junho 14, 2008

Paulo José Cunha escreve sobre o sucesso do Salão do Livro do Piauí

Teresina - Piauí
O sucesso do Salão do Livro do Piauí
ou
Adeus, Salip?


Paulo José Cunha*

Primeiro, Ignácio me fez rir. Depois, Thiago me fez chorar. Soube que Frei Beto havia ensinado na véspera que, se não há o que dizer, é melhor não escrever. Edmar Oliveira mostrou a genialidade escondida nos delírios dos doidos do Instituto Nise da Silveira, no Rio de Janeiro. Washington Novaes e sua voz de caverna me fez temer pelos destinos do planetinha azul que nos acolhe. E eu me diverti botando o espelho, ou melhor, o piauiês, na frente de todos, e todos se viram refletidos no espelho de suas palavras e expressões, e riram de si mesmos, e se orgulharam de ser piauienses, e de ter uma linguagem especial que os define.

Todos os palestrantes, de Ignácio de Loyola Brandão, Domício Proença, Thiago de Melo, Alberto da Costa e Silva a Sérgio Natureza, Salgado Maranhão, Márcio Souza; do cubano López Sacha ao norte-americano Stephen Bockskay, passando pela ginga do violão de Guinga e pelos dós, rés e mis de Rosinha Amorim e Vavá Ribeiro, de todos eles ficou um pouco. E o Salão do Livro do Piauí colocou mais um tijolo em nossa auto-estima. Foi muito, muito bacana! Porque, convenhamos, realizar um Salão do Livro em Passo Fundo, no Rio Grande do Sul ou em Paraty, no Rio de Janeiro, com verba gorda e cachês generosos, é uma coisa. Outra, bem diferente, é fazer um Salão do Livro no Piauí, contando apenas com a capacidade de multiplicar um real por mil sorrisos, um gordo cachê pelo “muito obrigado” dos ilustres palestrantes que se jogaram de suas terras pelo prazer da convivência com pessoas ávidas por ouvir, e por isso aproveitam com atenção cada vírgula que escutam.

Já é o terceiro ano que participo, e a cada edição mais me emociona ver nos olhos da moçada que aflui em massa ao auditório do Centro de Convenções de Teresina essa vontade inexplicável de ver, sentir, participar, conhecer – saber. Tietagem? Claro que tem. Ora, se tem em Passo Fundo e Paraty, por que não teria em Teresina? Holofotes sobre os famosos? Autógrafos? Frescuras em geral? Óbvio badalante. Na sociedade do espetáculo, onde existir fama existirá tietagem. E veja que isso não chega a ser ruim: prova apenas o apreço do povo aos artistas e escritores, e o agradecimento pelo trabalho de quem cria e produz. Sim, irritei-me um pouco com uma certa banalização das palmas, que surgem do nada, a cada pausa do palestrante. Cópia do que ocorre nos programas de auditório da tv, onde a manada de espectadores é adestrada a plantar uma mão na outra toda vez que um letreiro luminoso, acima de suas cabeças (que os de casa não vêem), se acende e determina: PALMAS!

Mas, e daí? Como diria Paulinho da Viola, “as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”. Que batam palmas e pequem por excesso. Pior seria não baterem, inibindo os oradores. Nesse pique, o Salão do Livro do Piauí já não aprende – ensina a arte de transformar penúria em riqueza cultural, converter dificuldade em força, adversidade em alegria. O Salip ensina, sim senhor, como fazer um milagre. Ou vários. Como é que eles fazem isso? Respondo em bom piauiês: dois cu véi que não sabe.

Os maestros do espetáculo, Wellington, Cineas, Nilson e Romero, mereciam estátuas pelo que vêm fazendo em prol da educação e da cultura do Piauí. Melhor esquecer: não aceitariam. Sabem que os pombos sempre cagam nas estátuas, como também sabia o querido H. Dobal, que este ano cometeu a descortesia de não comparecer, alegando motivos superiores. Fez uma falta danada.

Agora, gostoso mesmo era observar o carinho e a curiosidade com que a molecada das escolas que compareceu em peso ao Salip se relacionava com as obras expostas pelas livrarias. Logo eu, que me acuso de ser fotógrafo, fui esquecer da máquina fotográfica justo no dia em que, ao passar por entre os stands, vi uma cena inesquecível: cinco meninas aí por volta de seus 10 anos, espremidas num único banco, alheias ao alarido m volta, cada uma lendo atenciosamente um livro. Pareciam ensaiadas para uma foto-síntese do Salão, boa pra virar out-door. Deve ter sido coisa encomendada por esse diabo branco que além de diabo é doido, brabo e malcriado, e atende (quando atende) pela alcunha de Cineas Santos.

De volta a Brasília, só me resta um agradecimento pelo convite e pela oportunidade de mais uma vez me deixarem ir a Teresina (como bem ressaltou Edmar Oliveira, voltar a Teresina é fundamental para o reabastecimento das baterias de piauienses exilados, como é o nosso caso). E uma reclamação aos poderes constituídos. Considerando que o Salip tornou-se um dos mais importantes cartões-de-visitas do estado, é bom tomar algumas providências, todas urgentes. A primeira é destinar o dobro, o triplo, quem sabe o quádruplo (e ainda será pouco) de recursos para sua realização, a fim de melhorar a infra-estrutura, a divulgação, as atrações, tudo. A segunda é mandar realizar uma ampla reforma – quem sabe uma ampliação – do Centro de Convenções, onde o Salão acontece – ou melhor: se espreme. Não foram poucas as reclamações que ouvi, em razão das poltronas estragadas, dos equipamentos obsoletos, da precariedade do som, do aspecto geral de abandono. Um Salão do Livro que recebe figuras da estatura intelectual como as citadas, precisa cuidar para que essas pessoas saiam de lá com uma boa impressão da gente. Até hoje, que eu saiba, ninguém reclamou das condições precárias do Centro de Convenções. Nem tocam no assunto, só escrevem elogios. Agem assim, com certeza por educação, ou extasiados por terem assistido ao vivo a alguns milagres.

Advertência: Cineas, Nilson, Romero e Wellington já provaram que conhecem o segredo de Fátima. Como não estão atrás de canonização, um dia podem encher o saco de tanto fazer milagre.

E aí, adeus Salip.

*Paulo José Cunha é jornalista, poeta, escritor. É o autor da “Grande Enciclopédia Internacional de Piauiês”.
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