outubro 31, 2013

"da proliferação, ou turbulência das lutas", por Ricardo Gomes

PICICA: "Todos que tem ido para a rua ou que tem sido afetados por esta intensificação política-inventiva que acontece desde junho não estão mais nos lugares esperados. Os partidos ficaram nus em todo seu dirigismo patológico, os sindicatos perderam a pouca legitimidade que ainda tinham e os jovens das favelas nos dão lições em todas as manifestações. Não se trata de romantismo, nem de eleger um novo bom selvagem, ao contrário, trata-se de perceber como a selvageria construtiva, que conjuga desejo destrutivo, solidariedade e devir minoritário, se efetiva constantemente nas manifestações criando brechas reais e isso se dá majoritariamente por obras do esforço destes jovens."


da proliferação, ou turbulência das lutas

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Por Ricardo Gomes

Erra quem pensa que a esperada traição dos sindicatos irá enfraquecer as ruas. Erra porque não sabem que, antes de tudo, não foram os sindicatos que levaram as pessoas para rua, ao contrário, ele, junto com boa parte dos partidos de esquerda, em vários momentos se opuseram de diversas maneiras às ruas.

Isso dito é preciso agora fazer um movimento, ou melhor, apontar uma proliferação. Se trata de, na impossibilidade de seguir devidamente tal movimento, fazer um rascunho desta impossibilidade e acenar para o acaso que lhe engendra. Enfim, como se dá uma proliferação? Desdobremos
Entre movimentos que podemos chamar de macroscópicos e microscópico existe uma diferença que não diz respeito só ao tamanho, mas sobretudo a forma de expandir ou perseverar, de tornar-se ou preservar, de partir ou permanecer. No macroscópico as formas ou coisas (neste momento as duas se equivalem), permanecem sobretudo, só mudam com uma decomposição final, a identidade e a unidade sobressaem. Por exemplo, uma cadeira, um corpo humano, um carro, o legislativo. Por outro lado, uma serie de substancias microscópicos quando estão em certo material são agitadas pelo acaso. Uma partícula que num dado momento faz parte de um material específico, como uma pasta de dente, em outro momento faz parte de uma relação absolutamente nova e já compõe outro material. Este material e estas partículas  são perpassados por variações aleatória de velocidades infinitas. Essa maneira de entender o movimento de proliferação de certas partículas é chamado de Turbulência, e foi descoberto a partir da insuficiência da mecânica newtoniana em responder a dinâmica complexa e aberta da realidade sem cair no circulo vicioso do determinismo.

Ora, essa descoberta da física nos lança numa série de questões que podem ser desdobradas no pensamento político. Mas sem fazer delas metáfora para nada, entendendo toda a realidade contida na explicação, ou melhor, entendemos que essa teoria física consegue apontar um certo movimento do real.

Não se trata de metáfora por que nas ruas pelo Brasil vemos um processo imanente e absolutamente descentralizado que perpassa e compõe diversas organizações majoritárias. Estes micros processos aleatórios, de resistência e luta se extendem por todos os lados, causando uma série de novas relações e possibilitando novas efetivações políticas, se esquivando e produzindo rachaduras na superfície do poder. Ou alguém esperava a popularidade do grito “não vai ter copa?”, ou alguém imagina que a visibilidade dos protestos pelo Brasil não é sinal também de uma aumento de contingência, tanto presencial quanto de outros tipo, internet por exemplo. Essa forma de proliferação aleatória é alimentada pelo que podemos chamar de turbulência das lutas. Mesmo que não possamos cravar um início, já que é legítimo entender várias experiências e conflitos anteriores como acúmulo. Podemos dizer que a partir de junho o processo se intensificou (intensificação e origem não são as mesmas coisas) e deu um salto, mudou o espaço-tempo de todos. Tivemos o aumento de velocidade do tempo para as experiências e fases políticas desenvolvidas pela multidão constituinte. Ao mesmo tempo os espaços foram tomados e da mesma forma passaram por experiências violentas de lutas, controles, invenções autónomas e etc. Também não há por que pensar que vai terminar, como falamos no início. Além da alteração no tempo-espaço o que nos chama atenção é a disseminação das revoltas, sua multiplicidade interna e sua forma de contágio e aglutinamento. Ninguém mais se cala. E, confirmando mais uma parte da tese do Movimento de Turbulência, podemos dizer que não há volta. Não há mais como fazer voltar o consenso violento dos grandes eventos, a paz armada para os pobres, o controle das modulações subjetivas pelo capital, enfim, todo aquele arranjo já não é mais viável na forma que existia antes de junho.

Todos que tem ido para a rua ou que tem sido afetados por esta intensificação política-inventiva que acontece desde junho não estão mais nos lugares esperados. Os partidos ficaram nus em todo seu dirigismo patológico, os sindicatos perderam a pouca legitimidade que ainda tinham e os jovens das favelas nos dão lições em todas as manifestações. Não se trata de romantismo, nem de eleger um novo bom selvagem, ao contrário, trata-se de perceber como a selvageria construtiva, que conjuga desejo destrutivo, solidariedade e devir minoritário, se efetiva constantemente nas manifestações criando brechas reais e isso se dá majoritariamente por obras do esforço destes jovens.

Mas, tratando destes últimos momentos temos pelo menos duas coisas bastante relevantes. Primeiro, existe sim, cada vez mais apoio popular para os manifestantes de todo o pais e uma grande quantidade de enfrentamento espalhados pelo Brasil. Não importa que a grande mídia tente forjar pesquisas dizendo que a criminalização do movimento promovido por ela tem surtido efeito. Pesquisas que dizem o contrário também existem e as ruas não mentem. Em São Paulo mais 2 jovens foram assassinado pelo PM, numa atitude de total desrespeito pela vida e confiaçnao num estado de coisas execrável, onde a exceção sempre foi a regra, onde a morte é a única forma de ação do estado. Tão aterrador quanto isso é o apoio dado a ação, canais de televisão se apressaram em legitimar a ação, em dizer que houve um erro individual do pm, que a arma disparou sem querer e logo voltou a falar de vândalos. Boa parte da população também exerceu sua vontade de punir e destruir o outro, processo comum neste pais fomentado pelo racismo e por uma elite que não abre mão de seu poder de dizer qual perda humana violenta deve ou não chocar. A Pm fez o que sempre fazia mas a população foi para as ruas, se ‘armou’ de black bloc e enfrentou o capital, parou a cidade. Enfrentou a mídia, não aceitando as imposições da criminalização, da propaganda dizendo que vida de pobre não vale nada, já que o problema é sempre o tráfego. Enfrentou a hipocrisia da maioria dos brasileiros (maioria aqui no sentido deleuziano, ou seja, aquele que detém o poder e assim se constitui como modelo), que só se preocupam quando o que é chamado de violência fere o poder constituído, aquele que causa as maiores atrocidades. Em Minas na mesma noite houve confronto numa desocupação de 100 famílias na região metropolitana de Belo Horizonte. No Rio de Janeiro, alguns dias atrás, a PM também matou mais um jovem de comunidade e população da Maré saiu as ruas para protestar, enfim, os desejos fazem emergir, proliferar e potencializar os diversos gritos e revoltas. Isso é sempre diverso, expande, clama, reclama como uma legião sem sujeito definido. Tem assim uma força, sem identidade unitária, é a própria ação do desejo insurgente (de)formando grupos. Tudo isso certamente não teria o mesmo impacto social se não estivéssemos inventando formas de apoio, abertura e visibilidade para estes gritos. Cabe lembrar que isso não é suficiente para nada, não garante vida nenhuma, mais abre uma possibilidade para melhor desdobramento desta revolta, e da resistência, o que é fundamental e que antes não havia.

A segunda coisas tem relação direta com a primeira, trata-se de ver como a mídia tem que se pautar agora pelas manifestações. Hoje em todas as rodas de amigos pela cidade o tema das manifestações surge. Não podendo mais pautar os desejos dos manifestantes a mídia tenta a todo custo criminalizar, num processo que, como já dissemos acima, não tem medo de desvalorizar radicalmente a vida de quem participa das manifestações. Com o governo tem acontecido coisa bem semelhante. Depois de prestar solidariedade a PM no patético caso do Coronel que, depois de espancar um manifestante foi alvo de uma ação de defesa cheia de acontecimentos estranhos, a presidente Dilma prestou no dia seguinte solidariedade aos mortos pela PM, demonstrando toda sua incoerência, ou melhor, todo seu oportunismo claramente reativo, já que nunca havia falado antes contra qualquer excesso que vem sendo cometido pelas policias militares.

Mas voltando a proliferação e a turbulência, lembramos que elas agem na formação de um bloco real de saída, onde o que sai passa por um processo de mobilização das diferenças onde o que possibilita a continuidade do movimento de saída, de invenção, é a indecidibilidade diferenciante. O momento em que um jovem não é mais apenas um morador da favela revoltado nem é mais um aluno desinteressado, ele passa a fazer parte de uma espécie de matilha que inventa seu lugar de atuação política na cidade, sem esperar que os partidos ou a tv lhe diga o que fazer, ele se vale de uma tática, a transforma e assim vai gerando outras formas de aglutinações múltiplas. O devir-educação dos black bloc e professores, é uma educação real e revolucionária, que efetivamente aconteceu e deu margem para a criação do Black Prof, e tudo já é outro, um devir não precisa se institucionalizar para demonstrar sua realidade. É a proliferação aleatória da favela como forma de luta e resistência, esta é a verdadeira potência da favelização, potência de uma multiplicidade rebelde.

Proliferação pela turbulência das lutas no lugar das casualidades dos aparelhos representativos, devir revolucionário no lugar da revolução como finalidade inalterada, disseminação da revolta efetiva e legítima no lugar das manifestações genéricas, paralisantes e cooptadas. Não, não se trata de pureza, se trata de por fogo e deixar o lugar feio, para os purinhos. Nenhuma morte será em vão. Viva a revolta popular das favelas e todas as minorias em luta!!!!

Fonte: PegaroSolComaMão

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