PICICA: "Sêneca escreveu que, ao lembrar certas coisas que dissera, tinha
inveja dos mudos. Talvez Caruso inveje, em algum momento, os que não
sabem desenhar."
Chico Caruso e a arte da crueldade nas charges, por Paulo Nogueira
Caruso, a cara da nossa imprensa novo
As charges de Caruso no Mensalão vistas hoje
Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
Leitores chamaram a atenção para o papel no Mensalão do cartunista
Chico Caruso, do Globo, ao comentarem o artigo sobre a dupla injustiça
de que foi vítima Gushiken, primeiro pela justiça e depois pela mídia,
ou vice-versa. Um deles, mais indignado, tratou Caruso como “canalha”.
Caruso teria reproduzido, em suas charges, o direitismo histérico de
colunistas como Reinaldo Azevedo e Arnaldo Jabor.
A presença de Gushiken nos trabalhos de Caruso incomodou
particularmente leitores do Diário. Gushiken, como os demais réus,
frequentemente apareceu nu diante dos juízes do STF.
O detalhe específico de Gushiken é que ele foi inocentado. Para
piorar as coisas, o massacre da mídia – e as charges de Caruso se
incluem aí – poderia ter contribuído para a aceleração do câncer
terminal que ele enfrenta.
Quanto é real essa aceleração é difícil aferir, naturalmente.
Mas que Caruso julgou, condenou e humilhou os réus em seus desenhos
é um fato da vida com o qual ele terá de conviver até o fim de sua
carreira.
Caruso santificou os juízes e demonizou os réus. Com isso, ajudou a
criar uma situação em que os acusados apareciam como, simplesmente,
indefensáveis.
Com o correr dos dias, emergiram – quase sempre na internet –
notícias que mostraram quem eram, na verdade, os ‘santos’ do Supremo. De
Joaquim Barbosa a Fux e Gilmar Mendes, três dos mais severos juízes no
julgamento, pouco restou da aura heroica.
Também foi ficando mais claro o caráter heterodoxo do julgamento –
muito mais político que jurídico. O STF esqueceu, aspas, que você
precisa de provas para condenar.
Também se viu o absurdo que é você ser julgado sem direito a
recorrer a uma nova instância, para que o veredito possa ser avaliado.
Foi o que ocorreu com os réus do Mensalão.
Outras questões apareceram, como o exagero das penas. Como o Diário
comparou, o assassino norueguês Anders Breivik, que matou dezenas de
jovens, levou metade da pena de Marcos Valério por corrupção. Valério
foi condenado a 40 anos de prisão.
Em favor de Caruso, pode-se argumentar que, no momento em que ele
produziu suas charges que hoje podem ser classificadas tranquilamente
como infames, não havia as informações hoje correntes sobre o STF e o
julgamento.
Ele simplesmente teria, neste caso, agido como numa manada.
Talvez seja a essa interpretação que ele se agarre, quando e se refletir sobre o que fez.
Ele deveria de alguma forma se desculpar? Ainda que isso lhe
passasse pela cabeça, não dá para acreditar que ele pudesse fazer nada
nessa direção na Globo.
E isso mostra um outro lado nesta discussão: o quanto, a despeito
de eventualmente um bom salário, é inóspita a Globo para cartunistas
como Caruso.
Você não pode contrariar a visão da casa, e isso é uma tragédia para artistas.
Compare hoje Caruso com Latuff, por exemplo. Caruso parece ter 1
000 anos. Latuff captou o zeitgeist, o espírito do tempo – algo que é o
oposto do que se vê nas arquirreacionárias Organizações Globo.
Caruso já foi admirado, sobretudo nos anos 1980. Hoje é abominado
por muita gente. Pode a qualquer momento ser vítima de esculachos.
Ele pode fazer algumas coisas para lidar com as charges de alguns meses atrás, como atribuí-las às circunstâncias.
Só não pode apagá-las.
Sêneca escreveu que, ao lembrar certas coisas que dissera, tinha
inveja dos mudos. Talvez Caruso inveje, em algum momento, os que não
sabem desenhar.
Fonte: GGN
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