PICICA: "Michel Maffesoli[1] afirma que, depois de Nietzsche, toda a profundidade
está na aparência, uma vez que tudo o que existe é a aparência.
Qualquer essência é ficção, a começar pelo "eu", pelo sujeito. As
máscaras, nesse sentido, são tudo o que há, sejam as negras, do Black
Bloc, sejam as sociais. Não as conscientes, que criamos em dadas
situações. Falo é daquelas mais naturalizadas, nas quais cremos com
maior vigor. Aquelas em que colamos o rótulo de "eu". As que elevamos ao
posto de 1a pessoa. A partir daí, o espaço público é tomado pelo
privado. É o "meu carro", o "meu plano de saúde", a "minha escola". O
"meu dinheiro" nos impostos. Uma coisa não é desconectada da outra. O
cercamento da propriedade privada é fruto dos muros erguidos ao redor do
indivíduo, das fronteiras que separam o "eu" do "outro". O espaço se
torna particular. As lutas se tornam particulares, atomizadas.
Mais uma vez, a individuação irrompe como política pública. Exigir a
cara é calar gritos coletivos. Só que o grito não tem cara. É só som.
Com fúria. E com amor. Como a vida, que não tem forma alguma. Como a ave
sem nome, nômade e linda."
Black (and red) Bloc (or bird)
Black (and Red) Bloc (or bird)
Voa, pelos céus dos séculos, uma ave vermelha e negra. É Abeguar. Mas é
também Manuel Balaio, Cal, João Cândido. A cada evento histórico toma
uma forma humana, ama, luta, morre. E volta. Não se encontram os corpos.
Não se deixam vestígios. É só isso a experiência humana. Nada mais. É
nessa linha que se desenvolve a animação "História de amor e fúria", de
Luiz Bolognesi. Por uma leitura revisitadora, reconstrói-se, sob uma
outra perspectiva, a história do excluído e do marginalizado. Esse que
não tem cara nos livros. Cara esta que, agora, é tão cara ao governo
carioca.
Não espanta a notícia do começo do mês sobre a possibilidade de se
levarem os manifestantes mascarados à cadeia. Não se trata apenas de
identificar os "desordeiros", os "vândalos", mas também da corroboração
de uma necessidade absoluta do poder hoje: dar um rosto, uma história,
um número a cada homem. Nome, sobrenome, histórico escolar, criminal, de
pagamento. Identidade. N´algum lugar, diz Lévi-Strauss ter sido o
sedentarismo uma das causas para o enfraquecimento humano, para seu
adoecimento. Das doenças, a maior é sua individualidade, que fixa
residência numa única face, acostuma-se a ela. Rende-se a ela. Fixam-se
seus limites. Sufoca-se toda sua potência. Domesticado por si mesmo,
esse homem diminui e se reduz. A ave se deixa capturar e engaiolar.
Michel Maffesoli[1] afirma que, depois de Nietzsche, toda a profundidade
está na aparência, uma vez que tudo o que existe é a aparência.
Qualquer essência é ficção, a começar pelo "eu", pelo sujeito. As
máscaras, nesse sentido, são tudo o que há, sejam as negras, do Black
Bloc, sejam as sociais. Não as conscientes, que criamos em dadas
situações. Falo é daquelas mais naturalizadas, nas quais cremos com
maior vigor. Aquelas em que colamos o rótulo de "eu". As que elevamos ao
posto de 1a pessoa. A partir daí, o espaço público é tomado pelo
privado. É o "meu carro", o "meu plano de saúde", a "minha escola". O
"meu dinheiro" nos impostos. Uma coisa não é desconectada da outra. O
cercamento da propriedade privada é fruto dos muros erguidos ao redor do
indivíduo, das fronteiras que separam o "eu" do "outro". O espaço se
torna particular. As lutas se tornam particulares, atomizadas.
Mais uma vez, a individuação irrompe como política pública. Exigir a
cara é calar gritos coletivos. Só que o grito não tem cara. É só som.
Com fúria. E com amor. Como a vida, que não tem forma alguma. Como a ave
sem nome, nômade e linda.
Referência Bibliográfica
[1]MAFFESOLI, Michel. A sombra de Dioniso: contribuição a uma sociologia da orgia. 2. ed. – São Paulo: Zouk, 2005.
Fonte: Cotidia(não)
Nenhum comentário:
Postar um comentário