PICICA: "Apesar da Constituição cidadã ter
definido a responsabilidade do Estado na garantia do direito universal à
saúde, o brasileiro vive na insegurança dos serviços precários de assistência pública que é oferecida pelo Sistema Único de Saúde,
conduzindo 50 milhões de pessoas aos planos privados. Além de pagar
esta conta, os brasileiros arcam com os custos da compra de medicamentos
justificando a característica do PIB setorial da saúde que tem 60% de
sua composição proveniente do bolso das famílias.
É
preciso reafirmar os efetivos avanços proporcionados pela implantação,
mesmo que incompleta, do SUS. Entretanto, estes avanços não deram conta
do desígnio de sua concepção, ou seja, um sistema universal, integral e
de qualidade.
Submetido a um crônico
subfinanciamento, que até hoje é entendido pelos setores da economia
como gasto e não como um investimento, o SUS tem sobrevivido de forma
marginal aos sucessivos governos. Acabou, na prática, se transformando
em um sistema ruim para a população pobre que não tem acesso aos planos
de saúde. Ainda por cima, é objeto de criticas e olhares enviesados por má gestão e corrupção."
SUS: é o fim ou o começo?
Ana Maria Costa *
A
luta pelo direito a saúde no Brasil é o objeto do movimento pela
reforma sanitária e traz a marca do conflito entre os interesses
públicos com os interesses do mercado que, em última instancia,
determinaram o grau de investimento
e prioridade que os sucessivos governos destinaram à saúde. O fato é
que o direito à saúde não recebeu o devido tratamento dos governos pós
constitucionais e nem teve destaque no processo de desenvolvimento
em curso no país, o que explica a presença da saúde na pauta popular
demonstradas nas pesquisas de opinião e nas recentes manifestações das
ruas.
Apesar da Constituição cidadã ter
definido a responsabilidade do Estado na garantia do direito universal à
saúde, o brasileiro vive na insegurança dos serviços precários de assistência pública que é oferecida pelo Sistema Único de Saúde,
conduzindo 50 milhões de pessoas aos planos privados. Além de pagar
esta conta, os brasileiros arcam com os custos da compra de medicamentos
justificando a característica do PIB setorial da saúde que tem 60% de
sua composição proveniente do bolso das famílias.
É
preciso reafirmar os efetivos avanços proporcionados pela implantação,
mesmo que incompleta, do SUS. Entretanto, estes avanços não deram conta
do desígnio de sua concepção, ou seja, um sistema universal, integral e
de qualidade.
Submetido a um crônico
subfinanciamento, que até hoje é entendido pelos setores da economia
como gasto e não como um investimento, o SUS tem sobrevivido de forma
marginal aos sucessivos governos. Acabou, na prática, se transformando
em um sistema ruim para a população pobre que não tem acesso aos planos
de saúde. Ainda por cima, é objeto de criticas e olhares enviesados por má gestão e corrupção.
Ora,
porque sacrificar o projeto do SUS deixando incólumes e protegidos os
grupos e interesses contrários ao seu pleno funcionamento?
A
quem interessa que o SUS acumule filas, mau atendimento, falta de
equipamentos e insumos, maus salários e ausência de carreiras para os
profissionais? Quem acumulou ganhos com isso, ao longo dos 25 anos de
sua criação?
O que o Brasil vem fazendo para favorecer a ampliação do setor privado
da saúde está na contramão dos princípios constitucionais sobre a
responsabilidade do Estado na garantia do direito à saúde provendo um
sistema público, universal e de qualidade tendo o setor privado apenas
como complementar.
E como o Brasil - governo e sociedade - ajuda as empresas e o mercado da saúde?
Com
tímida regulação sobre a existência e expansão dos serviços privados
garantindo o caráter complementar. Com subsídios para as entidades
filantrópicas que operam em lógicas privadas e oferecem em troca aos
usuários do SUS atendimentos com distinto nível de qualidade,
configurando o que costumamos chamar de dupla-porta: para pagante e para
usuários do SUS;
Com renúncia fiscal que
consiste na devolução de todos os gastos realizados pelas famílias com
serviços privados, estimulando vantagens e, portanto, a ampliação de sua
clientela. Lembre-se que o dinheiro da devolução de impostos tem enorme
significado se investido no SUS;
Com polpudos
subsídios para que os trabalhadores dos governos, incluindo todos os
poderes, seja de âmbito federal, estaduais ou municipais, disponham de
planos de saúde;
Com uma regulação débil e
sempre favorável ao setor regulado, inclusive elevando a cargos de
direção da agência reguladora, a ANS, os executivos das empresas do
mercado;
Com a cobertura de atendimento quase
universalizada aos casos de doenças de alto custo terapêutico aliviando o
gasto do setor privado. Para isso o SUS investe fortemente nos serviços
de alta complexidade favorecendo os planos e boicotando todas as
evidencias sobre a necessidade de mudança do modelo de atenção e de
cuidado à saúde que deve perseguir a efetiva implantação da atenção
primaria, mantendo o precário acesso e a baixa qualidade do SUS que
empurra a população aos planos privados.
Com
uma sistemática inoperância em relação ao ressarcimento aos cofres do
SUS de gastos efetuados por clientes de planos de saúde, conforme
previsto pela legislação, gastos estes geralmente relacionados com
tratamentos de elevado custo, o que contribui para ampliar margem de
lucro das empresas.
É nesse circulo nada
virtuoso que a saúde hoje se encontra. Enfrentar estas contradições pode
ser determinante para que o SUS possa, finalmente, renascer sob a
regência dos interesses públicos e descolar das artimanhas do mercado e
do capital.
* - Ana Maria Costa é Medica, Doutora em Ciências da Saúde, Docente do curso de Medicina da ESCS/DF, Presidenta do Cebes
Fonte: Cebes
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