novembro 24, 2009

Modelos contraditórios

Abraço simbólico pelo fim dos manicômios
Foto: Rogelio Casado - Manaus - Amazonas - Brasil, 18.maio.2007

Modelos contraditórios

Entre 1980-1981 fui diretor clínico do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro. As conquistas desse período da Reforma Psiquiátrica foram registradas nos livros “Cidadania e Loucura”, num artigo de Pedro Gabriel Delgado, e “Psicologia e Terapia Ocupacional”, de Gilberto Verardo Moulard.

O primeiro registro é político-ideológico: a luta pela substituição do modelo asilar e sua tecnologia. O segundo é teórico-técnico: a transformação radical do campo da saúde mental pela terapia ocupacional. Ambas as esferas são indissociáveis.

Foi a firmeza do movimento dos trabalhadores de saúde mental, e das práticas que tentaram desmontar o modelo asilar, que pôs abaixo o cenário de horror do hospício amazonense.

O desmonte ficou no meio do caminho, devido uma assustadora inércia institucional. Só no governo Eduardo Braga resgatamos parte das pulsações da história da reforma psiquiátrica, abrindo espaço para a implantação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial de Manaus, apesar da torcida contrária.

Hoje temos dois modelos contraditórios de saúde mental: um no qual o sujeito é refém da especialidade e da expectativa de eficácia da medicação psiquiátrica, no qual vigora saberes e práticas cristalizadas. Nesse contexto, articular novos meios visando fins terapêuticos concorre para uma perigosa produção subjetiva: a de que é possível humanizar o hospital psiquiátrico. Com a ressignificação do imaginário social sobre o papel dessa instituição de controle, teríamos um desserviço à reforma psiquiátrica antimanicomial que queremos.

O segundo pode operar como fator de avanço das práticas antimanicomiais, em que sujeitos em tratamento são mobilizados a considerar que a loucura não é um fenômeno individual, mas social. Daí porque familiares são parte integrante dos projetos terapêuticos. Conflitos são constitutivos do humano, designam a posição do sujeito. O lugar sociocultural da loucura ganha nova dimensão.

É neste segundo modelo, chamado psicossocial, que os ambientes assumem importância. São nos ambientes socioculturais que a palavra e a ação do homem assumem novas possibilidades de administrar conflitos. Neles o sujeito com transtorno psíquico em vez de sofrer os efeitos do conflito reconhece que é um dos implicados na produção do sofrimento. Neste modelo, o sujeito pode ser o agente da mudança, negado no outro modelo.

Reposicionar o sujeito em sua subjetividade e promover a desinstitucionalização da loucura não se faz sem a construção de uma consciência crítica do modelo manicomial. Caso contrário, é obra pra inglês ver.

Manaus, Novembro de 2009.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Saúde & Bem Estar do jornal Amazonas em Tempo.
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