viajei, num dos dois automóveis que nos foi colocado à disposição, no breve percurso de pouco mais de mais de 90 km até aquela acolhedora cidade. Sorte minha que tive o prazer e o privilégio de ouvir as deliciosas histórias sobre o jazz, vividas por ele em Nova York. Não é à toa que há 11 anos seu programa "Momentos de Jazz" faz sucesso, dentro e fora do Amazonas. Recomendo. Vai ao ar todos os domingos às 20:00 h pela Amazonas FM.
Amável, Ângelus nos deu uma acolhida como poucos. Alguns fios de cabelos brancos depois - os meus, pois os de Ângelus escasseam a olhos vistos -, sem que tenhamos nos encontrado nesse período, eis que o atual deputado estadual pelo Partido Verde/AM foi objeto de discussão muito bem humorada na Associação Chico Inácio, ong constituída de familiares, usuários, técnicos de saúde mental e cidadãos solidários, que atua no campo da defesa dos direitos civis e políticos dos portadores de sofrimento mental, da qual sou um dos fundadadores. Acentuo o bom humor reinante entre seus filiados. Além de cultivarem a autonomia frente aos poderes públicos, econômicos e religiosos, exercitam a crítica sem perder o espírito da fraternidade que distingue os humanos empenhados na luta por uma sociedade sem manicômios. Denecessário dizer do preconceito do qual eles são alvo ao longo da história da relação entre sociedade e loucura.
Semântica à parte
Quatro dias antes da celebração do dia 18 de maio - Dia Nacional de Luta Antimanicomial (em Manaus comemorado com um abraço simbólico em torno do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, proposta da Associação Chico Inácio para sinalizar o apoio social à substituição do Hospital Psiquiátrico por um Hospital de Clínicas), a Coluna Sim & Não do jornal A Crítica publica a seguinte nota, no dia 14/maio/2007:
Pneumonite A virose que há meses "passeia" em Manaus atingiu em cheio o deputado estadual Ângelus Figueira (PV), abatido pela doença quando chegou, há três dias, em SP, onde se hospitalizou.
Troco "Foi bom só por um motivo: vou sair daqui com uma vontade ainda maior de denunciar descalabros na saúde e omissão das informações sobre os surtos e epidemias que atingem o povo", disparou Ângelus.
Comentário bem humorado de um portador de sofrimento mental: "Como pode o deputado ter certeza que a virose foi contraída em Manaus? Pode ter sido na fazenda dele em Minas Gerais. Tô sabendo que ele viaja para lá toda quinta-feira".
Em seguida outro portador de sofrimento mental argumentou: "Porque ele foi buscar tratamento em São Paulo, se o tratamento de virose é a base de remédios para aliviar o sintoma e cama para repouso absoluto? "
"Santa ignorância, o home tava com uma pneumonite; se não houvesse cuidado ele podia agora estar vestindo um paletó-de-madeira", argumentou um terceiro.
O primeiro dos interlocutores volta a argumentar: "Pena que ele contraiu só uma virose. Com a vontade que ele tá de denunciar os descalabros na saúde, já pensou se ele tivesse contraído uma doença mental... íamos ter um aliado no Legislativo como poucos... Se for pra denunciar o preconceito contra os loucos, tô com ele e não abro! Sou capaz de me pintar de verde e acampar naquele gramado da Assembléia Legislativa em homenagem à adesão do deputado à nossa causa".
Como se constata, o discurso do deputado Ângelus Figeira abre uma rede de significados. Ora, significados reagem historicamente sobre outros códigos da língua. E como a língua comanda os discursos, taí o discurso da Associação Chico Inácio a conclamar uma posição do ilustre parlamentar, extensivo a quem tem responsabilidades de legislar pelo povo, para o povo e com o povo, não necessariamente nesta ordem.
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