janeiro 06, 2011

O caso Battisti e os pecados da imprensa, por Celso Lungaretti

PICICA: "De resto, boa parte da mídia continua rotulando Battisti de terrorista, adjetivo que não encontra respaldo nas sentenças italianas (nelas só se fala em subversão contra o Estado) e, na pior das hipóteses, só se aplicaria a suas atividades até 1979."

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011


O CASO BATTISTI E OS PECADOS DA IMPRENSA

Celso Lungaretti (*)

Trecho de uma notícia publicada na edição de 05/01/2011 da Folha de S. Paulo:
"Alberto Torregiani, que perdeu o pai, Pierluigi, e ficou paraplégico em ação criminosa da qual Battisti participou, liderou ontem um ato de protesto em frente à Embaixada do Brasil em Roma".
Trecho de uma carta do professor universitário e membro da Anistia Internacional Carlos Lungarzo, que saiu no Painel do Leitor da mesma edição:
"Na sentença de 1988 da Corte d'Assise de Milão (Itália), com registro geral 49/84, na página 456, nas oito linhas finais, diz-se que foi 'definitivamente accertato' (em italiano no original) que o ataque contra Torregiani foi feito por [Sebastiano] Masala, [Sante] Fatone, [Giuseppe] Memeo e [Gabrieli] Grimaldi. Nenhum dos mencionados se chama 'Battisti'.
Todos os documentos disponibilizados pela Itália (que são apenas uma parte) podem ser encontrados no endereço www.vittimeterrorismo.it.
O filho de Torregiani, Alberto, declarou que Battisti não estava no local, e que a bala que o feriu foi disparada por erro por seu pai. Isso pode ser lido no livro 'Génération Battisti', escrito pelo jornalista francês Guillaume Perrault, que não tem nenhuma simpatia por Battisti (pág. 188)".
A Folha não lê a Folha?
Há mais de um ano, em outubro de 2009, eu desmascarei Alberto Torregiani, revelando que:
  • ele admitira anteriormente à Agência Ansa que Battisti não estava entre os atacantes do pai;
  • ele tinha interesse em aparecer no noticiário, já que escrevera um livro choramingas sobre seu sofrimento como órfão e tentava, a partir da repercussão desse livro, deslanchar uma carreira política, em agrupamento assumidamente neofascista.
Então, enviei a grandes jornais e à agência noticiosa Ansa tais esclarecimentos, sem que fossem publicados e sem que me fosse dado qualquer retorno.

E as notícias em que Alberto Torregiani, estimulando malentendidos, pega carona no Caso Battisti para se manter em evidência, continuam vindo da Itália e sendo servilmente aproveitadas pela imprensa brasileira, sem que os editores da Agência Ansa e dos jornais que eu alertei tomem qualquer providência para posicionar melhor a questão.

Convém aos interesses dominantes apresentar Torregiani como uma evidência da  maldade  de Battisti, pouco importando que a versão seja falsa.

Assim como convinha aos nazistas apresentarem os judeus como culpados do incêndio do Reichstag.

JORNALÃO DETURPA BIOGRAFIAS E "CANCELA" LEIS

O outro jornalão paulista conseguiu se desmoralizar ainda mais, estuprando a verdade num editorial em que afirma ter sido Cesare Battisti sempre um criminoso comum.

Nem o mais virulento linchador midiático, Mino Carta, ousou ir tão longe.

Fanático simpatizante do Partido Comunista Italiano, Mino tudo fez para queimar o arquivo vivo chamado Cesare Battisti, o escritor que estava trazendo à tona o papel infame assumido pelo PCI durante os anos de chumbo.

Foi quando os comunistas mancomunaram-se com a reacionária, corrupta e mafiosa Democracia Cristã para chegarem ao poder e o utilizaram da pior maneira possível, colocando-se na linha de frente da perseguição macartista à ultra-esquerda -- marcada pela introdução de leis caracteristicamente de exceção (como denunciou o grande Norberto Bobbio), orquestração de farsas judiciais e prática abrangente de torturas, mais fáceis de serem relegadas ao esquecimento porque lá os porões não tinham poder de vida e morte sobre as vítimas (daí sua dramaticidade ter sido menor...).

Obcecado em desacreditar o escritor e desobstruir os caminhos para que fosse despachado para a Itália e lá silenciado, Mino chegou até a encampar a infãmia inventada pela repressão italiana, de que Battisti seria um criminoso comum convertido à revolução no presídio.

Ou seja, falaciosamente apontou o ingresso de Cesare no grupo Proletários Armados pelo Comunismo como marco inicial do seu engajamento na esquerda, omitindo que era neto, filho e irmão de comunistas, tendo militado anteriormente na Juventude do PCI e nos grupos A Lotta Continua  e Autonomia Operária. Os pequenos furtos que os jovens militantes cometiam para sustentar a causa foram, por sinal, o motivo de sua prisão.
Enfim, até para não conflitar com as sentenças dos dois julgamentos italianos de Battisti, Mino não se atreveu a ir além disto.
O Estadão, entretanto, não teve tais escrúpulos, mentindo da forma mais descarada possível, a ponto de afirmar que Battisti teria estado escondido na França, e não protegido pela Lei Mitterrand das perseguições italianas, como tantos outros integrantes dos aproximadamente 500 grupos de ultraesquerda que, levados ao desespero pelo  compromisso histórico, fizeram uma opção insensata, mas, inquestionavelmente, política.


TERRORISMO É PRÁTICA OU UMA CONDIÇÃO ETERNA?


De resto, boa parte da mídia continua rotulando Battisti de  terrorista, adjetivo que não encontra respaldo nas sentenças italianas (nelas só se fala em  subversão contra o Estado) e, na pior das hipóteses, só se aplicaria a suas atividades até 1979.

Ou seja, um cidadão que abandonou as organizações armadas há três décadas e vive desde então em fuga, preso ou trabalhando honestamente, tendo constituído família e se projetado na literatura, é até hoje identificado com seu passado longínquo, num óbvio artifício para levar-se o público desinformado a supor que se trate de um Osama Bin Laden da vida!

Como veterano da resistência à ditadura brasileira de 1964/85 e membro do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, jamais tentei aparentar isenção e equidistância. Sou parte desta luta, não observador. Assumo-o francamente.

Mas, até porque seria imediatamente desmentido e exposto pelos inimigos, sempre extraí minhas conclusões de fatos conhecidos e fontes identificadas.

É patético que os grandes grupos de imprensa façam exatamente o contrário: sem admitirem honestamente que estão 100% alinhados com a posição italiana, escamoteiam (em parte ou no todo) a apresentação do  outro lado  e o exercício do direito de resposta, deturpam fatos e discriminam fontes, dando destaque desmesurado a qualquer inspetor de quarteirão  italiano que vitupere Battisti e desconsiderando as declarações de personalidades, juristas e intelectuais de renome mundial que o defendem.
* Jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com

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