setembro 16, 2013

"''Devemos construir uma religião laica''. Entrevista com Julia Kristeva" (IHU)

PICICA: "Quem hoje tem a autoridade para estabelecer o limite além do qual não se pode ir?

Eu não estou tão certa de que o conceito de limite está desaparecendo. Dou-lhe um exemplo concreto que diz respeito à figura de autoridade. Vivemos em uma espécie de entusiasmo romântico ligado ao enorme desenvolvimento da ciência médica, com base no qual, por exemplo, a velha figura do pai parece não ser mais indispensável. Bem, isso não exclui que uma criança, para crescer, precise mesmo assim se separar passional e sensorialmente da mãe. E, para que isso aconteça, deve intervir uma autoridade que lhe ponha limites.

Tal papel poderá ser desempenhado, sei lá, pelo pai genético, pelo avô materno, por um professor... ou por um psicanalista, se essa criança não aprender a ideia do limite. Certamente, porém, essa passagem não poderá ser evitada. Porque justamente nós, herdeiros do Iluminismo e das ciências humanas, sabemos bem que uma pessoa, para se tornar adulta, precisa ser "estruturada" e, portanto, se apoiar em uma norma. Não para se sujeitar às vontades de uma Igreja ou de qualquer forma de confessionalismo, mas sim por uma necessidade psíquica. A autoridade em que eu penso será fundada sobre um saber plural e sobre diversas formas de experiência, capaz, portanto, de se adaptar a cada indivíduo."

''Devemos construir uma religião laica''. Entrevista com Julia Kristeva

A psicanalista explica por que o nosso senso moral perdeu toda referência à autoridade.

A reportagem é de Franco Marcoaldi, publicada no jornal La Repubblica, 07-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Ao passar pelo portão da casa parisiense de Julia Kristeva, o pensamento logo vai para a feminista ultrabatalhadora, à jovem redatora da revista de vanguarda Tel Quel, à inquieta psicanalista e estudiosa de semiótica amiga de Foucault, Barthes, Derrida... E depois eu me encontro diante de uma bela senhora de 70 anos, que, sem renegar todos esses fatos do passado, está percorrendo itinerários que se enriqueceram com novas nuances.

"A nossa herança cultural é dupla. De um lado, o cristianismo, de outro, o Iluminismo, ruptura irreversível da civilização europeia. Ainda mais aqui na França: pátria da Revolução Francesa e dos direitos humanos. No momento em que a noção de pecado perde sentido para a parte secularizada da população, resta a grande preocupação sobre o significado da ética laica. E o dilema do atual governo francês demonstra bem isso, que se pergunta se é justo ensinar uma moral laica ou, ao invés, propender por um ensino laico da moral. Porque um sistema de regras pré-fabricado que seja bom para todos já é impensável. Trata-se, então, de reconhecer a especificidade da vida interior de cada um e, consequentemente, encontrar a versão singular, pessoal, de tais regras".

Eis a entrevista.

Portanto, a seu ver, a ideia de limite só pode ser salvaguardada graças a um cruzamento entre a tradição religiosa e a modernidade laica.

Absolutamente. O novo humanismo passa por uma reavaliação permanente de todos os códigos morais da humanidade, incluindo o da religião que nos precede. Essa herança não pode ser deixada nas mãos da Frente Nacional ou das diversas formas de integralismo. É necessário que, nas escolas, se ensine história da religião, para se encaminhar não na direção de um sistema de regras absolutas, mas sim de uma interrogação ininterrupta da tradição. Interrogação que também deve valer para os legados da revolução das Luzes. Essa época produziu uma nova liberdade, até então impensável: seja do pensamento, quanto do corpo, contra os diferentes dogmatismos religiosos e de classe.

Mas também pudemos provar os riscos inscritos em tal liberdade. Eu penso nos resultados de uma libertação burguesa que desembocou antes no terror e depois no colonialismo; de um terceiro-mundismo que muitas vezes abriu as portas ao fundamentalismo religioso. E penso também em um feminismo em grande escala, mais do que nunca generoso, mas incapaz de enfrentar tantas exigências singulares, começando pela experiência da maternidade. Nietzsche diz que é preciso colocar um grande ponto de interrogação sobre todas as questões mais sérias que temos pela frente. Para chegar até nós: o que é o pecado? O que é a transgressão? O que é a negação da norma? O que é a revolta? Assim como é preciso voltar a se interrogar sobre a ideia de autoridade.

É precisamente esse o ponto. Quem hoje tem a autoridade para estabelecer o limite além do qual não se pode ir?

Eu não estou tão certa de que o conceito de limite está desaparecendo. Dou-lhe um exemplo concreto que diz respeito à figura de autoridade. Vivemos em uma espécie de entusiasmo romântico ligado ao enorme desenvolvimento da ciência médica, com base no qual, por exemplo, a velha figura do pai parece não ser mais indispensável. Bem, isso não exclui que uma criança, para crescer, precise mesmo assim se separar passional e sensorialmente da mãe. E, para que isso aconteça, deve intervir uma autoridade que lhe ponha limites.

Tal papel poderá ser desempenhado, sei lá, pelo pai genético, pelo avô materno, por um professor... ou por um psicanalista, se essa criança não aprender a ideia do limite. Certamente, porém, essa passagem não poderá ser evitada. Porque justamente nós, herdeiros do Iluminismo e das ciências humanas, sabemos bem que uma pessoa, para se tornar adulta, precisa ser "estruturada" e, portanto, se apoiar em uma norma. Não para se sujeitar às vontades de uma Igreja ou de qualquer forma de confessionalismo, mas sim por uma necessidade psíquica. A autoridade em que eu penso será fundada sobre um saber plural e sobre diversas formas de experiência, capaz, portanto, de se adaptar a cada indivíduo.

Talvez para nós, europeus, tudo isso se complica por causa do fundamento religioso da moral. Diferente é o caso daquelas sociedades orientais que têm fundamentos laicos autônomos: penso no confucionismo.

Eu não tenho tanta certeza de que a mistura da herança greco-judaico-cristã combinada com o iluminista nos torne mais impotentes em comparação com outras situações. Ao contrário, penso que, nesse crisol, estão inscritas potencialidades das quais não nos orgulhamos o suficiente. Se a Europa está tão em crise e, no fundo, deprimida, é porque não utilizou a melhor carta à disposição: a cultura. Ainda Duns Scotus, no século XIII, falava da verdade como algo que não pertence nem a categorias abstratas, nem à opacidade da biologia, mas sim à haecceitas, ao "isto". Em cada um há uma migalha de exceção: e aqui deve ser buscada a verdade. Eis a verdadeira mensagem europeia, estranha tanto à cultura chinesa, quanto à árabe.

Veja, desde 1968, desde os anos do maoísmo, estou em constante contato com a cultura chinesa. Uma cultura que, graças à mistura de taoísmo e confucionismo, produziu uma extraordinária adaptabilidade ao cosmos, à natureza, ao fluxo da vida; uma sociedade em que os melhores legados confucianos garantem o respeito pela tradição. Porém, diante da explosão da demanda por direitos individuais, são eles que se encontram em dificuldades. E que identificam na cultura europeia o modelo a seguir.

Se a ideia de limite se despedaça, também acaba a ideia de transgressão. Nesse ponto, o clássico mito de Don Juan também não perde sentido?

Todos sabem que um certo feminismo, sobretudo norte-americano, se mobilizou contra o homem sedutor, ao qual tudo é permitido e que se refere precisamente ao mito de Don Juan. Em muitos aspectos, foi e é uma batalha absolutamente justa, como demonstram ainda muitos casos em que homens de poder impõem o seu desejo às mulheres com brutal agressividade. Mas foram duas as consequências: de um lado, uma crise cada vez mais evidente da virilidade, com o homem ocidental, que oscila entre impotência e violência; de outro, a negação da sedução, elemento imprescindível do erotismo.

Nesse cenário, quais são as novas "doenças da alma", para usar uma expressão de alguns anos atrás?

Aquelas ligadas ao enfraquecimento da família, da escola, geralmente dos locais de integração. Sem contar o crescente papel da imagem, que substitui a linguagem e torna o homem falante cada vez menos falante. Enquanto o sistema de comunicação já cobre todo o campo visual sob uma imensa tela de superfície, a despeito da profundidade, do foro interior. É nesse vazio crescente, naquela condição de desadaptação definida em termos psicanalíticos como "de-liaison", que se insere com sucesso toda forma de integralismo, através de uma espécie de capitalização das pulsões de morte enviadas aos jovens "doentes de idealidade", que não reconhecem mais não apenas a diferença entre bem e mal, mas também a entre dentro e fora, o eu e o outro. Nesse ponto, o limite da morte também perde sentido.

Por um lado, o tradicionalismo religioso, por outro, o niilismo crescente: não parece haver muito espaço para um novo humanismo.

Eu acho, ao invés, que esse espaço existe. Na época da globalização, não se confrontam apenas diversas línguas e religiões, mas também diversas morais. Cabe a nós a tarefa de tecer uma espécie de manto de Arlequim, uma espécie de passarela ideal entre os códigos morais de cada um. A humanidade já não nos parece mais um universo, mas sim um multiverso, e eu me apoio nisso na astrofísica e na teoria da proliferação dos universos possíveis. Eis por que eu falo do manto de Arlequim como uma nova veste social e normativa, à qual deve concorrer a mesma releitura da tradição e a sua concepção de limite.

Como conclusão da sua Crítica da Razão Pura, Kant entrevê a possibilidade de um corpus mysticum de seres racionais, em que o eu e o seu livre arbítrio se reúnem com o totalmente outro. É muito mais do que a referência ao deteriorado conceito de solidariedade. É um incentivo a entrar em contato com o estranho, a compreendê-lo, preservando a sua singularidade, a sua exceção. Para conseguir isso, é preciso criar uma nova classe de pioneiros do humanismo, dispostos a lutar a batalha de uma incansável negociação entre diferenças.

Fonte: IHU

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