novembro 08, 2012

"Não à probição", por Liseane Morosini (RADIS)

PICICA: " Em palestra realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), em 10 de setembro, Luiz Eduardo, que é contrário à interferência do Estado na vida privada dos cidadãos, disse que é preciso falar sobre a legalização das drogas longe do jogo político que a envolve. Para ele, é necessário refletir sobre os motivos de o proibicionismo — que embasa a atual política de drogas ilícitas e que tem o encarceramento como solução — ter elevado a população carcerária e a violência sem conseguir promover uma redução do consumo dessas drogas."

Não à proibição


Cientista político defende liberação total das drogas e critica o ‘proibicionismo’, que beneficia o tráfico e os setores de armas e instrumentos de segurança
Liseane Morosini
Política que criminaliza sem recuperar, baixa qualidade das drogas em circulação, situação de vulnerabilidade dos usuários e prisões superlotadas são alguns dos pontos levantados pelo cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares em defesa da liberação total das drogas. Em palestra realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), em 10 de setembro, Luiz Eduardo, que é contrário à interferência do Estado na vida privada dos cidadãos, disse que é preciso falar sobre a legalização das drogas longe do jogo político que a envolve. Para ele, é necessário refletir sobre os motivos de o proibicionismo — que embasa a atual política de drogas ilícitas e que tem o encarceramento como solução — ter elevado a população carcerária e a violência sem conseguir promover uma redução do consumo dessas drogas.
Analisando o cenário, o cientista político afirmou que as prisões são socialmente seletivas, na medida em que, entre os presos por porte de drogas, há forte concentração de jovens, negros, pobres, com baixa escolaridade e sem vínculo com organizações criminosas — perfil que enquadra mais de 65% dos encarcerados nos últimos quatro anos. Em sua maior parte, são réus primários, usuários presos em flagrante, que portavam pequenas quantidades de droga no momento em que foram detidos. “As prisões estigmatizam o apenado, já que não funcionam como instrumento de restauração, de preparo para a volta ao mercado de trabalho ou para serem novamente acolhidos por familiares”, analisa. “Eles são preparados nas sucursais do inferno para outra inserção na comunidade e ficam marcados por esta experiência traumática”. 
O pesquisador informa que o país tem 50 mil homicídios dolosos por ano, média que se mantém, a despeito de avanços localizados em alguns estados. Desse total, somente 8% são investigados. São 540 mil presos no Brasil, e o país ocupa a quarta posição no ranking mundial da população encarcerada. Mesmo tendo a taxa mais veloz de crescimento prisional do mundo, contraditoriamente o país não esclarece a grande maioria dos homicídios dolosos. De forma ineficiente e sem resultados, a manutenção de cada preso custa mensalmente aos cofres públicos 1,5 mil reais o que faz com que a despesa nacional chegue a 8 milhões de reais, avalia o pesquisador. “A atual política de encarceramento é equivocada, na medida em que se dá menos atenção para crimes mais graves”, diz. 
Luiz Eduardo observa que a proibição legal leva ao tráfico de drogas e este financia o tráfico de armas, aumentando a violência. Mesmo quando comparado com áreas de guerra, o país ocupa a segunda posição em números absolutos e a quinta em números relativos no total de mortes provocadas intencionalmente por uso ou decorrentes de armas de fogo. Sem querer ser “pessimista” ou “passar uma imagem negativa”, como ressalta, Luiz Eduardo entende que, do ponto de vista do coletivo, “não conseguimos sair do lodaçal, do pântano”.
Corte social
No plano internacional, o pesquisador aponta que a guerra às drogas não reprimiu a demanda, mesmo em países como os Estados Unidos, que tem mecanismos de controle sofisticados. Ele citou dados do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, em inglês) que indicam que, em 2005, o tráfico internacional de drogas ilegais movimentou 320 bilhões de dólares, valor superior ao PIB de 88% dos países. E, desde 1972, os Estados Unidos investiram mais de 1 trilhão de dólares no combate às drogas. Como aqui, lá também há um corte social e as prisões afetam sobretudo negros e latinos.
Mesmo com custos bilionários envolvidos na repressão, o consumo de drogas e o mercado de armas não foram afetados. “Os únicos beneficiários têm sido o tráfico e os setores da economia que lucram com armas, equipamentos militares e instrumentos de segurança”. A hipótese do pesquisador é que há uma engenharia econômico-social que se sustenta com objetivos políticos. “Não há redução de consumo, os custos são relativamente pesados e se mantém o estado de coisas”. Ele explica que o Brasil tem sido muito eficaz na redução do consumo de cigarro e, sobretudo, na mudança central do ato de fumar — “é agradável para quem não fuma, desagradável para quem fuma, e não impede que o fumante o faça no ambiente privado”. Só que o país não consegue mudar os padrões culturais no que diz respeito ao consumo de droga, considerado crime, analisa. “Há uma assimetria injustificável no tratamento do álcool, tabaco e drogas. Não nos iludamos com as gradações. O álcool é tão ruim quanto o fumo e a cocaína”.
Luiz Eduardo estranha que uma política transnacional, cujo fracasso é reiterado e expressivo, seja preservada por tantos anos. A proibição existe formalmente, mas não inibe, detém ou bloqueia o acesso às drogas. “Ela não veta o acesso quando há desejos envolvidos aliando oferta e demanda”, diz o pesquisador. Sua proposta é definir em qual contexto institucional, jurídico e político se dará o debate sobre o acesso que já existe e que não pode ser impedido. 
Questão de saúde
As drogas, diz o pesquisador, são grave questão de saúde pública. Por isso, considera, é ilusório definir o limite entre permitir e não permitir. “Hoje, o acesso se dá sem qualquer tipo de regulação, controle, informação, e o caos ocorre a partir da mistura”. Segundo ele, a droga sai do atacado na selva colombiana com 85% de pureza e chega ao varejo do mercado inglês com apenas 15% de pureza. Assim, ele avalia que seus efeitos deletérios sobre a saúde humana são muitas vezes provocados não apenas pelo malefício do produto, mas pelos processos químicos provocados por esses abusos. 
Para Luiz Eduardo, é preciso pensar as drogas para além dos tabus, pois, diferentemente de épocas anteriores, hoje não mais se constituem “heresia, ou maculam uma trajetória profissional. Ele questiona a atual legislação, mesmo não prevendo pena de prisão para o usuário, fixando medidas alternativas, como a prestação de serviços à comunidade e a participação em programa ou cursos educativos. Por ser mais aberta, a legislação poderia ser entendida como “mais democrática”, mas, ao deixar para o juiz avaliar, de forma subjetiva, o que é tráfico ou consumo, abre margem para a arbitrariedade. “Como se opera tal distinção se não há objetividade? Os juízes são socializados e potencialmente permeáveis como nós”. Por isso, os mesmos conceitos podem ser interpretados de forma diferente. “No imaginário brasileiro, racista e marcado pela desigualdade, um jovem negro e um jovem branco pegos com a mesma quantidade de drogas terão penas distintas”, disse.
Se o atual contexto é o que criminaliza, a alternativa, para o pesquisador, é tratar a questão das drogas como objeto de políticas de saúde, educação e cultura. Portanto, é importante reconhecer o ponto de vista do usuário e entender que, para além do prazer que ele possa sentir com o uso de drogas, há motivações profundas e individuais que o levam a buscar essa experiência “como alteração de consciência”. Na visão de Luiz Eduardo, a dependência pode ser um curto-circuito na busca desta experiência. Por isso, ele vê a necessidade de se valorizar a subjetividade e evitar a vitimização do usuário, como se este merecesse o controle passivo do Estado ou do traficante. 
Sem aceitar a distinção entre usuário e traficante, pois cada indivíduo pode desempenhar um desses papéis em determinado momento, ele considera esse enfoque inadequado e injusto. A alternativa ideal, opina, é abolir essa divisão e trabalhar com as gradações sobre quantidades permitidas de drogas. “Há um jogo, uma cumplicidade entre quem vende e quem compra. Tratar um como vítima e outro como criminoso é fruto de classificação social”. 
Campanha pela mudança na legislação
A campanha Lei de Drogas: é preciso mudar pretende recolher um milhão de assinaturas para apoiar o Projeto de Lei que deverá ser apresentado ao Congresso Nacional ainda este ano, com o objetivo de mudar a atual legislação sobre drogas. A campanha toma como base que:


1. A Lei 11.343/2006, que normatiza a política de drogas no Brasil não faz distinção clara e objetiva entre usuário e traficante [um tema a ser debatido].


2. Desde que a legislação entrou em vigor, dobrou o número de presos por crimes relacionados às drogas no Brasil. A falta de clareza está levando à prisão milhares de usuários que não são traficantes.


3. A maioria desses presos nunca cometeu outros delitos, não tem relação com o crime organizado e portava pequenas quantidades da droga no ato da detenção.


4. Mesmo sendo usuárias, essas pessoas permanecem presas enquanto durar o julgamento. A legislação não permite que respondam em liberdade a um processo em que a acusação seja tráfico de drogas.


5. A nova proposta de projeto de lei, além de estabelecer critérios objetivos de diferenciação entre traficante e usuário, apoia instituições de cuidado para que os que sofrem com o abuso de drogas tenham a quem recorrer livres do medo da prisão.


(Fonte: www.eprecisomudar.com.br)

Galeria de Imagens

Ilustração: Marina Cotrim

Fonte: RADIS Comunicação e Saúde

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