PICICA: "As redes sociais são teias de relacionamentos que nem sempre possuem conexão entre si, justamente porque se constroem por vínculos e adesões individuais. Um participante pode se vincular a três redes, por exemplo, sites ou blogs, que não se somam nunca. Pode se vincular a um movimento/blog que critica consumo de carne e outro, que defende leões. Contudo, um movimento/blog não se vincula ao outro porque leão é carnívoro - o que demanda abate de animais para sua alimentação - e pode criar alguma rusga com os vegetarianos. Mais importante: a maioria dos que aderem a uma rede social não tolera hierarquia. Esta é a alma da Geração Y (nascidos na década de 1980 a meados da década de 1990), que já começa a envelhecer e perder lugar para a Geração Z (nascidos no final da década de 1990). A Geração Y não tolera patrões e só se vincula a um trabalho por paixão ou ambição de solucionar um desafio. Podem chegar às 10h00 no trabalho, não se explicam em função do atraso, e permanecem até a madrugada para solucionar um problema que é mais que profissional. São filhos do mimo, da superproteção familiar, cresceram vivendo ações intensas, estimulados por múltiplas atividades, por uma agenda estressante imposta pelos pais (aulas de língua estrangeira, de esporte, dança, música, novas tecnologias). O grau de concentração é volátil.
Com um perfil destes, seria possível ter total certeza no uso de movimentos sociais?
Não seriam mobilizações efêmeras que podem, admito, no futuro, gerar outro tipo de ator social?"
Novíssimos movimentos sociais ou mobilizações da Geração Y?
Maria da Glória Gohn vem se dedicando, nos últimos anos, a organizar um inventário dos movimentos sociais. Talvez seja uma decorrência natural do seu fantástico livro em que organizou as principais teorias sobre movimentos sociais, da Europa, EUA e América Latina.Desta vez, publicou um artigo intitulado "A revolução será tuitada" na Revista Cult (cuja capa ilustra esta nota). Não concordo com suas hipóteses, e explico mais adiante, mas considero seu esforço sempre salutar e instigante. Professora e pesquisadora da Unicamp, vice-Presidente do Comitê de Pesquisas sobre Movimentos e Classes Sociais da Associação Internacional de Sociologia, Gohn organiza há tempos mesas redondas que procuram atrair estudos recentes sobre movimentos sociais na América Latina. Estive numa dessas mesas recentemente, num encontro nacional da ANPOCs, em Caxambu.
Qual a tese central de Gohn no artigo que publicou na Cult?
Que há algo de novo a partir do Occupy e Indignados, que a autora considera dois exemplos do que considera novíssimo movimento social. A partir daí, sinto grande dificuldade para Gohn justificar a novidade. Por exemplo, admite que o o Occupy e os Indignados (mobilização europeia contra as consequências sociais e políticas da crise econômica avassaladora que atinge aquele continente) se articulam a partir de ações coletivas pela justiça social. O campo temático, sustenta, continua sendo o plano econômico "como o movimento dos trabalhadores no século 20". Mas os Indignados seriam mais "detalhistas", focalizando sua reação no sistema financeiro. A autora também admite que o repertório de mobilização e práticas é antigo: marchas, ocupações de praças (daí vem o nome greve, da Praça Grève, em Paris), assembleísmo e assim por diante.
O que seria novo, afinal? O uso dos celulares e redes sociais.
É aí que se localiza minhas discordâncias teóricas e analíticas.
Porque as redes sociais definem um outro tipo de vínculo associativo. Não se trata de uma novidade qualquer. Os vínculos são individuais e não armados a partir de uma identidade coletiva. O que ocorre é uma adesão momentânea. O que faz das mobilizações algo muito mais efêmero do que um movimento social. Uma pessoa adere a uma mobilização por perceber que não está sendo usado ou tragado por uma articulação maior, uma organização. Daí que o primeiro contato é fundamental. O primeiro contato com um convite ou uma reflexão, pela rede social, se faz a partir de alguém que o receptor já conhece e confia. Um torpedo pelo celular, uma mensagem postada na Linha do Tempo do facebook. Se não há esta garantia de autonomia (a palavra central para compreendermos as mobilizações sociais de tipo novo), não há engajamento algum.
Mas, há mais. As redes sociais são teias de relacionamentos que nem sempre possuem conexão entre si, justamente porque se constroem por vínculos e adesões individuais. Um participante pode se vincular a três redes, por exemplo, sites ou blogs, que não se somam nunca. Pode se vincular a um movimento/blog que critica consumo de carne e outro, que defende leões. Contudo, um movimento/blog não se vincula ao outro porque leão é carnívoro - o que demanda abate de animais para sua alimentação - e pode criar alguma rusga com os vegetarianos. Mais importante: a maioria dos que aderem a uma rede social não tolera hierarquia. Esta é a alma da Geração Y (nascidos na década de 1980 a meados da década de 1990), que já começa a envelhecer e perder lugar para a Geração Z (nascidos no final da década de 1990). A Geração Y não tolera patrões e só se vincula a um trabalho por paixão ou ambição de solucionar um desafio. Podem chegar às 10h00 no trabalho, não se explicam em função do atraso, e permanecem até a madrugada para solucionar um problema que é mais que profissional. São filhos do mimo, da superproteção familiar, cresceram vivendo ações intensas, estimulados por múltiplas atividades, por uma agenda estressante imposta pelos pais (aulas de língua estrangeira, de esporte, dança, música, novas tecnologias). O grau de concentração é volátil.
Com um perfil destes, seria possível ter total certeza no uso de movimentos sociais? Não seriam mobilizações efêmeras que podem, admito, no futuro, gerar outro tipo de ator social?
O trabalho de Gohn é dos mais importantes. Mas tenho a impressão que analisa pelos conceitos do século XX. Não compreendeu claramente a profunda mudança de perspectivas entre gerações.
Fonte: Rudá Ricci
Nenhum comentário:
Postar um comentário