PICICA: "[...] recentemente, como resultado de estudo feito pelo Grupo Gay da Bahia,
divulgado no último dia 27 de agosto deste ano, estima-se que entre o
ano de 2011 e 2012, o número de homossexuais mortos no Brasil teria
aumentado em 27%. Este estudo destaca também, o fato de que que uma
pessoa LGBT é violentamente assassinada no Brasil a cada 26 horas."
Para Rússia, com amor
“To Russia with Love” é o nome dado ao protesto internacional em defesa dos direitos LGBT’s na Rússia. Trata-se de manifestações solidárias que ocorreram no último dia 08 de setembro, domingo, em frente aos prédios de Embaixadas e Consulados da Federação Russa, em várias cidades ao redor do mundo: Rio de Janeiro, Bruxelas, Paris, Nova York, Atenas, entre outras. Ações que repetem e reiteram um ato que, na sexta-feira do dia 23 de agosto de 2013, já havia ocorrido em vários países, incluindo o Brasil.
A estratégia de ação política escolhida nestas ocasiões foi o “beijaço”. Opção que, acredito, foi propositalmente eleita de forma a fazer eco à controvérsia detonada, em janeiro deste ano, a partir de um beijo dado entre duas mulheres nas imediações do Parlamento Russo — que na ocasião colocava em debate a lei contra a “propaganda homossexual entre os menores”, que viria a ser sancionada cerca de cinco meses mais tarde.
Estive presente na manifestação ocorrida em Paris. Evento promovido aqui, por um conjunto de associações feministas e LGBT’s diversas. Portanto, motivada por este movimento, que é parte de um todo, assim como por todas as notícias que têm chegado a mim no que concerne a esta “questão russa” com relação aos diretos LGBT’s, resolvi escrever este post.
A Rússia, quando comparada aos demais países europeus, ocupa a dianteira no que diz respeito a quase completa ausência de direitos humanos mínimos relativos a gays, lésbicas, bissexuais e trans*. Reações fóbicas que, infelizmente, não parecem soar tão estranhas assim na paisagem europeia. Neste sentido, basta nos lembrarmos das recentes e tumultuadas manifestações públicas, que até outro dia tomaram conta das ruas de Paris e de outras cidades francesas, quando o foco do debate era o direito ao casamento e a adoção, de fato, para todos os casais, e não somente aqueles formados por uma mulher e um homem.
Na Rússia, a bem da verdade, as manifestações estatais abertamente homofóbicas já não são de hoje: passando não apenas pela proibição da realização da Gay Pride, que remonta ao ano de 2006; assim como pelo recente e polêmico caso ocorrido em 21 de abril de 2012, quando da manifestação feita por três integrantes do grupo de punk rock Pussy Riot – que foram julgadas e acusadas, entre outras coisas, por serem feministas e incentivarem a lesbianidade.
Nos últimos meses, numerosos casos de violência, tortura e morte de homossexuais, realizados por grupos neonazistas, têm chamado cada vez mais atenção, num país que no final do mês de junho deu mais uma prova de sua intolerância estatal, ao aprovar uma lei contra a “propaganda homossexual”. Lei que, segundo o discurso oficial não é homofóbica, mas serveria apenas como dispositivo de segurança para evitar a influência negativa que os discursos “pró-homossexuais” poderiam vir a exercer sobre crianças e jovens de até 18 anos e suas futuras escolhas de parcerias sexuais e afetivas…. E aqui, insisto: qualquer traço que remeta a discursos LGBT’S fóbicos de direita, que alegam “proteção” às crianças e às famílias ditas tradicionais, quando o que deveria estar em pauta é uma séria discussão que abrange educação e direitos humanos garantidos pelo Estado — efetivamente para todas as pessoas — não é mera coincidência!
No entanto, os holofotes têm se acendido com maior intensidade em direção a Rússia, não apenas por causa de um crescimento cada vez mais premente no que diz respeito à reivindicação e aquisição de direitos humanos mínimos, no âmbito europeu e, felizmente, para além dele. Nem tampouco pelo crescente e assustador quadro de ações violentas, em todos os níveis, que não por acaso costumam acompanhar os contextos de aumento de demanda e aquisição de direitos (como é , entre outros, o caso da França, segundo as últimas estatísticas apresentadas pela Associação SOS Homophobie).
A Rússia sediará muito em breve, em Sóchi, os Jogos Olímpicos de Inverno (7 a 23 de fevereiro de 2014), assim como em 2018, o Mundial de Futebol. O que por si só, já lhe renderia maior visibilidade no âmbito internacional. Neste quadro, tanto a FIFA (Federação Internacional de Futebol), quanto o COI (Comitê Olímpico Internacional), recentemente cobraram explicações por parte das autoridades russas no que diz respeito a sua mais recente lei contra a “propaganda homossexual”. Outros grupos a serem cada vez mais pressionadas a tomar uma posição, são dois grandes patrocinadores do evento: Coca-Cola e Mc Donald’s. Desnecessário dizer o quanto poderia vir a fazer diferença, se de fato estas grandes corporações, para além de pronunciamentos oficiais e de demandas de justificativas, lutassem, agissem em favor dos direitos humanos.
Mas, ao contrário disso, o que se vê é o COI preocupado em alertar atletas para que não ousem qualquer gesto que possa ser interpretado como provocação política. Temendo, talvez, que se repita a polêmica recentemente levantada pelo beijo trocado entre duas atletas russas (Kseniya Ryzhova e Tatyana Firova), ouro no revezamento 4×400m, no Mundial de Atletismo de Moscou, no dia 18 de agosto de 2013. Depois do ocorrido, ambas rapidamente tiveram que se pronunciar de modo a esclarecer que se tratava de um ato de comemoração efusiva, e não de um ato de crítica simbólica contra a lei anti-gay russa.
O mesmo COI, encontrara-se dias antes às voltas com outro escândalo que o mobilizou a considerar a possibilidade de entrar com ação contra a saltadora russa, tri-campeã mundial, Yelena Isinbayeva. Episódio que se deu, depois que a atleta fez comentários públicos pró lei anti-gay russa, em um discurso pautado pelo princípio de defesa de uma nação russa formado por pessoas “normais”. A atleta, entretanto, desculpou-se publicamente um dia depois, dizendo que tudo não passara de um mal-entendido cuja culpa deveria ser atribuía ao seu supostamente precário domínio do inglês – idioma no qual as declarações abertamente ofensivas foram dias antes pronunciadas. Yelena é Embaixadora da Juventude Olímpica e será, nada mais nada menos, que a apresentadora e aquela que carregará a tocha olímpica dos Jogos de Inverno. Devido a todo este quadro, não por acaso alguns atletas, dirigentes esportivos e políticos têm defendido o boicote ao evento.
Outros dois recentes episódios que ganharam espaço na mídia foram: a recusa por parte do jovem ator gay americano Wentworth Miller em participar do Festival de Cinema de São Petesburgo; assim como a negativa por parte do apresentador americano Andy Cohen, também gay, em atuar como um dos anfitriões da final do concurso Miss Universo, que ocorrerá em Moscou no mês de novembro deste ano. E, no que diz respeito a este último caso, parte da mídia não deixou de chamar atenção para o que seria um contraste entre um “mundo fashion”, cujos bastidores seriam povoados por maquiadores, estilistas, cabeleireiros e produtores LGBT’s e o local escolhido para sediar o evento.
Mas, talvez nesta altura alguém ainda possa estar se perguntando o que tudo isto, que acontece tão longe, possa ter a ver com o Brasil. Afora o fato de que atletas e profissionais de tantas outras áreas, que porventura venham a ter que visitar a Rússia, possam vir a se sentir em alguma medida oprimidos por todas estas leis e clima de repressão. E neste ponto, creio que nem preciso ainda insistir nas premissas comuns que pautam os discursos LGBT’s fóbicos de toda e qualquer parte do mundo. Tampouco no fato de que Direitos Humanos sempre deveriam ser, de fato e de direito, para TODAS as pessoas. Mas, quanto a outro aspecto, opto por insistir: a ONU, ainda em 2010 publicou o alarmante dado de que cerca de 250 pessoas teriam sido assassinadas no Brasil, vítimas de ataques homofóbicos e transfóbicos.
E mais, recentemente, como resultado de estudo feito pelo Grupo Gay da Bahia, divulgado no último dia 27 de agosto deste ano, estima-se que entre o ano de 2011 e 2012, o número de homossexuais mortos no Brasil teria aumentado em 27%. Este estudo destaca também, o fato de que que uma pessoa LGBT é violentamente assassinada no Brasil a cada 26 horas.
Dados que, talvez, possam servir de alerta para aquelas pessoas que insistem em dizer que no Brasil, viveríamos em “tenebrosos” tempos de “ditadura gay”. Ironia, dentre tantas outras, presentes num país em que ainda se há espaço para proferir discursos que tratam certas sexualidades como doença; assim como para a expressão pública e impune de LGBT’s fobias as mais diversas e cotidianas.
Fonte: Blogueiras Feministas
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