outubro 22, 2013

"Camille Claudel, metade de uma vida" - Texto de Catarina Corrêa.

PICICA: "O que a obra traz de brilhante é um tratado sobre a deformidade da fé, sobre a marginalização da loucura e, acima de tudo, sobre a incompreensão e criminalização do sexo feminino.

Sobre o sofrimento feminino como histeria, sobre a depressão e a sensibilidade (nada intrinsecamente ou naturalmente feminino) como um comum sofrer de um amor qualquer.

Seu irmão, a personificação da aceitação católica do sofrimento como condição do bem viver, exerce todo o poder patriarcal sobre a mulher sensível, submetida à criatividade desequilibrada (e desequilibrante). Ela, uma assassina inconsequente, ele, um bom cristão. Ela, mulher, ele, homem."


Camille Claudel, metade de uma vida


Texto de Catarina Corrêa.

É inverno de 1915 e a escultora Camille Claudel (interpretada no filme por Juliette Binoche) é internada pelos familiares em um asilo psiquiátrico mantido por religiosas em função de um aborto, separação e subsequente desequilíbrio emocional, agravado por uma depressão gerada pela morte de seu pai.

Aos 49 anos, quando é internada, ela passou metade da sua vida ao lado de Rodin. Aos 79, quando morre, passou quase metade de sua vida internada.

Camille Claudel, interpretada por Juliette Binoche.

É um filme denso e difícil. Quase sem diálogos e sem trilha sonora, que mergulha no universo do hospício e nos silêncios atortoados da solidão e do não pertencer àquele universo dos surtos psicóticos. O breve período narrado no filme é o tempo entre a transferência de Camille para o hospício no interior da França e a visita de seu irmão: a breve esperança e a eterna prisão, não necessariamente nessa ordem.

É um filme que causa desconforto. Profundo desconforto com a instituição do hospício, com a moral religiosa de Paul Claudel, com a condição do feminino relegado à margem, com a condenação dos “delírios persecutórios” de uma mulher que foi perseguida, roubada, humilhada e ferida e desorientada.

O filme é baseado nas cartas trocadas entre Camile e Paul Claudel e foi rodado em um verdadeiro hospital psiquiátrico, com a participação de verdadeiros doentes mentais. Ele é marcado pelo olhar artístico de Camille sobre o mundo que a cerca, e sugere pensar… que vida foi esta de Camille?

Que vida pela metade, que vida incompreendida, que vida amargurada? Que dia foi este que durou 29 anos de internação? Que horas eternas, que sofrimento constante, que momentos semelhantes consecutivos construíram 29 anos de vida presa ao corpo carimbado de louco, à mente insana preenchida pelo medo, pela morte e pela iminência de um assassinato…

Paul Claudel, interpretado pelo ator Jean-Luc Vincent.

O que a obra traz de brilhante é um tratado sobre a deformidade da fé, sobre a marginalização da loucura e, acima de tudo, sobre a incompreensão e criminalização do sexo feminino.

Sobre o sofrimento feminino como histeria, sobre a depressão e a sensibilidade (nada intrinsecamente ou naturalmente feminino) como um comum sofrer de um amor qualquer.

Seu irmão, a personificação da aceitação católica do sofrimento como condição do bem viver, exerce todo o poder patriarcal sobre a mulher sensível, submetida à criatividade desequilibrada (e desequilibrante). Ela, uma assassina inconsequente, ele, um bom cristão. Ela, mulher, ele, homem.

E, na condição de cada um ser o que é, quem é o louco? Eu diria aquele que submete outrem a qualquer coisa que não simplesmente ser.


Trailer do filme Camille Claudel 1915 (2013).

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Catarina Corrêa num passado longíquo, tinha um futuro brilhante, mas resolveu ser quem é para ver no que dá. Hoje, transita entre desenhar, construir contrapúblicos e ser uma pessoa séria. Escreve no blog Ser Kahlo

Fonte: Blogueiras Feministas

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