junho 25, 2008

Leia a carta que resultou no afastamento do enfermeiro Ildebrando do único CAPS de Manaus

Nota do blog: O enfermeiro Ildebrando Leite - único enfermeiro do Centro de Atenção Psicossocial Silvério Tundis, situado no bairro de Sta. Etelvina, em Manaus - depois de ter sido afastado de suas funções por reivindicar melhorias de condições de trabalho, enviou o documento abaixo para o Conselho Estadual de Enfermagem e o Ministério Público do Amazonas. Trata-se da mesma carta que motivou seu afastamento. Leia e faça seu juízo próprio. E que sejam ouvidas as partes.

À Direção do CAPS Silvério Tundis

Como Enfermeiro, venho, por meio deste, reivindicar melhorias nas condições de trabalho da referida instituição.

O trabalho em equipe é primordial em qualquer Unidade de Saúde, principalmente, nesta a qual é tida como espelho para reforma psiquiátrica local, já que se trata do primeiro serviço substitutivo da rede de atenção integral a saúde mental na cidade de Manaus. Porém, este trabalho de parceria multiprofissional e interdisciplinar tem sido prejudicado pelo déficit de recursos humanos capacitados, materiais inerentes à atividade de enfermagem (estetoscópio, suporte para soro, esfignomanômetro, kits de primeiros socorros, leitos, cadeira de rodas, bandeja, carro de urgência e emergência e medicação de uso regular e de atendimento imediato na crise, acessórios para conforto técnico), e outros insumos gerais para o mínimo funcionamento, como alimentação para o usuário e higienização adequada da instituição.

Apesar de todo esforço da equipe e da direção no intuito de manter o serviço funcionando 24 horas, convivemos em constante exposição a acidentes, pois a clientela que a unidade se propõe a atender pode vir a entrar em sofrimento psíquico mais intenso (crise / surto psiquiátrico) a qualquer momento encontrando-se em estrutura física inadequada com a presença de vidraças, portas frágeis, além da falta de recursos humanos qualificados, expondo a vida de usuários, familiares e equipe que coloca sua carreira profissional em risco por algo que pode e deve ser prevenido. Pontuamos ainda o déficit na segurança do CAPS Silvério Tundis que se torna uma instituição vulnerável à violência externa relacionada a furtos e assaltos.

Em relação à equipe de enfermagem esta se encontra completamente desfalcada em seu quadro funcional. Além do número insuficiente do profissional técnico de enfermagem, apenas 13 para todos os turnos, temos somente 01 enfermeiro no período noturno, ficando a equipe de enfermagem sem nenhuma supervisão do profissional responsável na maioria dos turnos. Além da impossibilidade de interação da enfermagem com os demais profissionais do corpo técnico.

Além destes transtornos, a equipe de enfermagem ainda atua, diariamente, em outras áreas que não são atribuições de sua competência técnica, como lavar, secar e passar roupas dos usuários, faxinar, cozinhar e também assumir serviço de vigilância. Tudo isto para suprir a demanda de outros profissionais com os quais não foi contemplado o CAPS. Outro agravante é a ausência de profissional médico durante as 24 h de funcionamento, levando a enfermagem ao dilema de executar ou não a prescrição médica quando esta não está por escrito.
Tal situação está em completo desacordo com o Código de Ética da Enfermagem. E o estado como referencial e orientador das leis, exemplo para todos os seus cidadãos, através de seus representantes, compete-lhe o dever de atentar-se para as Demandas do Serviço . Sendo um profundo conhecedor da realidade, em que nos encontramos, não pode continuar a compactuar com esta.

A enfermagem como um todo, exime-se da responsabilidade de tais erros gravíssimos e do comprometimento das ações prestadas, assim como da ocorrência de acidentes ou iatrogenias decorrentes do mau atendimento a que se submeteu prestar esta instituição.
Seguem, em anexo, os preceitos éticos e legais do Código de Ética e Profissional da Enfermagem que delimitam, de forma clara, as irregularidades supracitadas.

Grato,

Manaus, / /

___________________
Ildebrando Leite de Souza


Resolução COFEN-146/1992

Normatiza em Âmbito Nacional a obrigatoriedade de haver Enfermeiro em todas as unidades de serviço onde são desenvolvidas ações de enfermagem durante todo funcionamento da instituição de Saúde

Art. 1. Toda instituição onde exista unidade de serviço que desenvolva ações de Enfermagem deverá ter Enfermeiro durante todo período de funcionamento da Unidade.


Resolução COFEN-189/1996

Estabelece parâmetros para dimensionamento do Quadro de profissionais de Enfermagem nas instituições de saúde

Art. 5. A distribuição percentual, do total de profissionais de Enfermagem, deverá observar as seguintes proporções, observando o Sistema de Classificação de Pacientes (SCP):

1- Para assistência mínima e intermediária, 27% de Enfermeiros (mínimo de seis) e 73% de técnicos e Auxiliares de Enfermagem.


Resolução COFEN-225/2000

Dispõe sobre cumprimento de prescrição medicamentosa/Terapêutica à distância.

Art. 1. É vedado ao profissional de Enfermagem aceitar, praticar, cumprir ou executar prescrições medicamentosas/terapêuticas, oriundas de qualquer Profissional da Área de Saúde, através de rádio, telefonia ou meios eletrônicos, onde não conste a assinatura dos mesmos.
Art. 2. Não se aplica ao artigo anterior as situações de urgência, na qual, efetivamente, haja iminente e grave risco de vida do cliente.


Resolução COFEN-240/2000

Aprova o Código de Ética dos profissionais de Enfermagem e dá outras providencias.

Capítulo I: Dos Princípios Fundamentais

Art.1. A Enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde do ser humano e da coletividade. Atua na promoção, proteção, recuperação da saúde e reabilitação das pessoas, respeitando os preceitos éticos e legais.

Capítulo II: Dos Direitos

Art. 7. Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência legal.

Art. 10. Participar de movimentos reivindicatórios por melhores condições de assistência, de trabalho e renumeração.

Art. 11. Suspender suas atividades , individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Enfermagem.

Capítulo III: Das Responsabilidades

Art. 16. Assegurar ao cliente uma assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligencia ou imprudência.

Art. 17. Avaliar criteriosamente sua competência técnica e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho seguro para si e para a clientela.

Capítulo IV: Dos Deveres

Art. 21. Cumprir e fazer cumprir os preceitos éticos e legais da profissão.

Art.22. Exercer a enfermagem com justiça, competência e honestidade.

Art. 24. Prestar à clientela uma assistência de enfermagem livre dos riscos decorrentes de imperícia, negligencia e imprudência.

Art. 40. Comunicar ao Conselho Regional de Enfermagem fatos que infrinjam preceitos do presente Código e da Lei do Exercício Profissional.

Art. 41. Comunicar formalmente ao Conselho Regional de Enfermagem fatos que envolvam recusa ou demissão de cargo, função ou emprego, motivados pela necessidade do profissional em preservar os postulados éticos e legais da profissão.
Capítulo V: Das Proibições

Art. 51. Prestar ao cliente serviços que por sua natureza incubem a outro profissional, exceto em caso de emergência.

Art. 58. Determinar a execução de atos contrários ao Código de Ética e demais legislações que regulamentam o exercício profissional da Enfermagem.

Art. 59. Trabalhar e/ou colaborar com pessoas físicas e/ou jurídicas que desrespeitem princípios éticos de Enfermagem.

Capítulo VI: Dos Deveres Disciplinares

Art. 71. Cumprir as normas dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem.

Art. 73. Facilitar a fiscalização do exercício profissional.


Capítulo VII: Das Infrações e Penalidades

Art. 80. Considera-se infração a ação, omissão ou conivência que implique em desobediência e/ou inobservância às disposições do Código dos Profissionais de Enfermagem.

Art. 81. Considera-se infração disciplinar a inobservância das normas dos Conselhos Federal e Regionais de Enfermagem.

Art. 82. Responde pela infração quem a cometer ou concorrer para sua prática, ou dela obtiver benefício, quando cometida por outrem.

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2 comentários:

José Eldo Elvis disse...

O Brasil deve se orgulhar deste enfermeiro, deste cidadão de fato e de direito. Soube expor com coragem e clareza todos os problemas do seu setor e buscou tão somente a melhoria dos servicos a serem prestados.

Foi punido pela sua honestidade e porque criticou o que há de errado. Muita gente irá ficar contra a sua atitude por ver nela um ato de burrice, já que isso ocasionou o seu afastamento do trabalho. Se todos nós, quando víssemos algo errado acontecendo por cada instituicão pública por qual passamos, o nosso país seria outro. Muito melhor com certeza.

Que o povo de Manaus apóie o enfermeiro Ildebrando Leite.

Elvis Pinheiro, estudante do curso de Letras - Ceará.

PICICA disse...

Meu caro Elvis, graças a dois artigos deste blogueiro - publicados no jornal Amazonas em Tempo - o enfermeiro Idelbrando continua trabalhando no CAPS. Conseguimos reverter o processo de demissão, arbitrário e injusto.