PICICA: "A tragédia da ‘civilização
do automóvel’ tem como um dos responsáveis as políticas do Estado que
sempre foram generosas com a indústria automotiva. No caso brasileiro, o
modelo de desenvolvimento ancorou nas montadoras a sua base
crescimentista. Desde Juscelino Kubistchek, a indústria automotiva
recebe incentivos, subsídios e isenções.
Erigimos
o ‘Império do automóvel’ e agora - da prometida sociedade do bem-estar
-, ele, o carro, nos empurra para um crescente mal-estar. A mobilidade
prometida pelo carro aos indivíduos se tornou fonte de angústia,
estresse e sofrimento."
A tragédia da civilização do automóvel
O carro promete liberdade, mas se tornou uma espécie
de cárcere privado. A tragédia da ‘civilização do automóvel’ é resultado
das políticas do Estado que sempre foram generosas com a indústria
automotiva
27/09/2013
Cesar Sanson
Há
exatos 40 anos, num ensaio considerado visionário, André Gorz publicou
um texto intitulado ‘Le Sauvage’ [O Selvagem]. O ensaio, datado de 1973,
é considerado pelos ambientalistas como o ‘Manifesto contra o carro’
por antecipar a tragédia da civilização do automóvel. No texto, Gorz
afirma que “o carro fez a cidade grande inabitável, a fez fedorenta,
barulhenta, sufocante, empoeirada, congestionada”.
O
carro instaurou uma lógica e um estilo de vida que promete liberdade,
mas no lugar de ir e vir se tornou uma espécie de cárcere privado.
Paradoxalmente, promete agilidade, mas proporciona a lentidão dos tempos
pré-industriais. Promete ganhar tempo, mas na realidade faz perder
tempo.
Eles entopem os estacionamentos das
universidades privadas e públicas, dos aeroportos, dos shoppings, dos
supermercados. Estacionar já se tornou um drama. Ter uma vaga cativa – e
gratuita – é um privilégio que se assemelha ao da casa própria. Nos
grandes centros já é mais caro estacionar do que almoçar.
O
estresse no trânsito é alto, os engarrafamentos enormes, a irritação é
grande, mas ninguém quer abrir mão do carro. E ainda tem mais: quanto
mais potente, belo e equipado, melhor. O sociólogo Richard Sennett, em
seu livro A nova cultura do capitalismo, afirma que as pessoas se movem
pela "paixão consumptiva" que assume as formas de "envolvimento em
imagística e incitação pela potência", ou seja, as pessoas quando
consomem não compram apenas produtos, mas prazer e poder.
O
fantástico e maravilhoso mundo prometido pelo carro tem um outro lado
menos edificante. O carro provoca o caos, confusão, barulho, estresse,
poluição, perdas econômicas e, o pior, mata. E mata muito. As
estatísticas dão conta de que mata em média mais de 50 mil pessoas por
ano, apenas no Brasil.
A tragédia da ‘civilização
do automóvel’ tem como um dos responsáveis as políticas do Estado que
sempre foram generosas com a indústria automotiva. No caso brasileiro, o
modelo de desenvolvimento ancorou nas montadoras a sua base
crescimentista. Desde Juscelino Kubistchek, a indústria automotiva
recebe incentivos, subsídios e isenções.
Erigimos
o ‘Império do automóvel’ e agora - da prometida sociedade do bem-estar
-, ele, o carro, nos empurra para um crescente mal-estar. A mobilidade
prometida pelo carro aos indivíduos se tornou fonte de angústia,
estresse e sofrimento.
Outra mobilidade e cidade
são possíveis, porém é preciso superar a cultura carrocentrista e
promover ousadas políticas públicas que invistam pesado no transporte
coletivo.
Cesar Sanson é professor de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Fonte: Brasil de Fato
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