PICICA: "[...] uma cidade insurgente reúne mais potência do que
este símbolo do “Brasil Maior” que está pactuado pelo poder constituído."
A solidariedade aos profissionais de educação: a mistura insurgente
01/10/2013
Por Marcelo Castañeda
Foto: OcupaCâmara, retratando o
momento da colocação de grades pelo governo, para isolar a casa legislativa da
cidade.
—Faço aqui um relato do ato de ontem, dia 30,em apoio e solidariedade à luta dos profissionais de educação do município do Rio que foram barbaramente expulsos do plenário da Câmara no sábado, ocupado desde a última quinta. Além disso, fui para a rua para pressionar pela retirada da urgência da votação do Plano de Carreira pelos vereadores, um projeto que não foi e precisa ser discutido entre o governo e o sindicato.
Deviam ter umas 5 mil pessoas, mas não sou bom para estimativas. Esperava pelo menos o dobro de pessoas. Ainda assim, o ato reuniu um conjunto de pessoas significativo, tendo em vista que o mesmo começou a ser convocado na madrugada de sábado para domingo. Havia uma mistura que compreendia professores, alunos, advogados e simpatizantes, entre eles alguns que se identificam com a tática Black Bloc. Esta mistura traz uma potência insurgente para a cidade.
Houve tensão permanente com a polícia. Uma tensão deflagrada pela própria polícia, que fique bem claro. Já antes de ir, soube pelas redes sociais de incidentes de violência policial contra manifestantes (com uso indiscriminado de spray de pimenta), bem como a violação do direito de ir e vir na rua que dá para a entrada lateral da Câmara. Hoje, dia primeiro, essa rua amanheceu bloqueada por grades, o que caracteriza um estado de exceção em pleno centro do Rio. O tensionamento aberto por parte da polícia já vem se constituindo como uma postura padrão nas manifestações.
Apesar das tentativas de os poderes constituídos cessarem as manifestações a qualquer preço, elas insistem em acontecer. A cidade do Rio de Janeiro foi vendida pelo governo Lula e está sendo trabalhada para ser o símbolo de um “Brasil Maior”, um país daqui por diante bem-sucedido, grandiosa cidade maravilhosa, sede da Copa do Mundo e das Olimpíadas. Este foi o pacto, negociado por Lula, e que Dilma se esforça, no cálculo de seu silêncio, para manter: três esferas de governo (Dilma/Cabral/Paes), suas bancadas majoritárias no legislativo, parte considerável do judiciário, mídia e grandes empresários: todos juntos nessa narrativa e nas tentativas de concretizá-la custe o que custar. Ao destacar esta “tríplice entente”, entendo que a violência policial é sustentada como uma estratégia consciente. A polícia sabe o que faz e para quem faz.
Contra o pacto do poder constituído, o lado selvagem vem mostrando sua cara há algum tempo. O mês de junho pode ser considerado como ápice deste movimento insurgente, que vinha de antes e continua nas ruas e praças da cidade, provocando e tensionando uma imagem de sucesso já vendida, cuja máscara cai a cada instante perante as contradições e mazelas que afloram e se agitam no “purgatório da beleza e do caos”.
No encontro das tensões entre policiais e manifestantes, a violência dos primeiros tem me chamado a atenção. Mais que isso, me choca constatar, a cada manifestação que compareço, o quanto vivo em uma cidade que tem a polícia preparada para espalhar medo e pânico, bem como agredir pessoas que estão se manifestando, e às vezes até mesmo aquelas que tão somente passam pelas manifestações. Além disso, me choca este poder político que governa encontrando brechas na legalidade a ponto de legitimar, entre outras arbitrariedades, a desocupação do plenário da Câmara do Rio sem um mandado em pleno sábado a noite.
Voltando ao relato sobre o ato, cheguei por voltas das cinco da tarde, já atento a esta tensão. Fiquei circulando em meio a o ensurdecedor carro de som, que estava entre o Amarelinho e a Câmara, e repetia “o ato é aqui (no entorno do carro de som)”, “a comissão de vereadores está reunida e está aguardando”, “estamos aqui para garantir a segurança dos colegas que estão acampados”. Nessa circulação, pude ver o momento em que uma parte dos manifestantes, — imagino que talvez fossem manifestantes na tática black bloc, — se destacando do carro de som, que centralizava o ato e as falas, e fechando a Rua Evaristo da Veiga e a Avenida Rio Branco. Depois, as ruas permaneceram fechadas pela própria PM. No processo, houve corre-corre, tudo longe do carro de som, e um manifestante teve a perna quebrada por policiais.
Voltei para perto do carro de som nesta hora, pois estava temeroso de que pipocasse bomba da PM a qualquer momento. Nessa hora que voltei para perto do carro de som, me chamou atenção como as pessoas reagiam às imagens nas telas de TV (sem áudio, sintonizada na Rede Globo no restaurante Amarelinho, ali no horário do RJTV). A galera vaiou, mais que aplaudiu, as imagens transmitidas. Quando apareceu o prefeito Eduardo Paes, uma vaia enorme, como se ele estivesse presente, abafando até o ruidoso microfone do carro de som.
Depois que o RJTV passou, os bons e velhos brados: “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” e “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”. E o helicóptero, meio predileto de cobertura da emissora atualmente, sobrevoava a Cinelândia. Fiquei impressionado de ver como as imagens veiculadas pela emissora mexeram mais com as emoções dos que estavam naquele pedaço do que qualquer falatório no carro de som, que estava ali.
Passado o momento, resolvi dar mais uma circulada com uma amiga e pude perceber que todas as ruas laterais entre a Cinelândia e a Rua Senador Dantas tinham policiais em quantidade. Nesta circulada, soube que os manifestantes black blocs decidiram ir para até a ALERJ. Voltei pra perto do carro de som, que parecia estar a todo vapor, intocável nas inscrições de falas. Uma delas chegou ao ponto de entoar “o black bloc é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo”. Neste momento, o ato já estava se esvaziando. Ainda que não estivessem ocupando as ruas, tanto a Rua Evaristo da Veiga, quanto a Avenida Rio Branco permaneciam fechadas.
Foi quando decidi parar para comer uma pizza no Amarelinho com alguns colegas. Não deu tempo nem de comer a última fatia, pois a PM começou a soltar bombas seguidas. Pelo que um amigo me falou, as bombas começaram assim que os black blocs partiram para a ALERJ. E o dito carro de som saiu em disparada, deixando os que ali estavam a mercê da polícia. Foi a hora que consegui tomar o rumo de casa, pois não estava a fim de participar da barbárie costumeira protagonizada pela polícia nessas horas. Houve conflitos entre a polícia e os manifestantes (ou seria melhor falar de uma agressão da polícia?), com algumas detenções. Os manifestantes resistiram, não recuaram e asseguraram as duas ocupações que estão acontecendo (na Câmara e na ALERJ).
Estamos atentos aos arbítrios do poder constituído e na luta, mixando pessoas e estabelecendo novos contatos. Além disso, estamos a mostrar que uma cidade insurgente reúne mais potência do que este símbolo do “Brasil Maior” que está pactuado pelo poder constituído.
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