PICICA: "Compreender a relação
entre movimentos sociais e partidos políticos merece refutar o ponto de
partida de que ambos habitam lugares distintos."
DEBATE ABERTO
Movimentos sociais e partidos políticos
Parte da bibliografia produzida sobre o PT exacerbou os atributos inovadores do partido comparado aos demais, em especial, a sua condição extraparlamentar de ligação com organizações da sociedade civil. Essa posição acabou isolando a genética do PT já presente em outros partidos anteriores a ele, em especial, o PCB, que sempre recebera forte apoio de diversos movimentos sociais.
Cláudio André de Souza
A fundação do Partido dos Trabalhadores (PT)
no início da década de 1980 gerou uma vasta produção acadêmica que, em
grande medida, buscou compreender as singularidades do partido em tempos
de redemocratização. Mesmo variando o recorte empírico e o quadro
teórico, tais pesquisas visavam o entendimento acerca da “novidade” que o
partido representava então no quadro partidário brasileiro,
particularmente, a sua profunda ligação com movimentos sociais rurais e
urbanos, categorizados sejam como “novos” ou “velhos” movimentos. Nesse
aspecto, a insígnia petista de relação com os movimentos sociais se
aproximou do pensamento marxista-leninista, que designara ao papel do
partido político revolucionário, grosso modo, a capacidade de exprimir
os interesses comuns mais universais, detendo o poder de influenciar e
dirigir as classes, grupos e estratos da sociedade, expressando a
síntese entre partido e revolução [1].
Uma parte da bibliografia produzida sobre o PT exacerbou os atributos inovadores do partido comparado aos demais, em especial, a sua condição extraparlamentar de ligação com organizações da sociedade civil. Essa posição analítica acabou isolando a genética do PT já presente em outros partidos anteriores a ele, em especial, o Partido Comunista do Brasil (PCB), que sempre recebera forte apoio de diversos movimentos sociais, ao mesmo tempo em que buscou manter-se próximo a eles.
Ainda nos dias atuais a atuação do PT resulta em pesquisas voltadas a relação entre movimentos sociais e partidos políticos, situando as mudanças decorrentes das significativas vitórias eleitorais alcançadas pelo partido. Nesse sentido, de maneira geral, o partido permanece sendo estudado após ocupar espaços institucionais relevantes. Porém, relativo a esse desenho teórico-analítico, isto é, a relação entre movimentos sociais e partidos (em especial quando se trata do PT), nota-se a difusão de um argumento frágil, que, mesmo em caráter ensaístico, tem conseguido audiência quando se refere as possíveis relações entre movimentos sociais e partidos. Trata-se da “tese” da cooptação.
Embora esse debate hoje represente a pertinência em interpretar especificamente que tipo de relação o PT estabeleceu com os movimentos sociais ao longo dos últimos governos presidenciais, tal tema está ligado ao pensamento liberal, na medida em que valoriza a distinção entre Estado e sociedade civil. Todavia, outros referenciais teóricos assumem o caminho inverso, isto é, de reconhecer a conexão entre a sociedade civil e a sociedade política enquanto espaços de complementaridade no que se refere ao fenômeno político. Essa posição teórico-analítica dialoga com o conceito de representação política que compreende o partido como um ator e autor na relação entre representante e representado. Diferente da cooptação, a mera presença de atores políticos pertencentes aos movimentos nos espaços de governo demonstraria uma relação de representação política mais do que uma “captura institucional”.
O tema da relação dos movimentos sociais e partidos políticos desperta ainda mais interesse diante da assunção aos espaços institucionais de um partido que se voltou a propósitos supostamente mais amplos do que a vitória nas urnas e com o apoio e presença interna da sociedade civil (dupla militância). A mudança radical dessa posição explicitamente vivificada pelo partido na primeira década de 2000 segue orientando o interesse acadêmico sobre o PT e a manutenção da sua relação com segmentos ancorados na fundação do partido na década de 1980. Contudo, a compreensão dessa relação, sobretudo de representação política, não consegue ser explicada pelo simples argumento de que os movimentos não se aliam a projetos políticos instados tanto na sociedade civil e na sociedade política e, em segundo plano, a simples definição que uma suposta captura dos movimentos pelo partido está somente ligada a variável governo. Compreender a relação entre movimentos sociais e partidos políticos merece refutar o ponto de partida de que ambos habitam lugares distintos.
NOTA
[1] Publicação homônima de autoria de Marcelo Braz (Ed. Expressão Popular, 2011) objetiva analisar as linhagens teóricas de organização política em torno dos “partidos revolucionários” modernos.
Uma parte da bibliografia produzida sobre o PT exacerbou os atributos inovadores do partido comparado aos demais, em especial, a sua condição extraparlamentar de ligação com organizações da sociedade civil. Essa posição analítica acabou isolando a genética do PT já presente em outros partidos anteriores a ele, em especial, o Partido Comunista do Brasil (PCB), que sempre recebera forte apoio de diversos movimentos sociais, ao mesmo tempo em que buscou manter-se próximo a eles.
Ainda nos dias atuais a atuação do PT resulta em pesquisas voltadas a relação entre movimentos sociais e partidos políticos, situando as mudanças decorrentes das significativas vitórias eleitorais alcançadas pelo partido. Nesse sentido, de maneira geral, o partido permanece sendo estudado após ocupar espaços institucionais relevantes. Porém, relativo a esse desenho teórico-analítico, isto é, a relação entre movimentos sociais e partidos (em especial quando se trata do PT), nota-se a difusão de um argumento frágil, que, mesmo em caráter ensaístico, tem conseguido audiência quando se refere as possíveis relações entre movimentos sociais e partidos. Trata-se da “tese” da cooptação.
Embora esse debate hoje represente a pertinência em interpretar especificamente que tipo de relação o PT estabeleceu com os movimentos sociais ao longo dos últimos governos presidenciais, tal tema está ligado ao pensamento liberal, na medida em que valoriza a distinção entre Estado e sociedade civil. Todavia, outros referenciais teóricos assumem o caminho inverso, isto é, de reconhecer a conexão entre a sociedade civil e a sociedade política enquanto espaços de complementaridade no que se refere ao fenômeno político. Essa posição teórico-analítica dialoga com o conceito de representação política que compreende o partido como um ator e autor na relação entre representante e representado. Diferente da cooptação, a mera presença de atores políticos pertencentes aos movimentos nos espaços de governo demonstraria uma relação de representação política mais do que uma “captura institucional”.
O tema da relação dos movimentos sociais e partidos políticos desperta ainda mais interesse diante da assunção aos espaços institucionais de um partido que se voltou a propósitos supostamente mais amplos do que a vitória nas urnas e com o apoio e presença interna da sociedade civil (dupla militância). A mudança radical dessa posição explicitamente vivificada pelo partido na primeira década de 2000 segue orientando o interesse acadêmico sobre o PT e a manutenção da sua relação com segmentos ancorados na fundação do partido na década de 1980. Contudo, a compreensão dessa relação, sobretudo de representação política, não consegue ser explicada pelo simples argumento de que os movimentos não se aliam a projetos políticos instados tanto na sociedade civil e na sociedade política e, em segundo plano, a simples definição que uma suposta captura dos movimentos pelo partido está somente ligada a variável governo. Compreender a relação entre movimentos sociais e partidos políticos merece refutar o ponto de partida de que ambos habitam lugares distintos.
NOTA
[1] Publicação homônima de autoria de Marcelo Braz (Ed. Expressão Popular, 2011) objetiva analisar as linhagens teóricas de organização política em torno dos “partidos revolucionários” modernos.
(*) Cientista político, professor e Doutorando em Ciências Sociais pela UFBA.
(clandresouza@gmail.com)
(clandresouza@gmail.com)
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