Nota do blog: Não tive o prazer de conhecer Thomaz Antônio da Silva Meirelles, apesar de termos estudado na mesma escola: Colégio Estadual do Amazonas. Tinha apenas cinco anos de idade quando ele já havia viajado para estudar no Rio de Janeiro. Conheci, sim, sua filha Larissa, no período em que ela retornou para viver em Manaus, nos anos 1980. Moça de forte personalidade, linda, meiga e inteligente. Nos anos 1970, havia conhecido a valente Miriam Marreiro, sua esposa. Fomos apresentados pelo meu professor de psiquiatria Ademar Aguirre, durante sua visita à Faculdade de Medicina, no Ambulatório Araújo Lima. Elegante e mais viva do que nunca. Na época ela trabalhava para a revista Pais & Filhos. Jornalista, foi torturada e conheceu os rigores do mercado de trabalho, intolerante para com os opositores do regime militar; daí sua gratidão ao Adolfo Bloch, único a lhe abrir as portas para o trabalho. Miriam é irmã de uma querida colega de profissão: Leny Marreiro, igualmente doce como a sobrinha Larissa. Homens do nosso tempo, que souberam dizer NÃO quando a história que lhes exigiu, costumam ter suas biografias subtraídas na história da república. Pior do que esse atentado à memória do país, é a manutenção da impunidade dos seus assassinos. Até hoje não se sabe o paradeiro dos restos mortais de Thomazinho. José Ribamar Bessa Freire emociona seus leitores ao resgatar parte da história desse ilustre amazonense. Para conhecer mais a biografia de Thomazinho, acesse Grupo Tortura Nunca Mais.
TAQUI PRA TI
A PAÇOQUINHA DA DONA MARIA
José Ribamar Bessa Freire
10/01/2010 - Diário do Amazonas
Se fores jovem, leitor (a), grava no bronze da tua memória este nome: Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto. Desafia, dessa forma, o ministro da Defesa Nelson Jobim e os comandantes militares, que não querem o funcionamento da Comissão da Verdade prevista no Programa Nacional de Direitos Humanos. Diz pra eles que a gente quer saber, entre outras coisas, o que aconteceu com o único amazonense incluído na lista oficial dos desaparecidos na ditadura militar.
- Eles tiraram duas vidas: a minha e a do meu filho. Eu não vivo mais. Hoje só estou vegetando. Eu não esqueço do meu filho nem um minuto. Meu filho era muito inteligente. Era educado. Um príncipe. Todos gostavam dele. Não quero indenização. O que quero é a verdade, nada mais, só quero saber onde está o meu filho - disse dona Maria Meirelles, em entrevista a Jocilene Chagas, em 1995.
Cadê o Thomazinho? Nascido em 1º de julho de 1937, em Parintins (AM), ele, já órfão de pai, mudou para Manaus, em 1950, onde estudou no Colégio Estadual do Amazonas. Viajou em 1958 para o Rio de Janeiro, e ali se destacou no movimento estudantil. Eleito secretário geral da UBES - União de Estudantes Secundaristas, em 1961, atuou no Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE. Em 1963, ganhou bolsa de estudos para estudar na Universidade Lomonosov, em Moscou.
Lá, encontrou uma menina de Manaus, do bairro de Aparecida, Miriam Marreiro, que estudava Direito na Universidade Patrice Lumumba. Com ela teve dois filhos: Larissa, nascida na Rússia, em 1963, e Togo, em 1967, no Brasil, para onde o casal voltou. O pai sequer acalentou o filho nos braços, pois foi logo preso e torturado. Larissa, que falava russo, ficou escondida na casa do ator Carlos Vereza, que conta:
- Uma vez fui à padaria comprar pão e ela começou a pedir doce em russo. Fiquei apavorado porque estávamos no auge da ditadura, e comecei a fingir que era pesquisa de som o que ela estava fazendo... ”.
Uma dor
Thomaz, libertado em 1973, entrou na clandestinidade. Foi aí que dona Maria viajou ao Rio. Queria ver o filho, fazer-lhe carinho, aliviar-lhe a dor. Acontece que, perseguido pela polícia, ele estava sempre mudando de esconderijo. O encontro aconteceu tarde da noite, num “ponto” de Copacabana, em fevereiro de 1973:
- Meu filho estava bastante machucado. Tinha muitas marcas no corpo. A gente cria um filho com tanto carinho para que sofra tanto. Ele deitou, colocou a cabeça no meu colo. Conversamos sobre as coisas de Parintins. Ele gostava de paçoca. Até uma paçoquinha levei para ele, feita por mim, no pilão.
Essa foi a última vez que dona Maria viu o filho. Alguns meses depois, em julho, a policia invadiu a casa de Miriam, levando-a para o DOI-CODI na Rua Barão de Mesquita, onde durante dois meses foi submetida à tortura. Quebraram-lhe a boca, os dentes e as pernas. Saiu da prisão amparada por um par de muletas. Mas não disse onde Thomaz estava.
Thomazinho, então dirigente da Ação Libertadora Nacional (ALN), continuou clandestino, até que caiu preso no dia 7 de maio de 1974, e nunca mais foi visto. O Arquivo do DOPS/SP guarda um documento que registra a data da prisão, efetuada “quando viajava do Rio para São Paulo”, o que foi confirmado por Relatório do Ministério da Marinha. Anos depois, o ‘Correio da Manhã’ (03/08/79) noticiou que Thomaz estava numa lista de 14 mortos. Mas somente em 1995, a Lei 9.140/95 o considerou oficialmente desaparecido. Seu corpo até hoje não foi localizado.
Os criminosos que torturaram e mataram presos políticos - como Thomaz Meirelles - permanecem impunes, protegidos por uma cortina de silêncio. Mas a discussão acaba de ser reaberta, com o decreto assinado pelo presidente Lula, no último 21 de dezembro, instituindo a terceira etapa do Programa Nacional de Direitos Humanos, que prevê a criação até abril de 2010 da Comissão Nacional da Verdade, encarregada de investigar torturas durante a ditadura militar, o que já deu certo em outros países.
Uma flor
O Lula assinou o decreto? Ah, Margarida, pra quê? O ministro da Defesa, Nelson Jobim, fantasiado com aquele uniforme verde-oliva de combate com o qual aparece nos telejornais e, apoiando os comandantes militares, decidiu peitar o Lula. Se fosse há 40 anos, dariam um golpe. Agora, ameaçam pedir demissão. Acham impertinência e revanchismo a gente perguntar o que aconteceu com o Thomazinho e exigir que seus torturadores sejam processados.
Outro “general” disfarçado de verde, Alfredo Sirkis, vereador do PV do Rio de Janeiro, concordou com Jobim e com os militares. Parece que a senadora Marina Silva está muito mal acompanhada. A Comissão da Verdade – escreve Sirkis - pode “reviver uma guerra que terminou há 30 anos, criar um elemento de discórdia na relação com as Forças Armadas, trazendo polarizações do passado para complicarem o presente”. Será?
Ou seja, o país não deve discutir seu passado para “não complicar o presente”. Alegam que a Lei de Anistia, de 1979, perdoou todos os crimes políticos, inclusive os cometidos por torturadores. Colocam ambos no mesmo saco. De um lado, os torturados, presos, condenados, perseguidos, mortos, que combatiam um governo militar, ilegítimo, cujos componentes ocuparam o poder à força, rasgando a Constituição e depondo o presidente eleito pelo voto popular. De outro, os torturadores, que sem nada sofrer e pagos pelo Estado tomado de assalto, cometeram crimes imprescritíveis contra a Humanidade.
Querem que a gente finja que não houve nada, que os assassinos de Thomaz já foram perdoados. Mas, perdoar a quem, se estão protegidos pelo sigilo da documentação? Dona Maria não sabe a quem perdoar. Os arquivos dos três centros de informações militares – CIE, CENIMAR e CISA – até hoje uma ‘caixa preta’, não foram recolhidos ao Arquivo Nacional, como manda a lei. Como anistiar quem nunca foi condenado, sequer identificado?
- Não é possível construir uma nação, se não formos capaz de perdoar – escreveu em 1882 o pensador francês Ernest Renan. É verdade. Mas perdoar não é apagar a memória. Ao contrário, só pode haver perdão, se houver a consciência da ofensa. Nessa disputa pela atualização da memória, grava, leitor (a), no teu bronze, o nome de Thomaz Meirelles. Compartilha a dor de suas mulheres: Maria, Miriam, suas irmãs Lea, Leny, Leda e Lygia, a filha Larissa, além de Togo. É uma forma de resistir, de dizer que não vamos esquecer a paçoquinha da dona Maria, que morreu há dois anos, sem saber onde colocar uma flor ou acender uma vela para o filho. Quando a Comissão da Verdade localizar o túmulo, nós faremos isso por ela.
PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
janeiro 11, 2010
Thomas Antônio da Silva Meirelles: Presente!
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2 comentários:
Gostei muito da matéria, fiquei curiosa para saber quem foi Thomas Meirelles Neto. Moro nessa rua, no bairro de Paciência.
Sou do Rio de Janeiro
Ana Caroline Rodrigues
A História não deve morrer,adorei a matéria,conheci a filha Larissa, Marreiro Meirelles, estivemos juntos na casa do grande amigo de seu pai, Carlos Vereza, se alguém souber por onde anda Larissa, por favor me informem, email wcdearaujo@hotmail.com
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