PICICA: Em junho de 2012, minha nora Aline Ferreira e meu filho Diego Casado tiveram direitos assegurados pela Lei do Acompanhante no Parto violados pelo Hospital da Beneficente Portuguesa do Amazonas, por ocasião do nascimento de minha neta Flor. Pessoalmente tentei buscar apoio num grupo de mulheres organizadas em rede social, sem obter resposta. Já fomos mais solidário(a)s. Tentei contato com a imprensa local. Saíram pela tangente. Um dos argumentos é que o assunto teria que ser avaliado pelo pauteiro. O que não se falou foi dos interesses comerciais em jogo. Naquela semana havia sido lançada uma forte campanha publicitária nos jornais e na televisão com ênfase no nível de excelência da Beneficente Portuguesa. Há controvérsia. Acompanhei meu filho no Ministério Público para comunicar que um direito garantido por lei estava sendo subtraído das mulheres que realizam o parto naquela casa de saúde. O MP não moveu um dedo para averiguação, em nome do interesse coletivo. Meu filho e minha nora entraram com uma ação contra o referido hospital. Um ano depois, a juíza responsável pelo caso considerou que não houve danos psicológicos e, por conseguinte, não houve desrespeito de direitos (sic). A lei e os demandantes por justiça foram atropelados, mas não o suficiente para impedir que se recorra da sentença. A luta continua! Mães tem o direito de escolher o acompanhante que desejar nessa hora tão importante para elas e seus bebês.
O cérebro funciona durante a gravidez – um aviso necessário
Semana passada fiquei, junto com milhares de pessoas, chocada com a foto que estampou a capa do jornal mexicano La Razón. Uma mulher, de cócoras, ainda ligada pelo cordão umbilical ao bebê que pariu no gramado do hospital, depois de implorar atendimento por duas horas. Isso me remeteu ao medo que sentimos durante a gravidez ao perceber que o parto é, mesmo que inconscientemente, um processo pelo qual tradicionalmente se pune a mulher por ter feito sexo.
Existem inúmeras pesquisas sérias sobre violência no parto. A Pública publicou uma longa reportagem sobre violência obstétrica, relatando que a frase “na hora de fazer não gritou” é mais corriqueira do que se poderia aceitar. Eu fui atendida em dois países diferentes durante a gravidez, Angola e Brasil. Ao contrário do que imaginava, a volta para casa me ensinou que esse processo aqui é como tomar um soco na cara diariamente.
O ponto central é que confunde-se o acompanhamento da gravidez com pós-operatório de lobotomia. A não ser naqueles casos em que a mulher tem uma sorte absurda com o profissional de saúde que a atende, geralmente, somos tratadas como absolutamente mal informadas sobre tudo e incapazes de decidir sobre qualquer tipo de detalhe tanto na rede pública, quanto nos melhores — ou mais caros — hospitais da rede privada.
Sou jornalista, mas trabalhei no Unicef em Angola com atenção à saúde infantil, em conjunto com equipes da Organização Mundial da Saúde (OMS). Fiz os maiores esforços para me informar e cumprir todos os procedimentos necessários no acompanhamento de saúde e meus direitos na hora do parto. Ao chegar aqui, descobri que isso vale muito pouco ou quase nada. Eu era uma mulher grávida e, por isso, era tratada como absolutamente incompetente.
Tinha um plano de saúde que não deu certo e iniciei uma peregrinação por um grande número de hospitais da rede pública, nos quais, com uma única e honrosa exceção, fui tratada como uma irresponsável por fatos como: “não ter a caderneta padrão da gestante” ou “não ter o exame da semana tal preenchido em computador”. Com a maior cara-de-pau, profissionais inventavam desculpas para não fazer esforço de ler os exames e a caderneta que seguiam padrões internacionais da OMS, mas não tinham as coisas no mesmo ponto da página, nem as mesmas figurinhas preenchidas. Na rede privada era a mesma coisa.
O pior era o absoluto desdém por direitos garantidos internacionalmente e que, dizia a lenda, eram garantidos no Brasil. Há 10 direitos que a OMS estabelece como universais. Fora os de receber informação, os outros são uma peça de ficção nesse sistema punitivo que foi estabelecido por aqui. Mesmo depois de lutar muito, fui pega de surpresa com o desrespeito repentino e não avisado ao 10º direito, que era importantíssimo para mim: “Ficar junto ao seu bebê em todos os momentos após o parto”.
Em 2011, um mês antes do nascimento de meu filho, foi promulgada a lei que garante a presença de acompanhante na sala de parto, forma pela qual me livrei de ter que pagar um extra por isso, prática que havia se tornado comum nos hospitais particulares. Na rede pública, muitos alegavam que a presença do acompanhante não era possível por questão de espaço. O caso é que tudo isso era feito como se eu estivesse exigindo algo totalmente inadequado, não o cumprimento de um direito largamente conhecido pelos profissionais de saúde.
O que me corroía não era apenas a negativa de direito, era a diferença absurda nas explicações que eu tinha quando cobrei o assunto, como repórter e como gestante. Para a repórter tudo era fundamentado, cheio de ressalvas, com admissão da falta e culpando a falta de estrutura. Já para a gestante diziam que eu estava mal informada, alguns hospitais permitem acompanhante, muitos médicos recomendam mas não é um direito, por isso era permitido cobrar, inclusive.
A pior experiência foi quando me explicaram a questão do alívio da dor no parto normal. Em alguns hospitais não havia essa alternativa e, diante da minha indignação, ouvi uma vez: “deveria ter pensado antes de fazer, né?”. Naqueles que tinham a opção, principalmente na rede privada, diziam que eu não havia sido bem informada sobre poder optar pelo método, por se tratar de algo consagrado e padrão na medicina. Na verdade, a rede privada segue muito menos que a rede pública os procedimentos recomendados pela OMS. A ordem é cesariana e as pessoas se perdem quando alguém foge desse padrão.
Assim como todas as mulheres, já sofri preconceito em outras ocasiões. Também já fui internada outras vezes. Não falo aqui do machismo padrão, nem dos outros problemas do nosso sistema de saúde. A questão é cultural: grávida é praticamente inimputável aos olhos da sociedade. A opinião da gestante só é respeitada em 3 casos: ela é briguenta demais e dá trabalho; o marido corrobora com veemência; ou o profissional de saúde pensa da mesma forma.
Já li que em cidades pequenas os problemas nessa área não são tão grandes, porque as pessoas se conhecem. Não estão lidando apenas com uma grávida, que precisa ser punida para aprender o preço de uma relação sexual, estão lidando com a dona Fulana, que já tinha algum tipo de relação com aqueles profissionais de saúde. Talvez seja verdade, essas experiências que conto passei quase todas na cidade de São Paulo.
Por essas grandes coincidências da vida, no mesmo dia em que vi a foto da mulher e do bebê no gramado do hospital mexicano, soube que uma amiga querida, a vereadora Patrícia Bezerra, está firme e forte com o Projeto de Lei 01-00027/2013, que transforma em Lei todos os detalhes do parto humanizado na cidade de São Paulo. Na justificativa ela agradece o grupo Amigas do Parto, que há muito tempo briga pela causa.
Pode ser melancólico ter que colocar ali, na Lei, todos os detalhes dos direitos que já temos para que as mulheres finalmente sejam ouvidas quando fazem cobranças durante a gravidez. Mas, o importante, além da possibilidade de garantir que os direitos sejam cumpridos, é fazer com que sejam conhecidos e que se tente superar essa cultura de um padrão imposto pela prática de desrespeitar a opinião das grávidas. Talvez eu seja otimista mas está surgindo gente que se importa e, quem sabe, a ideia se espalhe por aí.
Madeleine Lacsko
Jornalista profissional e mãe experimental.Fonte: Blogueiras Feministas
Nenhum comentário:
Postar um comentário