novembro 19, 2009

Carta de Anita Leocádia ao Presidente Lula

Anita Leocádia
Foto postada em alerj.rj.gov.br

Nota do blog: Manaus não tinha duzentos mil habitantes, morava na rua Frei José dos Inocentes, tinha por volta de 11 a 12 anos de idade, quando li um livro chamado "À Luz de Velas". Em frente da minha cama, ficava a biblioteca da família, tão cuidadosamente cultivada por meu pai, meu maior incentivador da leitura. O livro trata de personagem da história da república, dos mais fascinantes. Durante 3 meses o reporter Mário de Moraes procurava pelo "Cavaleiro da Esperança", Luiz Carlos Prestes. Toda a Imprensa e Polícia brasileiras desejavam encontrar o líder comunista brasileiro. "Luz de Vela" é o outro lado das reportagens que não chegam ao conhecimento público. Mário de Moraes conta o que foi e o que não foi publicado dessas e outras histórias. Além de Luiz Carlos Prestes, dois outros nomes jamais sairiam da minha memória: Olga Benário e Anita Leocádia. Olga morreria na câmara de gás nazista, face a pusilanimidade do governo Getúlio Vargas. Sua filha Anita seria resgatada com vida, graças a força da solidariedade internacional. No momento em que a mídia hegemônica brasileira confunde a opinião pública sobre o papel constitucional do presidente da república, a quem cabe como magistrado supremo do país decidir sobre o destino de Cesare Battisti, nós brasileiros esperamos de Lula o mais fiel compromisso com os direitos humanos, única forma de por fim a uma farsa moral sustentada pelas forças mais retrógadas deste país.

Exmo. Sr. Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Na qualidade de filha de Olga Benário Prestes, extraditada pelo Governo Vargas para a Alemanha nazista, para ser sacrificada numa câmera de gás, sinto-me no dever de subscrever a carta escrita pelo Sr. Carlos Lungarzo da Anistia Internacional, na certeza de que seu compromisso com a defesa dos direitos humanos não permitirá que seja cometido pelo Brasil o crime de entregar Cesare Battisti a um destino semelhante ao vivido por minha mãe e minha família.

Atenciosamente,

Anita Leocádia Prestes

***

CARTA ABERTA
AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR
LUÍS INÁCIO LULA DA SILVAPRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASILSUPREMO MAGISTRADO DA NAÇÃO BRASILEIRAAO POVO BRASILEIRO

"Trinta anos mudam muitas coisas na vida dos homens, e às vezes fazem uma vida toda". (O homem em revolta - Albert Camus)

Se olharmos um pouco nosso passado a partir de um ponto de vista histórico, quantos entre nós, podem sinceramente dizer que nunca desejou afirmar a própria humanidade, de desenvolvê-la em todos os seus aspectos em uma ampla liberdade. Poucos. Pouquíssimos são os homens e mulheres de minha geração que não sonharam com um mundo diferente, mais justo.

Entretanto, frequentemente, por pura curiosidade ou circunstâncias, somente alguns decidiram lançar-se na luta, sacrificando a própria vida.

Minha história pessoal é notoriamente bastante conhecida para voltar de novo sobre as relações da escolha que me levou à luta armada. Apenas sei que éramos milhares, e que alguns morreram, outros estão presos, e muito exilados.

Sabíamos que podia acabar assim. Quantos foram os exemplos de revolução que faliram e que a história já nos havia revelado? Ainda assim, recomeçamos, erramos e até perdemos. Não tudo! Os sonhos continuam!

Muitas conquistas sociais que hoje os italianos estão usufruindo foram conquistadas graças ao sangue derramado por esses companheiros da utopia. Eu sou fruto desses anos 70, assim como muitos outros aqui noBrasil, inclusive muitos companheiros que hoje são responsáveis pelos destinos do povo brasileiro. Eu na verdade não perdi nada, porque não lutei por algo que podia levar comigo. Mas agora, detido aqui no Brasil não posso aceitar a humilhação de ser tratado de criminoso comum.

Por isso, frente à surpreendente obstinação de alguns ministros do STF que não querem ver o que era realmente a Itália dos anos 70, que me negam a intenção de meus atos; que fecharam os olhos frente à total falta de provas técnicas de minha culpabilidade referente aos quatro homicídios a mim atribuídos; não reconhecem a revelia do meu julgamento; a prescrição e quem sabe qual outro impedimento à extradição.

Além de tudo, é surpreendente e absurdo, que a Itália tenha me condenado por ativismo político e no Brasil alguns poucos teimam em me extraditar com base em envolvimento em crime comum. É um absurdo, principalmente por ter recebido do Governo Brasileiro a condição de refugiado, decisão à qual serei eternamente grato.

E frente ao fato das enormes dificuldades de ganhar essa batalha contra o poderoso governo italiano, o qual usou de todos osargumentos, ferramentas e armas, não me resta outra alternativa a não ser desde agora entrar em "GREVE DE FOME TOTAL", com o objetivo de queme sejam concedidos os direitos estabelecidos no estatuto do refugiado e preso político. Espero com isso impedir, num último ato dedesespero, esta extradição, que para mim equivale a uma pena de morte.

Sempre lutei pela vida, mas se é para morrer, eu estou pronto, mas, nunca pela mão dos meus carrascos. Aqui neste país, no Brasil, continuarei minha luta até o fim, e, embora cansado, jamais vou desistir de lutar pela verdade. A verdade que alguns insistem em não querer ver, e este é o pior dos cegos, aquele que não quer ver.

Findo esta carta, agradecendo aos companheiros que desde o início da minha luta jamais me abandonaram e da mesma forma agradeço àqueles que chegaram de última hora, mas, que têm a mesma importância daqueles que estão ao meu lado desde o princípio de tudo. A vocês os meus sinceros agradecimentos. E como última sugestão eu recomendo que vocês continuem lutando pelos seus ideais, pelas suas convicções. Vale a pena!

Espero que o legado daqueles que tombaram no front da batalha não fique em vão. Podemos até perder uma batalha, mas tenho convicção de que a vitória nesta guerra está reservada aos que lutam pela generosa causa da justiça e da liberdade.

Cesar Battisti
Posted by Picasa

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