LIMBO
Aníbal Beça ©
“Obstipui steteruntque comae et uox faucibus haesit” (III, 19-48) Virgilio
Já tenho à mão os juros recolhidos
rescaldo amargo e salvo do canteiro
na colheita incendiada pelos ritos.
Nada mais resta, a pele, o nevoeiro
dos olhos, a voz vesga, o pé restrito.
As pegadas revoltas lambem beiras
sem mais as eiras de ontem, meus conflitos.
Sereno sigo o ócio no sendeiro
àquele enviesado dos aflitos.
O muito que me viu aventureiro
escapa pelas frestas sem ter visto
ao menos o percurso viageiro
do chão de longo curso dos malditos.
O mar que mora em mim é o carcereiro
mar salgado de amar o amor rendido.
E por amar o mar sou prisioneiro
das causas e das coisas dos proscritos
bandidos renitentes, escudeiros
das sombras e das trevas não contritos
réus confessos de sonhos traiçoeiros
da paixão derruída nos seus ditos.
O mar que me ficou é estrangeiro
longínquo mar azul mar infinito
rumorejadomardeamorromeiro.
O tal amarantíssimo sabido
no andor de ondas de vôo condoreiro
de romântico aroma sobrescrito.
O longe em longa légua onde levito
no céu dessa memória um estradeiro
de passada apressada e aí inscrito
Ó oceano atlântico parceiro
que navegaste o corpo desmedido
de náiades sereias sem roteiro
deixa-me águas pacíficas, ruídos
calmos, de nado lasso sem banzeiros
que é falho agora o fôlego do espírito!
O corpo sai da chuva e do braseiro
para atirar-se em neutra arca no limbo
sem ter Caronte ao leme timoneiro.
Minha voz na distância vai perdida
em sussurro. E meus lábios são herdeiros
daquela fala leve dissolvida.
Na lembrança, quem sabe, um som fronteiro
possa enfim me acercar da pausa comedida
em que o silêncio pousa derradeiro.
3 comentários:
posso pegar emprestado este post pro Ponto de Cultura Itinerante?
abraço,
Acqua
Querida Acqua, você está autorizadíssima a tomar emprestado qualquer post deste blog.
Forte abraço,
Rogelio Casado
Obrigada Dr. Rogélio, mas creio que no momento vou me abster de emitir qualquer opinião sobre qualquer assunto...creio ser mais prudente.
Abraço,
Acqua
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