dezembro 08, 2009

Grilagem de terra na Amazônia, por Egydio Schwade

Foto postada em farm1.satatic.flickr.com
Nota do blog: A caminho da cachoeira de Urubuí, no município de Presidente Figueiredo (AM), encontra-se esse desmonumento à causa indígena. Poucos conhecem a trágica história da construção da estrada Manaus-Caracaraí, que atravessou o território indígena Waimiri-Atroari, sob a qual tombaram centenas de indígenas. Tenho a honra de ter postado vários artigos de Egydio Schwade neste blog, que conhece a história da região como poucos. Pelos seus textos, sabemos de ontem o genocídio; hoje, a grilagem. A luta continua!

GRILEIROS PAULISTAS INVADIRAM AMAZÔNIA COMO SE FOSSE VAZIO DEMOGRÁFICO

Constituição violada, terras de índios Waimiri-Atroari griladas, centenas de famílias de pequenos agricultores do município de Presidente Figueiredo há mais de 20 anos vivendo na angústia, ameaçados de despejo de suas posses. Este é parte do prejuízo causado pelos irmãos Sérgio e Fernando Vergueiro, Rua Estados Unidos, 746/SãoPaulo/capital, com apoio do Governador biônico Danilo Areosa e seus sucessores: José Lindoso, Gilberto Mestrinho, Amazonino Mendes e Eduardo Braga.

Perfil dos grileiros. Fernando e Sérgio Vergueiro, respectivamente advogado e Engenheiro-agrônomo, com cursos de extensão na Southwestern Louisiania University e cursos de administração de empresas de crédito imobiliário pela USAID, excelente ambiente para especialização em grilagem de terras, pois como se sabe, os norte-americanos sempre tem sido os maiores especialistas no assunto. Em 1967 os irmãos Vergueiro fizeram a sua primeira experiência de grilagem de terras no Noroeste de Mato Grosso entre os rios Sangue e Arinos em terras dos índios Irantxe, Beiços-de-Pau e Rikbaktsa com a criação da fazenda Agropecuária Agrosan, frequentemente acusada por uso de mão-de-obra escrava, a Membeca e outras. Até 25-01-71 já haviam realizado 43 projetos de grilagem de terras na Amazônia e naquele ano de 1971 ambicionavam conseguir realizar outros 40, conforme o jornal BANAS, entusiasta deste tipo de ação ilegal. Entre 1967 e 1971 expandiram o seu escritório de São Paulo para Cuiabá, Belém, Brasília e Manaus e através de suas empresas, a Vergueiro Planejamentos e Serviços Ltda. e a Módulo Corretora de Câmbio e Valores, captou recursos de incentivos fiscais na ordem Cr$ 352,5 milhões.

A estratégia desses grileiros foi a seguinte:

1. Apresentar “uma diretriz para o desenvolvimento da região”, essa “vastidão continental do vazio amazônico” – na expressão deles.

2. Agir ou criar fatos consumados, isto é invadir o que eles consideravam “vazio amazônico”. (Assim grilaram milhares de hectares no Mato Grosso, no Pará e no Amazonas).

3. Só depois ir atrás dos documentos ou “conquistar a lei”. No caso do Amazonas, invadiram a região do Alto rio Urubu e Uatumã, terra do hoje município de Presidente Figueiredo, como se fosse terra de ninguém e como se fosse terra deshabitada. Entre 1968 e 1969 os Vergueiro sobrevoaram este território, delimitando toda a área que lhes interessava. Em 1970 fizeram uma “demarcação” milagrosa de 86 lotes de 3 a 5.000 hectares cada um sem respeitar cursos de rios e nem terras indígenas. Só em maio daquele ano demarcaram 53 lotes para “proprietários”, em sua maioria paulistas, sem interesse algum pela região, além do de fazer de conta que estavam aplicando dinheiro de incentivos fiscais na região amazônica, imposto devido ao povo brasileiro. Em dezembro de 1970, completada a “demarcação”, Sérgio Vergueiro foi a Belém já “no último momento” do ano, para apresentação dos projetos à SUDAM-Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia. “Havia conseguido reunir em consórcio todos os técnicos de mais alto gabarito da Amazônia. O `pool` dos homens que têm a vivencia do desenvolvimento amazônico.”(Banas, 25-01-71)

Entretanto, em nenhum documento consta que de fato a SUDAM tenha aprovado os projetos, ao contrário, pelos encaminhamentos seguintes fica claro que a SUDAM exigiu dos Vergueiro a “certidão negativa”, (exigência para aprovação de qualquer projeto na Amazônia), pois em janeiro/71 Fernando Vergueiro entrou pedido de certidão negativa na FUNAI em Manaus. A FUNAI, por sua vez, solicitou parecer de Gilberto Pinto Figueiredo Costa, funcionário muito familiarizado com a região. O parecer de Gilberto veio no dia 11 de fevereiro de 1971. Opina “contrariamente à concessão da certidão negativa” citando explicitamente as agropecuárias que se localizam “entre 1º.14’ e1º.21’ S latitude e 60º.17’ e 60º.17’ W longitude. São elas: SantaInês, Vila Rica, Santa Cruz, Pérola, Delta, Rio Negro, Igapó e Gramado.

A opinião de Gilberto Pinto foi endossada no mesmo dia 11 de fevereiro pelo chefe da 1ª. Delegacia Regional e pelo Diretor do Departamento Geral do Patrimônio indígena da 1ª. Delegacia Regional da FUNAI com sede em Manaus, respectivamente, Benivaldo do Nascimento e Clodomiro Fortes Flores.

O processo dos grileiros, junto com o parecer da 1ª. DR., seguiu à Brasília e no dia 19 de fevereiro de 1971, o Diretor do Departamento Geral do Patrimônio Indígena Paulo Monteiro Santos, encaminhou ao Presidente da FUNAI a proposta definitiva de negação da certidãon egativa, solicitando do Presidente do órgão que a mesma seja encaminhado ao Sr. Fernando Vergueiro, porta-voz dos grileiros. O documento incluiu ainda outras fazendas em situação igualmente irregular que não constam no documento de Gilberto Pinto, como Yamame, Agro Vargas, Santa Paula...

Finalmente, no dia 24 de fevereiro de 1971, o Gal. Oscar Jerônimo Bandeira de Mello, Presidente da FUNAI, encaminhou o Oficio 30/DGPI, ao Sr. Fernando Vergueiro, autor dos requerimentos, indeferindo, ou seja, negando a concessão do documento solicitado pelas agropecuárias. Mas os irmãos Vergueiro não pararam de agredir a lei. Voltaram-se então, sobre os governos estadual e municipais, onde conseguiram títulos terra como consta de documentos do INCRA. Títulos sem validade alguma, pois se tratava de terras da União, impossíveis de serem alienadas pelo Estado e muito menos pelo município. Por tudo isso, é preciso que desconfiemos de todas as autoridades, municipais, estaduais ou federais que consideram validos, ainda hoje, esses títulos e todos os demais gerados a partir deles.

Anulem-se já esses títulos podres, devolvam as terras à União para que sejam distribuídas a quem de direito.

Casa da Cultura do Urubuí/Presidente Figueiredo
Egydio Schwade
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