PICICA: " Em palestra realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), em 10
de setembro, Luiz Eduardo, que é contrário à interferência do Estado na
vida privada dos cidadãos, disse que é preciso falar sobre a
legalização das drogas longe do jogo político que a envolve. Para ele, é
necessário refletir sobre os motivos de o proibicionismo — que embasa a
atual política de drogas ilícitas e que tem o encarceramento como
solução — ter elevado a população carcerária e a violência sem conseguir
promover uma redução do consumo dessas drogas."
Não à proibição
Cientista político defende liberação total das drogas e critica o ‘proibicionismo’, que beneficia o tráfico e os setores de armas e instrumentos de segurança
Liseane Morosini
Política
que criminaliza sem recuperar, baixa qualidade das drogas em
circulação, situação de vulnerabilidade dos usuários e prisões
superlotadas são alguns dos pontos levantados pelo cientista político e
antropólogo Luiz Eduardo Soares em defesa da liberação total das drogas.
Em palestra realizada na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), em 10
de setembro, Luiz Eduardo, que é contrário à interferência do Estado na
vida privada dos cidadãos, disse que é preciso falar sobre a
legalização das drogas longe do jogo político que a envolve. Para ele, é
necessário refletir sobre os motivos de o proibicionismo — que embasa a
atual política de drogas ilícitas e que tem o encarceramento como
solução — ter elevado a população carcerária e a violência sem conseguir
promover uma redução do consumo dessas drogas.
Analisando o
cenário, o cientista político afirmou que as prisões são socialmente
seletivas, na medida em que, entre os presos por porte de drogas, há
forte concentração de jovens, negros, pobres, com baixa escolaridade e
sem vínculo com organizações criminosas — perfil que enquadra mais de
65% dos encarcerados nos últimos quatro anos. Em sua maior parte, são
réus primários, usuários presos em flagrante, que portavam pequenas
quantidades de droga no momento em que foram detidos. “As prisões
estigmatizam o apenado, já que não funcionam como instrumento de
restauração, de preparo para a volta ao mercado de trabalho
ou para serem novamente acolhidos por familiares”, analisa. “Eles são
preparados nas sucursais do inferno para outra inserção na comunidade e
ficam marcados por esta experiência traumática”.
O
pesquisador informa que o país tem 50 mil homicídios dolosos por ano,
média que se mantém, a despeito de avanços localizados em alguns
estados. Desse total, somente 8% são investigados. São 540 mil presos no
Brasil, e o país ocupa a quarta posição no ranking mundial da população
encarcerada. Mesmo tendo a taxa mais veloz de crescimento prisional do
mundo, contraditoriamente o país não esclarece a grande maioria dos
homicídios dolosos. De forma ineficiente e sem resultados, a manutenção
de cada preso custa mensalmente aos cofres públicos 1,5 mil reais o que
faz com que a despesa nacional chegue a 8 milhões de reais, avalia o
pesquisador. “A atual política de encarceramento é equivocada, na medida
em que se dá menos atenção para crimes mais graves”, diz.
Luiz
Eduardo observa que a proibição legal leva ao tráfico de drogas e este
financia o tráfico de armas, aumentando a violência. Mesmo quando
comparado com áreas de guerra, o país ocupa a segunda posição em números
absolutos e a quinta em números relativos no total de mortes provocadas
intencionalmente por uso ou decorrentes de armas de fogo. Sem querer
ser “pessimista” ou “passar uma imagem negativa”, como ressalta, Luiz
Eduardo entende que, do ponto de vista do coletivo, “não conseguimos
sair do lodaçal, do pântano”.
Corte social
No
plano internacional, o pesquisador aponta que a guerra às drogas não
reprimiu a demanda, mesmo em países como os Estados Unidos, que tem
mecanismos de controle sofisticados. Ele citou dados do Escritório das
Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC, em inglês) que indicam que,
em 2005, o tráfico internacional de drogas ilegais movimentou 320
bilhões de dólares, valor superior ao PIB de 88% dos países. E, desde
1972, os Estados Unidos investiram mais de 1 trilhão de dólares no
combate às drogas. Como aqui, lá também há um corte social e as prisões
afetam sobretudo negros e latinos.
Mesmo com custos
bilionários envolvidos na repressão, o consumo de drogas e o mercado de
armas não foram afetados. “Os únicos beneficiários têm sido o tráfico e
os setores da economia que lucram com armas, equipamentos militares e
instrumentos de segurança”. A hipótese do pesquisador é que há uma
engenharia econômico-social que se sustenta com objetivos políticos.
“Não há redução de consumo, os custos são relativamente pesados e se
mantém o estado de coisas”. Ele explica que o Brasil tem sido muito
eficaz na redução do consumo de cigarro e, sobretudo, na mudança central
do ato de fumar — “é agradável para quem não fuma, desagradável para
quem fuma, e não impede que o fumante o faça no ambiente privado”. Só
que o país não consegue mudar os padrões culturais no que diz respeito
ao consumo de droga, considerado crime, analisa. “Há uma assimetria
injustificável no tratamento do álcool, tabaco e drogas. Não nos
iludamos com as gradações. O álcool é tão ruim quanto o fumo e a
cocaína”.
Luiz Eduardo estranha que uma política
transnacional, cujo fracasso é reiterado e expressivo, seja preservada
por tantos anos. A proibição existe formalmente, mas não inibe, detém ou
bloqueia o acesso às drogas. “Ela não veta o acesso quando há desejos
envolvidos aliando oferta e demanda”, diz o pesquisador. Sua proposta é
definir em qual contexto institucional, jurídico e político se dará o
debate sobre o acesso que já existe e que não pode ser impedido.
Questão de saúde
As
drogas, diz o pesquisador, são grave questão de saúde pública. Por
isso, considera, é ilusório definir o limite entre permitir e não
permitir. “Hoje, o acesso se dá sem qualquer tipo de regulação,
controle, informação, e o caos ocorre a partir da mistura”. Segundo ele,
a droga sai do atacado na selva colombiana com 85% de pureza e chega ao
varejo do mercado inglês com apenas 15% de pureza. Assim, ele avalia
que seus efeitos deletérios sobre a saúde humana são muitas vezes
provocados não apenas pelo malefício do produto, mas pelos processos
químicos provocados por esses abusos.
Para Luiz Eduardo, é
preciso pensar as drogas para além dos tabus, pois, diferentemente de
épocas anteriores, hoje não mais se constituem “heresia, ou maculam uma
trajetória profissional. Ele questiona a atual legislação, mesmo não
prevendo pena de prisão para o usuário, fixando medidas alternativas,
como a prestação de serviços à comunidade e a participação em programa
ou cursos educativos. Por ser mais aberta, a legislação poderia ser
entendida como “mais democrática”, mas, ao deixar para o juiz avaliar,
de forma subjetiva, o que é tráfico ou consumo, abre margem para a
arbitrariedade. “Como se opera tal distinção se não há objetividade? Os
juízes são socializados e potencialmente permeáveis como nós”. Por isso,
os mesmos conceitos podem ser interpretados de forma diferente. “No
imaginário brasileiro, racista e marcado pela desigualdade, um jovem
negro e um jovem branco pegos com a mesma quantidade de drogas terão
penas distintas”, disse.
Se o atual contexto é o que
criminaliza, a alternativa, para o pesquisador, é tratar a questão das
drogas como objeto de políticas de saúde, educação e cultura. Portanto, é
importante reconhecer o ponto de vista do usuário e entender que, para
além do prazer que ele possa sentir com o uso de drogas, há motivações
profundas e individuais que o levam a buscar essa experiência “como
alteração de consciência”. Na visão de Luiz Eduardo, a dependência pode
ser um curto-circuito na busca desta experiência. Por isso, ele vê a
necessidade de se valorizar a subjetividade e evitar a vitimização do
usuário, como se este merecesse o controle passivo do Estado ou do
traficante.
Sem aceitar a distinção entre usuário e
traficante, pois cada indivíduo pode desempenhar um desses papéis em
determinado momento, ele considera esse enfoque inadequado e injusto. A
alternativa ideal, opina, é abolir essa divisão e trabalhar com as
gradações sobre quantidades permitidas de drogas. “Há um jogo, uma
cumplicidade entre quem vende e quem compra. Tratar um como vítima e
outro como criminoso é fruto de classificação social”.
Campanha pela mudança na legislação
A campanha Lei de Drogas: é preciso mudar pretende recolher um milhão de assinaturas para apoiar o Projeto de Lei que deverá ser apresentado ao Congresso Nacional ainda este ano, com o objetivo de mudar a atual legislação sobre drogas. A campanha toma como base que:
1. A Lei 11.343/2006, que normatiza a política de drogas no Brasil não faz distinção clara e objetiva entre usuário e traficante [um tema a ser debatido].
2. Desde que a legislação entrou em vigor, dobrou o número de presos por crimes relacionados às drogas no Brasil. A falta de clareza está levando à prisão milhares de usuários que não são traficantes.
3. A maioria desses presos nunca cometeu outros delitos, não tem relação com o crime organizado e portava pequenas quantidades da droga no ato da detenção.
4. Mesmo sendo usuárias, essas pessoas permanecem presas enquanto durar o julgamento. A legislação não permite que respondam em liberdade a um processo em que a acusação seja tráfico de drogas.
5. A nova proposta de projeto de lei, além de estabelecer critérios objetivos de diferenciação entre traficante e usuário, apoia instituições de cuidado para que os que sofrem com o abuso de drogas tenham a quem recorrer livres do medo da prisão.
(Fonte: www.eprecisomudar.com.br)
A campanha Lei de Drogas: é preciso mudar pretende recolher um milhão de assinaturas para apoiar o Projeto de Lei que deverá ser apresentado ao Congresso Nacional ainda este ano, com o objetivo de mudar a atual legislação sobre drogas. A campanha toma como base que:
1. A Lei 11.343/2006, que normatiza a política de drogas no Brasil não faz distinção clara e objetiva entre usuário e traficante [um tema a ser debatido].
2. Desde que a legislação entrou em vigor, dobrou o número de presos por crimes relacionados às drogas no Brasil. A falta de clareza está levando à prisão milhares de usuários que não são traficantes.
3. A maioria desses presos nunca cometeu outros delitos, não tem relação com o crime organizado e portava pequenas quantidades da droga no ato da detenção.
4. Mesmo sendo usuárias, essas pessoas permanecem presas enquanto durar o julgamento. A legislação não permite que respondam em liberdade a um processo em que a acusação seja tráfico de drogas.
5. A nova proposta de projeto de lei, além de estabelecer critérios objetivos de diferenciação entre traficante e usuário, apoia instituições de cuidado para que os que sofrem com o abuso de drogas tenham a quem recorrer livres do medo da prisão.
(Fonte: www.eprecisomudar.com.br)
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Fonte: RADIS Comunicação e Saúde
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