setembro 21, 2013

"SUS: é o fim ou o começo?", por Ana Maria Costa

PICICA: "Apesar da Constituição cidadã ter definido a responsabilidade do Estado na garantia do direito universal à saúde, o brasileiro vive na insegurança dos serviços precários de assistência pública que é oferecida pelo Sistema Único de Saúde, conduzindo 50 milhões de pessoas aos planos privados. Além de pagar esta conta, os brasileiros arcam com os custos da compra de medicamentos justificando a característica do PIB setorial da saúde que tem 60% de sua composição proveniente do bolso das famílias.

É preciso reafirmar os efetivos avanços proporcionados pela implantação, mesmo que incompleta, do SUS. Entretanto, estes avanços não deram conta do desígnio de sua concepção, ou seja, um sistema universal, integral e de qualidade.

Submetido a um crônico subfinanciamento, que até hoje é entendido pelos setores da economia como gasto e não como um investimento, o SUS tem sobrevivido de forma marginal aos sucessivos governos. Acabou, na prática, se transformando em um sistema ruim para a população pobre que não tem acesso aos planos de saúde. Ainda por cima, é objeto de criticas e olhares enviesados por má gestão e corrupção." 


SUS: é o fim ou o começo?


Ana Maria Costa *

Ana Costa
A luta pelo direito a saúde no Brasil é o objeto do movimento pela reforma sanitária e traz a marca do conflito entre os interesses públicos com os interesses do mercado que, em última instancia, determinaram o grau de investimento e prioridade que os sucessivos governos destinaram à saúde. O fato é que o direito à saúde não recebeu o devido tratamento dos governos pós constitucionais e nem teve destaque no processo de desenvolvimento em curso no país, o que explica a presença da saúde na pauta popular demonstradas nas pesquisas de opinião e nas recentes manifestações das ruas.

Apesar da Constituição cidadã ter definido a responsabilidade do Estado na garantia do direito universal à saúde, o brasileiro vive na insegurança dos serviços precários de assistência pública que é oferecida pelo Sistema Único de Saúde, conduzindo 50 milhões de pessoas aos planos privados. Além de pagar esta conta, os brasileiros arcam com os custos da compra de medicamentos justificando a característica do PIB setorial da saúde que tem 60% de sua composição proveniente do bolso das famílias.

É preciso reafirmar os efetivos avanços proporcionados pela implantação, mesmo que incompleta, do SUS. Entretanto, estes avanços não deram conta do desígnio de sua concepção, ou seja, um sistema universal, integral e de qualidade.

Submetido a um crônico subfinanciamento, que até hoje é entendido pelos setores da economia como gasto e não como um investimento, o SUS tem sobrevivido de forma marginal aos sucessivos governos. Acabou, na prática, se transformando em um sistema ruim para a população pobre que não tem acesso aos planos de saúde. Ainda por cima, é objeto de criticas e olhares enviesados por má gestão e corrupção.

Ora, porque sacrificar o projeto do SUS deixando incólumes e protegidos os grupos e interesses contrários ao seu pleno funcionamento?

A quem interessa que o SUS acumule filas, mau atendimento, falta de equipamentos e insumos, maus salários e ausência de carreiras para os profissionais? Quem acumulou ganhos com isso, ao longo dos 25 anos de sua criação?

O que o Brasil vem fazendo para favorecer a ampliação do setor privado da saúde está na contramão dos princípios constitucionais sobre a responsabilidade do Estado na garantia do direito à saúde provendo um sistema público, universal e de qualidade tendo o setor privado apenas como complementar.

E como o Brasil - governo e sociedade - ajuda as empresas e o mercado da saúde?

Com tímida regulação sobre a existência e expansão dos serviços privados garantindo o caráter complementar. Com subsídios para as entidades filantrópicas que operam em lógicas privadas e oferecem em troca aos usuários do SUS atendimentos com distinto nível de qualidade, configurando o que costumamos chamar de dupla-porta: para pagante e para usuários do SUS;

Com renúncia fiscal que consiste na devolução de todos os gastos realizados pelas famílias com serviços privados, estimulando vantagens e, portanto, a ampliação de sua clientela. Lembre-se que o dinheiro da devolução de impostos tem enorme significado se investido no SUS;

Com polpudos subsídios para que os trabalhadores dos governos, incluindo todos os poderes, seja de âmbito federal, estaduais ou municipais, disponham de planos de saúde;

Com uma regulação débil e sempre favorável ao setor regulado, inclusive elevando a cargos de direção da agência reguladora, a ANS, os executivos das empresas do mercado;

Com a cobertura de atendimento quase universalizada aos casos de doenças de alto custo terapêutico aliviando o gasto do setor privado. Para isso o SUS investe fortemente nos serviços de alta complexidade favorecendo os planos e boicotando todas as evidencias sobre a necessidade de mudança do modelo de atenção e de cuidado à saúde que deve perseguir a efetiva implantação da atenção primaria, mantendo o precário acesso e a baixa qualidade do SUS que empurra a população aos planos privados.

Com uma sistemática inoperância em relação ao ressarcimento aos cofres do SUS de gastos efetuados por clientes de planos de saúde, conforme previsto pela legislação, gastos estes geralmente relacionados com tratamentos de elevado custo, o que contribui para  ampliar margem de lucro das empresas.

É nesse circulo nada virtuoso que a saúde hoje se encontra. Enfrentar estas contradições pode ser determinante para que o SUS possa,  finalmente, renascer sob a regência dos interesses públicos e descolar das artimanhas do mercado e do capital.


* - Ana Maria Costa é Medica, Doutora em Ciências da Saúde, Docente do curso de Medicina da ESCS/DF, Presidenta do Cebes
Fonte: Cebes

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